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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 31 de julho de 2012

Zé Pereira: imagem alegórica do carnaval de outrora

Um antigo refrão carnavalesco, assaz conhecido, atesta a inocuidade desta manifestação folclórica: “viva o zé pereira, que a ninguém faz mal ...” Como de fato a afirmação é legítima. As mudanças sociais é que fizeram mal ao zé pereira. A dinamicidade tremenda do carnaval o consumiu.

Este bloco carnavalesco é um folguedo alegre, barulhento, de irresistível ritmo firmado na percussão de frenéticos tambores - dentre bumbos, zabumbas, surdos, caixas e treme-terras, ou vem animado por uma charanga. Nele se misturam mascarados tradicionais, gente fantasiada de bichos e de bonecos gigantes.    

           De origem portuguesa, atesta o pesquisador Luís da Câmara Cascudo ser o “zé p’reira” natural do norte e das Beiras, aparecendo também nas festas dos oragos locais e nas romarias. Foi introduzido no Brasil primeiramente no Rio de Janeiro oitocentista.

       A novidade fixou-se e rapidamente se espalhou atingindo outros Estados e ganhando cores locais.

Com toques estilizados, adentrou nas grandes sociedades carnavalescas, de rua e de salão.Vila Velha (ES), Pelotas (RS), Goiás (GO), São Bento do Sapucaí (SP), Parati e Vassouras (RJ), Ouro Preto, Mariana e Prados (MG), etc., conheceram a tradição. De muitos lugares desapareceu, sendo hoje raríssimo. Os bonecões acompanhados de charanga e batuqueiros persistem animados em certas cidades paulistas: Atibaia, Iguape, Caraguatatuba, Redenção da Serra, Torrinha e Santana do Parnaíba [1]. Em Minas é afamado no Rio Novo, além de um grupo autêntico em Ritápolis.

Em São João del-Rei marcou época. Na primeira década do século XX até um pouco depois, vários destes grupos desfilavam pelas ruas, vindos de diversos bairros, encontrando-se na avenida e nutrindo certa rivalidade. O Bairro do Senhor dos Montes ficou célebre pelo seu grupo. Um dos registros do prof. Sebastião Cintra, nas “Efemérides de São João del-Rei”, noticia que em 1901, “no sábado de carnaval, percorreram a cidade os barulhentos Zé Pereiras”. O jornal são-joanense “O Repórter” registrou-os. Na edição n.2, de 05/02/1905, encontra-se este trecho: “Barulhoso Zé Pereira tem atordoado os moradores vizinhos á sede do Clube X e a pacifica população das ruas por onde elle tem transitado”. Na de n.4 o jornal atesta que “desde domingo passado que os préstitos do immortal Zé Pereira, tem se succedido, cada qual mais chibante e apparatoso disputando a victoria pelo chic, e numero de socios, uns ostentando asseiados carros, vistosos animaes e outros a pé, sempre em alegria cresente e animadora, fazendo crer que hoje e nos seguintes dias, proprios, mais se enthusiasmarão, honrando e homenageando o deus Momo”. No ano seguinte o mesmo órgão da imprensa reclamava acerca do desânimo do carnaval e a ausência de preparativos (n.1, 04/02/1906): “Os meninos é que estão a zabumbar o Zé Pereira, mas um zé sem futuro, zé que não formará e nem fará as nossas delícias”. Já na edição n.96, de 10/2/1910, em meio a severas críticas à desorganização e desânimo do carnaval daquele remoto ano e aos exageros do entrudo, há este lamento: “Nem ao menos o zabumbar de um Zé Pereira, animado, tão comum em outras localidades de menor importância, tivemos este ano”. Mas esta manifestação ainda durou mais alguns anos e depois sumiu. Só ficou na memória do são-joanense. Parece que do seu esfacelamento surgiram subsídios para os blocos de sujos. Mas averiguar isto exige pesquisa própria. E se o zé pereira é o pai dos blocos de sujos, é então avô do nosso querido “Lesma Lerda”.

E qual não foi a surpresa quando em 14/02/2000, a edição n.1.101 do jornal-mural “Amanhecer”, desta cidade, anunciou: “Zé Pereira domingo de carnaval... concentração 13 horas no Largo do Rosário. Bonecos gigantes e boi-bumbá. Parabéns ao Neném Quati e sua turma”. Era a força espontânea da memória coletiva brotando novamente! E saiu o zé pereira, descendo da Rua das Flores (atual Maestro Baptista Lopes) e se reunindo no Rosário, donde desceu pela avenida central com autenticidade numa memorável e calorenta tarde, girando os bonecões macrocefálicos na pisada certeira dos toques da charanga.

Penso que pelo valor histórico e folclórico este bloco merece grande atenção, hoje desfilando com o nome de “Recordar é Viver”, ainda sob o comando do “Mestre Quati” (Benedito Reis de Almeida). Compõe uma faceta bastante genuína do nosso carnaval de rua. E suas reminiscências foram bases formadoras do carnaval atual. O carnaval tradicional merece um grande apoio.

Vista parcial do bloco do Mestre Quati no desfile do ano 2000. 

Notas e Créditos

* Texto (fevereiro/2002; modificado em 14/06/2009) e foto (05/03/2000): Ulisses Passarelli.
** Obs.: O Professor Antônio Gaio Sobrinho transcreveu em um de seus livros notícia jornalística de 1924 sobre o zé pereira em Conceição da Barra de Minas, àquela época, um distrito são-joanense: "nestes dias, de 3 horas da tarde em diante, começarão a percorrer as ruas os numerosos grupos e cordões de fantasiados e retumbante zé pereira." (Memórias Sentimentais de Conceição da Barra de Minas. São João del-Rei: UFSJ, 2014. 230p.il. p.208).


[1] - In: Revelando São Paulo: Festival da Cultura Paulista Tradicional. SP: CEC, 2003. (DVD) 

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