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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Folclore, Cultura Popular e Patrimônio Imaterial

Em comemoração ao Dia do Folclore, passado a 22 do corrente e do Mês do Folclore (agosto), este blog traz à tona a presente postagem dedicada a um panorama sobre a caminhada dos estudos do folclore no país. A evolução dos conceitos e por conseguinte do próprio entendimento da matéria tratada é a base desse texto, que o faço em homenagem a todos que eivados de satisfação se irmanam como folcloristas. 

* * *

O conceito ou antes a interpretação do fato folclórico tem mudado intensamente. Não é para menos. A dinâmica é um elemento típico da cultura e notadamente no campo folclórico a rapidez com que as coisas mudam é notória. Sobre modelos ancestrais se constroem novas formas. A Carta de William John Thoms em 1846, na qual surge pela primeira vez esta palavra, "folk-lore", já nos dá esse indicativo nas suas entrelinhas. 

Ficou então patente que a dinâmica é uma de suas essências e no seu processo destrutivo e construtivo ao mesmo tempo, em verdade remodela o fazer pela mescla do saber. As manifestações se adaptam à psicologia coletiva de seu tempo, desde que tenham ainda uma funcionalidade para a comunidade. Do contrário, de fato, perecem. Folclore é pois essencialmente vivo e mutável. 

Nos meados do século XIX o folclore era entendido como um conjunto remanescente de tradições antigas, em vias de total desaparecimento. Urgia recolher em apontamentos o seu conteúdo para que a sabedoria nele contida não se perdesse para as gerações futuras. O museu seria a própria página de um livro temático. 

As devoções populares surgem onde menos se espera.
Cruz da Cristina, Estrada do Brumado, São João del-Rei. 11/07/2015. 

Nas primeiras décadas da centúria seguinte, grandes personalidades no estudo do folclore deram-lhe em conjunto uma nova conotação, adentrando por uma fase de estudo metódico, criterioso. A faina da coleta de campo nunca parou e nunca parará. É uma peculiaridade do folclorista, tantas vezes criticada, condena, julgada e execrada por alguns cientistas sociais, que, em vivência de gabinete, distante da realidade popular, não podem compreender o sentido ou o objetivo deste tipo de trabalho. É porém um trabalho que tem seus méritos e hoje muita gente se debruça  a estudar sobre o material etnográfico recolhido pelos velhos folcloristas, que em suma se tornou a fonte primária da pesquisa... O fato é que uma coisa não impede outra. A briga no campo teórico entre folcloristas e outros cientistas sociais já amplamente analisada, em si, a grosso modo, foi pouco frutífera. 

Em meados dos novecentos a folclorística ganhava uma estruturação bem mais sólida, reconstruindo-se sobre o legado de Mário de Andrade, de Luís da Câmara Cascudo, de Amadeu Amaral, de João Ribeiro e de tantos outros. Começa o mecanismo associativo dos estudiosos Brasil afora e das tentativas nesse sentido a de melhor êxito foi a Comissão Nacional de Folclore, fundada por Renato Almeida em 1947 e ainda na ativa, com comissões estaduais filiadas compondo uma rede de pesquisadores. Logo surgiram as Semanas Nacionais do Folclore (a partir de 1948) e os Congressos de Folclore, o primeiros deles realizado em 1951, no Rio de Janeiro, ocasião na qual se aprovou a Carta do Folclore Brasileiro, um documento de construção coletiva no qual se alinhavam os conceitos em voga a respeito do que seria ou não considerado folclórico e seus pressupostos teóricos à luz de seu tempo. Era um avanço enorme. A primeira sistematização não individual.

Folia de Reis das Águas Férreas visita um lar e canta diante do presépio
iluminado por uma vela, na noite de Natal. São João del-Rei, 2014. 

