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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 15 de agosto de 2015

Bate-paus: um moçambique de corte

A comunidade congadeira costuma classificar sob a expressão genérica guarda de corte (pronúncia aberta, "córte") aos congados que ao dançar exibem coreografias de batidos de varas, bastões, facões e espadas em movimento belicosos ou graciosos, sempre com função idiofônica incorporada pelas batidas dos implementos. 

Neste contexto se destaca nos Campos das Vertentes o bate-paus, um congado que o povo entende como sendo uma modalidade de moçambique, tanto que é típico trazer paiás atados às pernas, ou seja, jarreteiras de couro prendendo guizos metálicos a nível do tornozelo ou logo abaixo do joelho. Eles dão uma nota singular ao som do grupo com seu tinido ritmado pelas pisadas dos dançantes. 

Mas a semelhança com os demais moçambiques, ou seja, os típicos, que não usam bastões de percussão praticamente para por aí, nesses tornozelos musicais. Talvez ainda se possa apontar alguma cantoria que no estilo lembre um tanto vagamente algo dos outros moçambiques. 

Estes moçambiques via de regra se vestem de branco, usando gorros tricotados, lenços à guisa de turbante, bonés ou como são bem típicos, casquetes. Outro elemento bastante comum no vestuário são longas fitas multicores trespassadas pelo ombro, cruzadas no peito e nas costas. Há grupos que por costume dançam descalços, outros usam tênis branco de ordinário. 

O instrumental é dos menores no reino do congado. Não raro apenas uma caixa marca o ritmo mas alguns grupos tem mais caixas, por vezes tarol, e em certos casos outros instrumentos de corda e fole surgem, além de pandeiros. 

A distribuição geográfica desses moçambiques começa no Vale do Paraíba, em São Paulo, com ocorrência em vários municípios. Lá parece mesmo ser sua zona típica e alguns folcloristas o estudaram naquela região, tais como Alceu Maynard Araújo e Maria de Lourdes Borges Ribeiro. Indícios sugestionam que do Paraíba do Sul os bate-paus se estenderam serra-acima (Serra do Mar e Mantiqueira), até o litoral norte paulista e adentrando por Minas, quiçá por meio de migrantes ou talvez mais ainda, trazido por romeiros que sempre os vêem e aprendem em Aparecida ("do Norte"). De volta às suas terras nas alterosas mineiras reproduziram este congado e o inseriram naturalmente no amplo complexo das Festas do Rosário / São Benedito e Festas do Divino. Aliás, em São Paulo, eles estão no mesmo contexto festivo. 

Desta plausível difusão geográfica, os bate-paus em Minas Gerais se estabeleceram em alguns lugares do estado, sendo bem sedimentado na área dos Campos das Vertentes, disposto como uma faixa de ocorrência: Ponte Nova (Bias Fortes), Santana do Garambéu, Santa Rita do Ibitipoca, Paraíso Garcia, Ibertioga, Barroso, Piedade do Rio Grande e São João del-Rei. 

Neste último município esses moçambiques de bastão existiram no Caquende (*) e na cidade, pelos bairros São Dimas e Alto das Mercês (Rua do Ouro), mas no presente estão extintos. 

Nesta área é muito frequente que esses grupos tenham uma duplicidade, apresentando dois estilos, "congado" e moçambique: é o mesmo grupo, os mesmos dançantes, mas no dia da festa apresentam "congado" de manhã e moçambique de tarde, ou aquele no sábado e este no domingo festivo. O que chamam congado pode ser entendido conforme o grupo em análise como no estilo de um congo ou de um catupé, mas via de regra chamam apenas "congado" ou "congada", de forma genérica, e o moçambique é o bate-paus. O que mudam então é o seguinte: os casquetes por capacetes à modo dos congos; bastões por instrumentos musicais; as fitas trespassadas por aventais bordados como a imitar saiotes. A música altera e os guizos são excluídos. 

