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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 5 de setembro de 2015

Congado de Bias Fortes: vinte cantos

1-      _ Mestre Domingos, 
10-   Vamos com o rei rondar!
Que veio fazer aqui?
Oi, vamos com o rei rondar!
Vim buscar a sinhazinha,
Vamos com o rei rondar, sinhá,
Sinhazinha para mim!
Vamos com o rei rondar ...


_ Mestre Domingos,
11- A coroa do rei
Quê que você quer?
Não é de ouro e nem de prata;
_ Eu quero a sinhazinha
Eu também já usei
Para ser minha mulher!
E eu sei que é de lata ...


_ Mestre Domingos,
12- _ ô pilão de moçambique!
Quê que você ganhou?
_ É de moçambicar!
_ Eu ganhei uma bengalinha,

Quem me deu foi meu sinhô!
Variante: _ É pra moçambicar!


2-      Quem manda no mundo é Deus,
13- Meu boi-macuco
Quem fica no mundo é eu;
Está no curral,
Resolvendo os problemas
É dia, gente,
Que Jesus me ofereceu ...
Vamos, sinhá!


3-      Menina bonita,
14- Ô beija-flor,
Balão de fulô,
Que beija o mel,
Chega pra cá
Ô que beija Maria,
Tá fazendo calor!
Se Deus quiser!


4-      Vou matar o meu carneiro
15- O rola candí morreu;
Vou cortar os quatro pés,
O saco do boi é teu ...
Depois do carneiro morto,

Quero o meu carneiro em pé.



5-      No passar da ponte,
16- Eu matei meu boi-laranjo,
Meu corpo tremeu!
Pra partir com a freguesia,
Água tem veneno,
Levantei de manhã cedo,
Quem beber, morreu...
Boi-laranjo está na guia ...


6-      Na Bahia tem,
17- Lá no fundo d’Amazonas tem areia ...
Eu mandei buscar,
Me alumeia! Me alumeia! Me alumeia!
Lampião de ouro,

Ferro de engomar.



7-      Na Bahia tem,
18- Eu vi, eu vi,
Eu mandei trazer,
Neném chorar ...
Lampião de ouro,
É dia gente,
Máquina de coser.
Vamos, sinhá!


8-      Lá no céu tem um vela,
19- Dói, dói, coração!
Que alumeia São João,         BIS
Deixa doer!
Alumeia esses devotos
Devagarzinho ...
Que nos deu um café bão.   BIS
Até morrer!


9-      Lá no céu tem uma vela,
20- Ô lua nova,
Que alumeia São João Bosco,    BIS
Ô Estrela do Norte,
Alumeia esses devoto
Vou pedir Nossa Senhora,
Que nos deu um bom almoço.   BIS
Que te dá uma boa sorte!


* * *

O município de Bias Fortes está situado oficialmente fora da Mesorregião Campos das Vertentes, alvo deste blog. Está na da Zona da Mata, Microrregião de Juiz de Fora, mas em seu limite extremo com as Vertentes, com a qual culturalmente é contígua e ao mesmo tempo fazendo intercâmbio e ponte cultural com os elementos da Zona da Mata. Daí sua importância estratégica no estudo da região e o motivo concreto de sua reiterada inclusão nesta página eletrônica. Situação idêntica aliás acontece com o município de Bom Sucesso, no lado oposto, já na Mesorregião Oeste de Minas, Microrregião de Oliveira, que tem papel igual no cenário da cultura popular, como área de transição do folclore do oeste e do centro-sul mineiro. Estes municípios limítrofes são sempre aqui considerados em igualdade. 

Na área de Bias Fortes e municípios limítrofes surgem especialmente os congados do tipo bate-paus, uma modalidade de moçambique. Surgem também em localidades rurais. 


Alguns breves comentários são cabíveis sobre estas cantigas. Foram coligidas de memória, diretamente com a informante, em diferentes ocasiões e portanto não estão em ordem de execução numa ocasião festiva. 



A primeira reveste-se de especial interesse. A citação à figura de Mestre Domingos remete à similitude com cantigas muito antigas, registradas no nordeste brasileiro. A informante dizia que era um canto de buscar princesa, daí a referência "vim buscar a sinhazinha".



O canto nº2 é um ponto, um tanto irônico, referindo-se à prepotência de quem se impõe como mandatário e senhor dos destinos alheios. Em versão simplificada é conhecido este canto em São João del-Rei e cidades próximas. 


Do canto 4 registro uma variante dentro do mesmo tema coligida em Barbacena, 1996: "Eu matei carneiro, / mandei enterrar, / cheguei no rosário, / carneiro tá lá..." (canto de trabalho, capina de roça).

Cantos 5 e 6 são extremamente conhecidos na região das Vertentes e tem diversas variantes, por vezes muito próximas. São considerados pelos congadeiros como cantos muito antigos. 

Do 8 e 9 registra-se em São João del-Rei a seguinte variante, cantada tanto por congados quanto por folias: "Lá no céu uma estrela (ou: uma vela) / que ilumina São José, / ela há de iluminar / quem nos deu o bom café."

O número 12 tem variações, uma das quais anotada em São João del-Rei: "É no pilão de moçambique, / no pilão de moçambique, / moçambique, auê, auá! / Sol vai e lua vem / pra com Deus alumiá!" BIS  É um canto conhecido mesmo em cidades distantes, como Passos/MG, onde é cantado por grupos de moçambique. 

As expressões "boi-macuco" e "boi-laranjo" referem-se à pelagem do animal, cinza-ardósia (como a das penas do macuco) ou cambiante ao alaranjado. A expressão "vamos, sinhá" é corriqueiramente pronunciada contraída, "vamos'inhá!" ou até mesmo transformada em "bamos'inhá". 

O enigmático canto 17 faz ponte com um ponto de congado são-joanense, que o Capitão Luís Santana sempre cantava: "Lá no fundo do mar tem areia... / xique-xique, balanceia!"


O canto 19 era cantado assim pelo Capitão José Camilo, em São João del-Rei, repetido ainda hoje por outros grupos: "Dói, dói, dói, / deixa doer... / dói, coração, / vai doendo até morrer!"

Por fim o canto 20 é entoado com letra idêntica pelo tradicional congo de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, como agradecimento por alguma oferta ao grupo. 


Notas e Créditos 

* Texto: Ulisses Passarelli
** Informante dos cantos: sra. Elvira Andrade de Salles, 1995-1997, in memoriam.

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