Os congressos continuaram e as pesquisas folclóricas ganharam tal significado que tomaram o status de movimento cultural, vigoroso, com o desenvolvimento da célebre Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, tendo como expoente Edson Carneiro. Um movimento tão bem ancorado que conseguiu mobilizar um grande número de estudiosos e criou uma linha editorial de livretos e discos compactos em vinil, congregando estudos os mais variados da folclorística e registros sonoros de manifestações folclóricas de todo o país. Gozava de um apoio governamental e político significativos. O folclore era entendido como um elemento de nacionalismo, identitário do povo brasileiro, por assim dizer, um dos componentes da soberania. 

Mesmo depois de arrefecida a campanha, o movimento sem mais a estrutura anterior ou a amplitude de mobilização nacional, prosseguiu porém muito forte ainda nos governos militares. A produção e ação era gigantesca ainda na década de 70.  Mas na década seguinte, apesar do empenho incomensurável dos amantes do folclore o movimento nacional da folclorística entra em fase de latência. 

Congadeiros chegam à Capela do Rosário em seu dia festivo.
Ramos (Ritápolis/MG), setembro/1996. 

Obviamente, que já passadas tantas décadas, as questões conceituais tinham evoluído. Daquele entendimento inicial do folclore como resíduo de cultura em extinção pouco restava. Ele não tinha acabado, nem cem anos após o pioneiro inglês, William John Thoms. Folclore já não era só a manifestação intangível. O material também foi englobado. Assim, de uma cantiga a um balaio artesanal, de uma benzeção a um doce caseiro de laranjas, tudo era folclórico. Com pouco outro avanço ganha corpo: o folclore não era só o antigo, o tradicional. Podia existir um folclore nascente, novo em si ou com uma roupagem recente estabelecida sobre modelo antigo. O folclore vivia também a plenos pulmões nos grandes centros urbanos e não apenas nos arraiais recônditos. Outro tabu se quebra: o anonimato. Passa a ser uma característica secundária; o fato de se vir a conhecer o autor de um folheto de cordel ou de uma moda de catira não os torna menos valorosos para o universo do folclore. 

Ao tempo da redemocratização do país o movimento das comissões estava caquético. Elas se dissociavam, apagavam-se. As edições minguavam. Os congressos esfriaram. Os folcloristas prosseguiam na faina, mas não havia mais movimento significativo. A própria palavra "folclore" estava a horas tantas desgastada, mal compreendida e pessimamente usada. Folclore se tornara pelo emprego errôneo símbolo de mentira, daquilo que não factível. Até numa empresa, quando algo dá errado, uma trapalhada qualquer, já se usa a expressão: "entrou para o nosso folclore". O mesmo na política.

Mastros junto à Capela de São Sebastião durante a festa do orago.
Restinga do Meio (Ritápolis/MG). Janeiro/1996. 

Fora do Brasil, foi por esse tempo, com exatidão em 1989, que a UNESCO na sua 24ª reunião lançou luzes sobre os novos rumos do entendimento dessa cultura. A partir daí, na reunião seguinte foi lavrado um documento que seria um verdadeiro marco, a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Popular e Tradicional. A expressão "cultura popular" que já ganhava espaço em detrimento de "folclore", mas ainda com dissonâncias conceituais, adquiria um espaço maior e a partir de então progride nas preferências de uso. Trouxe um novo alento aos teóricos do assunto e impulso de vigor que aqui no país se reverberou com o soerguimento das comissões... 

Cartuchos de amêndoas. Festa de São Miguel Arcanjo.
São Miguel do Cajuru (São João del-Rei/MG). Setembro/1999.
 

Em julho de 1992 aconteceu em São José dos Campos o Simpósio Nacional de Ensino e Pesquisa de Folclore que a despeito de seu eixo temático com êxito alcançado, foi também o gérmen desse processo de reestruturação das comissões e em especial conseguiu novamente congregar os estudiosos em torno do eixo comum. Na sequência o VIII Congresso Brasileiro de Folclore (Salvador, dezembro de 1995), retomou a série e promoveu a necessária releitura da Carta do Folclore Brasileiro, incorporando os novos conceitos e ajustando os que se tornaram obsoletos. Além dos congressos que se mantiveram desde então (o próximo, 17º, programado para 2016 em Belo Horizonte), surgiram os Seminários de Ações Integradas em Folclore e Cultura Popular, funcionando como eventos nacionais e macrorregionais. 