Tal versatilidade é frequente na região e vemos aparecer com outras guardas mistas. Em São João ainda na atualidade há grupos que tocam moçambiques (carijó, jomba) e catupé nos intervalos. 

Quanto à cantoria é notório a dominância de cantos curtos, intercalados entre capitão e soldados: 

_ O caminho da cidade...
_ é ouro só!
_ O caminho da cidade...
_ é ouro só!
_ O caminho... (etc)

Outro: 

_ A pombinha rolinha...
_ Vuô, vuô!
_ Caiu no laço...
_ Presa ficô!

Dentre tantos... 

Danças batendo porretes, indicam folcloristas, estabelecem uma similitude com grupos ibéricos que também guardam semelhantes coreografias. Cascudo afirmou:

"Lembra, em certos ângulos, os maculelês brasileiros e os pauliteiros de Miranda do Douro, em Portugal, pelas convenções coreográficas com os bastões, reminiscências de espadas, implemento quase universal e milenar (Europa, Ásia, África)."

Por fim, completando este panorama é interessante observar que estes moçambiques bate-paus em geral não gozam das mesmas prerrogativas dos outros moçambiques na primazia de conduzir o reinado, pelo menos quando estão em festejos que misturam muitos tipos de congados. E por derradeiro é mister observar que sob hipótese alguma os bate-paus se confundem com outros grupos da cultura popular que também percutem madeiras: os vilões são congados que batem varas (manguaras) _ finas e longas, enfeitadas de fitas _ tendo outra musicalidade e coreografia muito distinta e geograficamente estão a oeste das Vertentes; tão pouco com os mineiro-pau, grupos alegres que vivem noutro contexto fora das Vertentes, independentes do Ciclo dos Congados. 

Moçambique, Ibertioga, 1991.
Apresentação durante Encontro de Carros de Bois naquela cidade. 

Moçambique, Piedade do Rio Grande, 1995.
Festa do Rosário, Bairro São Dimas, São João del-Rei.



Moçambique, Piedade do Rio Grande, 1996.  
Festa do Rosário, Bairro São Geraldo, São João del-Rei. 

Moçambique, Alto das Mercês (Rua do Ouro), São João del-Rei, 1997.
Festa do Rosário, Bairro São Geraldo, São João del-Rei.

Moçambique, Barroso, 1996. 
Festa do Rosário, Bairro São Geraldo, São João del-Rei.

Moçambique, Santana do Garambéu, 2011.    
Festa do Divino, Bairro Matosinhos, São João del-Rei. 

Moçambique, Santana do Garambéu, 2015.
Festa do Divino, Bairro Matosinhos, São João del-Rei. 

Moçambique, Paraíso Garcia (Santa Rita do Ibitipoca) , 2015.
Festa do Divino, Bairro Matosinhos, São João del-Rei. 

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional. São Paulo: Melhoramentos, 1964. 3v. 

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de  Janeiro: Ediouro, [s.d.]. 930p.

LIMA, Rossini Tavares de et all. Folclore do Litoral Norte de São Paulo. Rio de Janeiro: MEC/SEAC/FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore; São Paulo: Secret. de Estado da Cultura/Universidade de Taubaté. 1981. 317p.il. p. 113-129.

RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. Moçambique. Rio de Janeiro: MEC/FUNARTE/INF, 1981. Cadernos de Folclore, n.32. 79p.

Notas e Créditos

* O grupo do Caquende se extinguiu a muitos anos, bem como o da Jaguara, povoado vizinho, já no município de Nazareno.
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Fotos: Ibertioga, Piedade do Rio Grande, São João del-Rei, Barroso: Ulisses Passarelli; Paraíso Garcia e Santana do Garambéu (2015): Iago C.S. Passarelli; Santana do Garambéu (2011): Cida Salles.
**** Veja mais em: VAMOS NA CASA DE DEUS! 

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