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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 2 de agosto de 2015

São Pedro aprende uma lição

Existem vários contos populares que trazem São Pedro por personagem principal, sempre figurando-o com certa verve como um santo turrão, mas ao mesmo tempo querido, através do qual o Cristo transmite lições que servem aos demais apóstolos.  Em algumas narrativas aparece também a mãe de São Pedro, verdadeira megera, invejosa dos poderes de Cristo.

Através destes contos o povo também reinterpreta os ensinamentos cristãos com muita liberdade, facilitando o entendimento. A citação específica à figueira estabelece uma analogia com o episódio bíblico da maldição da figueira (Mt 21, 18-22; Mc 11, 12-14, 20-26), talvez alegoria da esterilidade daqueles que não frutificavam o ensinamento de Jesus. 

Paralelamente, o povo tem seus tabus com a figueira; não exatamente a produtora de figos com os quais se fazem doces na quadra do natal, mas a figueira-brava ou gameleira, árvore ligada às entidades espirituais da linha esquerda, árvore da magia. 

Outro curioso paralelo ou quiçá mera coincidência é o caso da orelha (*) que se verá a seguir, plausível aproximação do santo com o episódio da orelha decepada quando da prisão de Jesus: "Um dos circunstantes tirou da espada, feriu o servo do sumo sacerdote e decepou-lhe a orelha" (Mc 14, 47). "Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão." (Mt 26, 52). Outro versículo diz que foi a orelha direita e que Jesus disse: "Deixai, basta. E tocando na orelha daquele homem, curou-o" (Lc 22, 51). Por fim, é o Evangelho de São João que detalha a cena: "Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. (O servo chamava-se Malco). Mas Jesus disse a Pedro: Enfia a tua espada na bainha! Não hei de beber eu o cálice que meu Pai me deu?" (Jo 18, 10-11). 

Pois bem. Em minha infância em São João del-Rei, meu avô materno contava-me esta passagem, dizendo que São Pedro cortara a orelha do guarda com uma dentada. Foi repreendido por Cristo, que a colou de volta com saliva. 

Nessa colcha de retalhos se destaca então a animosidade atribuída a São Pedro e os complexos culturais desenvolvidos em torno de temas bíblicos.

* * *

Dizem que um dia, no tempo que Jesus Cristo andava pelo mundo com seus apóstolos, que o Divino Mestre passando por uma figueira, pegou um de seus frutos para comer. Porém, notou que estava podre e então o Messias amaldiçoou a árvore, que imediatamente secou e morreu. 

São Pedro, indignado, o repreendeu: 

_ "Mas Mestre... por causa de um só figo estragado o Senhor condenou todos os outros bons?!"
_ "Pedro _ disse Jesus _ já não ouviste dizer que os justos pagam pelos pecadores?"

O apóstolo não aceitou o ensinamento mas não retrucou mais. Calou-se e foram embora pelo caminho afora. 

Adiante, junto a uma árvore, um marimbondo picou São Pedro bem na orelha, que ficou inchada, vermelha, doendo muito. Repleto de raiva, ele pegou uma vara comprida e prendeu em sua ponta uns panos velhos, providenciando desta forma uma tocha. Com ela, meteu fogo no vespeiro e assim matou todos os marimbondos da colônia. 

Jesus vendo aquilo, disse:

_ "Uma só vespa te ferroou e mataste a todas! Não te disse, Pedro, que os justos pagam pelos pecadores..."

E assim , partindo em jornada, São Pedro aprendeu mais uma lição. 


Notas e Créditos

* A orelha na cultura popular indica simbolicamente longevidade. Ter orelhas grandes é sinal de vida longa. Se na noite de São João, ao se contemplar o reflexo de si mesmo nas águas de alguma fonte ou rio, se avistar apenas uma orelha, é sinal de vida curta ou de morte de alguém muito próximo, até da família mesmo. Orelha mole, com arcabouço cartilaginoso flácido é indicativo de preguiça no entendimento do povo. Já no campo do pejorativo, orelha grande é alegoricamente imagem da burrice, lentidão de raciocínio. Assim ouvi nesta cidade mas certamente são tradições conhecidas em muitas outras terras.
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Informante do conto: Joaquim Maia Filho, São João del-Rei/MG, 20/04/2000. 

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