Enquanto isto, gradativamente a expressão cultura popular ganhou força em detrimento de folclore. Ao mesmo tempo, novos conceitos inclusivos, reinterpretaram essa mesma cultura como um elemento constitutivo de nosso patrimônio. Por conseguinte, nas reconceituações, o folclore é entendido em tempos hodiernos como sua parte imaterial e gozando então de prerrogativas semelhantes. Dentre outros documentos, destaca-se a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, lançado em 2003 pela UNESCO, bastante emblemático nesse sentido e sem dúvidas uma evolução daquelas suas recomendações de salvaguarda de dezessete anos antes.

Espantalho entre hortaliças.
Córrego, Santa Cruz de Minas/MG, 1999. 
O novo texto fortalece no Brasil a tendência aproximativa da cultura popular ao imenso bojo do patrimônio imaterial e órgãos importantes do país começam um trabalho muito sério de reconhecimento e valorizações de manifestações populares, que pouco a pouco ganham espaço nas políticas públicas para culturas, fato inimaginável a poucos anos. 

Assim, a grosso modo, evoluiu a caminhada da folclorística em terras brasileiras. As rápidas considerações deste texto apenas esboçam a trajetória, que prossegue em construção permanente. 

Samburá: trançado de taquara para carregar pescados.
São João del-Rei. Peça da década de 1980. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Iago C.S. Passarelli (cruz e folia); Ulisses Passarelli (as demais fotografias).
*** Leia também: FUNDAMENTOS DO FOLCLORE

5 comentários:

  1. Caro Prof. Ulisses Passarelli,
    Agradeço-lhe o envio do rico material sobre folclore ou cultura popular, que representa uma síntese indispensável a quem se disponha a iniciar-se neste ramo do conhecimento.
    Desejo-lhe permanente progresso nessa senda.
    Abraço do Francisco Braga

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    1. Mestre Braga, com imensa gratidão acolho suas palavras. É um grande incentivador de meu trabalho de pesquisa e escrita, e também, um estudioso sério, grande divulgador dos valores da cultura.
      Grato pela visita que espero permaneça assídua.
      Abraço fraterno do admirador,
      Ulisses Passarelli.

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  2. Olá Ulisses Passarelli, acompanho de perto seus textos, bem esclarecedores, e os indico às pessoas que buscam por mais informações sobre essa temática.

    Gostaria de deixar nosso endereço, da Comissão Sul-Mato-Grossense de Folclore, para eventuais pesquisas sobre o folclore em nossa região, que inclui Pantanal, Cerrado e Fronteiras.
    estacaofolclore.blogspot.com.br

    Obrigada e continue divulgando aspectos do rico folclore brasileiro.
    Abraços
    Marlei Sigrist

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    1. Marlei! Que surpresa! Muita feliz com sua visita e grato por suas considerações e apoio na divulgação. Este blog vai em trabalho de formiguinha carregando pedacinhos da sabedoria do povo. Enquanto for possível e Deus permitir, vamos em frente!
      Visitarei o endereço que sugeriu e também o divulgarei.
      Volte sempre ao Tradições Populares das Vertentes, é bem vinda.
      Um grande abraço.
      Ulisses Passarelli.

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  3. Não tenho visto cruzes beira de estrada no Canadá, EUA e maioria dos países da Europa etc. Tenho-as visto na Rússia, Peru e Brasil. Se Deus o permitir vou continuar também observando por onde o americano do norte ciberneticamente anda filmando estatica e esfericamente 1/2 mundo...:)

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