Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 4 de agosto de 2012

Saci-pererê: mito ou espírito?


É possível que o Saci-Pererê seja nosso mito mais conhecido. Ente brincalhão, de aspecto inconfundível, de uma perna só, pitando cachimbo, saltitando, barrete rubro à cabeça, negro, risonho e traquina. É a forma descritiva popularíssima. 

Aqui e ali tem características singulares, que tendem a ser anuladas ou diminuídas pelo efeito da mídia, que veicula um Saci padronizado, igualando suas peculiaridades em todo o Brasil e levando-o para onde não era conhecido. Além da TV há o efeito das “pesquisas” escolares no Mês do Folclore (agosto), imprimindo nas crianças um Saci muitas vezes diferente daquele conhecido naquela comunidade. É um campo para os estudos de folk-comunicação. 

O Saci tem sido estudado por muitos pesquisadores no Brasil. As referências básicas estão sobretudo em Monteiro Lobato (O Saci-Pererê: resultado de um inquérito), Luís da Câmara Cascudo (Geografia dos Mitos Brasileiros) , José Carlos Rossato (Saci) e Alceu Maynard Araújo (Folclore Nacional). 

Um fato interessante sobre ele ainda pouco explorado é sua relação com a Quimbanda, religião mediúnica. Em certos terreiros de culto são evocados como espíritos “da esquerda”, como uma classe de Exus Intermediários (Batizados), do 2º Ciclo, do grupo dos Exus da Terra. Se quisermos ajustá-los à classificação de Allan Kardec (O Livro dos Espíritos) estariam na Terceira Ordem, a dos Espíritos Imperfeitos, exatamente na Nona Classe, a dos Espíritos Levianos, onde se irmanam Duendes, Diabretes, Gnomos, Trasgos, Silfos, Salamandras. Não haveria pois um Saci, mas uma “Falange dos Sacis” . Em lojas especializadas são vendidas suas imagens em gesso, como de outros espíritos. Não é então o mito, mas a entidade de trabalhos. Segundo outras interpretações, como José Maria Bittencourt (No Reino dos Exus) corresponderia ao Exu Calunga ou Calunguinha. Sua ação é maléfica. Faz artimanhas e pândegas para azucrinar a vida do inimigo a mando de alguém. 

Quando encosta (aproxima-se), informam, o indivíduo fica inquieto, costuma andar de marcha-à-ré, assoviando uma música sem identificação. Um sujeito dançando assim num Congado de São João del-Rei / MG, foi logo justificado por um homem que assistia como obra d'um Saci. Noutra ocasião uma mulher foi vista em manifestação para-normal com estas características e logo houve quem dissesse que lhe fizeram mal nalgum terreiro, pondo-lhe um Saci no encalço. Pode incorporar. Num caso relatado em Santa Cruz de Minas, cidade vizinha, manifestou-se numa mulher à guisa de um Exu, tortuoso e rangendo os dentes, visivelmente raivoso. Confessou ser um Saci, batizado, embora não revelasse o nome de batismo e disse que fora pago para atentar e junto com ele estavam outros Sacis, na faina maligna. Um trabalho forte os expulsou. 

O barrete vermelho é a fonte de sua magia. No Fé, zona rural de São João del-Rei, informaram-me que lhe foi dado pelo “Bruto” (Satanás) . Identificaram sua carapuça com o chapéu cônico pontiagudo do Palhaço das Folias de Reis, considerando que este personagem do tradicional folguedo representa o Capeta. Rossato identificou o inverso em São Paulo sobre a carapuça do Pererê: “Ganhou-o de Deus, para tornar-se invisível aos olhos do Diabo”. Cada região com sua tradição. Retirar-lhe a carapuça, deixa-o como um escravo, posto que seus poderes sobrenaturais se tornam dominados. Então, o saci faz tudo que lhe pedirem em troca da devolução da carapuça. 

Na área urbana de São João del-Rei é especialmente identificado pelo assobio repetitivo e tétrico. No Bairro São Dimas, o Capitão de Congado Luís Santana, informava de dois Sacis que assombravam o local. Um assobiava na parte alta do bairro. Outro respondia na baixa. Providenciou-se um cruzeiro, fincado-o no meio, numa colina. Começou-se a rezar nele, inclusive no Dia da Santa Cruz (03 de maio) e os Sacis sumiram. Anos mais tarde fizeram ao seu lado a Capela do Rosário, onde ocorre a festa dos Congados, anualmente, em outubro. Noutro bairro, o Senhor dos Montes, também aparecia, conforme registrou Luís Antônio Sacramento Miranda, na XI Revista do Instituto Histórico e Geográfico desta cidade (O saci-perêrê na Rua das Viúvas). 

Dizia-me um senhor que o Saci é batizado. Não morreu pagão. Por isso pode entrar na igreja e as crianças abaixo dos sete anos, que tem força mediúnica excepcional, na sua inocência, podem vê-los, graças à “mediunidade aberta” até essa idade. Para umas eles fazem caretas e gatimonhas, com outras, rodeia brincando, alegre e faceiro. Justifica assim porque algumas crianças inexplicavelmente tem crises desobedientes de choro ou lúdica dentro dos templos. 

Dirão que estou afirmando que Saci existe mesmo. Isto depende de como o encaram: se como estudioso, veja-o como um mito, valioso objeto de estudo; se como espiritualista ou portador de folclore, como um espírito. Enfim, a questão do Saci ser mito ou espírito não é menos nem mais complexa que a criação de Sacis em viveiros e chácaras aprazíveis, como mostraram a pouco os noticiários. Pelo sim, pelo não, ele vive ao menos como personalidade popularíssima da nossa cultura.

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
**Obs.: dizia-me em São João del-Rei o Mestre Luís Santana, pelos anos noventa, que o Saci pode ser aprisionado dentro do redemoinho. Para tanto, atira-se sobre o torvelinho um rosário de 15 mistérios e chega dentro de seu círculo uma garrafa aberta. O espírito do saci entra e logo é arrolhado. Torna-se um escravo. Quando se está sem dinheiro, abre-se a garrafa. O espírito dele sai e vai buscar dinheiro. Quando por algum meio chega um dinheiro inesperado, então se fecha de novo a garrafa, conservando-o na prisão. Esta crença é antiga e generalizada. O saci é reconhecido por seu assobio moleque, arrepiando os cabelos e assustando os peregrinos. Dizem que ele assobia... assobia e a pessoa olha daqui e dali, nada vê. De repente ele aparece do nada, empunhando uma flautinha de taboca, tocando-a e depois diz ao viajante que passa na curva do caminho: "o pito pitou, canudo rachou!" Repetindo várias vezes, dá uma gargalhada e foge pulando pro mato, cambeta.
*** Leia também outra postagem que contém notícias sobre este mito:

ASSOMBRAÇÕES NO CABURU

2 comentários:

  1. Informantes à época da pesquisa e redação deste texto: em São João del-Rei, Luis Santana (Bairro São Dimas), Luís Cândido Gonçalves (povoado do Fé), Lourival Amâncio de Paula (distrito de São Gonçalo do Amarante), Elvira Andrade de Salles (Santa Cruz de Minas), Luís Pereira dos Santos (povoado da Candonga, Tiradentes).

    ResponderExcluir