Algumas tradições sobre Santa Ana
Santa Ana (“Santana”) é avó de Jesus Cristo, comemorada a 26 de julho. Segundo Antônio Gaio Sobrinho, “seu culto, mais antigo no Oriente, foi autorizado, no Ocidente, em 1378”.
Tal autorização me parece um tanto curiosa, haja vista
a Bíblia nada falar a seu respeito. Apenas nas páginas não canônicas
encontramos algo a respeito de Santana. Ora, se os apócrifos foram abolidos de
qualquer uso litúrgico e catequético, então não haveria, nesta perspectiva, sentido venerar
oficialmente uma santa que só tem base neles.
Segundo a tradição ela seria descendente de Davi. Seu
pai era Acar, da Tribo de Judá e sua mãe, Santa Emerenciana. Mas o hagiológio
registra com este nome uma mártir, que ainda em catequização foi apedrejada por
pagãos em lugar não conhecido, no ano 304 d.C. Festejada a 23 de janeiro .
Ana teve uma irmã chamada Emerina (ou Eméria). Emerina
teve como filha Santa Isabel, que se casou com São Zacarias e deu à luz São
João Batista.
Consta que Ana
casou-se três vezes, a primeira das quais com São Joaquim, aos vinte anos de
idade. Por duas décadas o casal permaneceu sem filhos, motivo de grande
tristeza para ambos. Joaquim, que tinha um comportamento caridoso, recebia dos
judeus o descaso por não ser israelita. Assim o repreendiam pelas suas ofertas.
Recolheu-se sem nada dizer à esposa, por longo período, em orações e jejuns. Em
contrapartida, sua mulher igualmente lamentava sua má sorte, sem descendentes e
supostamente viúva. Um anjo oportunamente anunciou-lhes que Deus lhes concederia uma graça extraordinária: o nascimento de uma criança, porta de
chegada do Messias. Joaquim voltou e deles nasceu Maria de Nazaré, a Virgem, Mãe de Cristo e
da Humanidade. Os apócrifos Papiro Bodmer, Proto-evangelho de Tiago, Evangelho
do Pseudo-Mateus e História de José Carpinteiro ,
registram com detalhes o diálogo de Ana com sua criada acerca de seu
sofrimento, suas preces e lamentos, bem como os do consorte, além do anúncio
angélico e aspectos da vida de Maria de Nazaré.
O segundo casamento de Santana foi com Cléofas (irmão
de São José). Nasceu “Maria de Cléofas”, que esposou Alfeu, gerando São Tiago
(o Menor) e o apóstolo São Filipe. Por fim, seu
terceiro casamento se deu com Salome, com quem teve uma filha, conhecida por
“Maria de Salome” que se casou com Zebedeu e tiveram como filhos os apóstolos
São Tiago (dito Maior) e São João (Evangelista).
A descendência deixada por Santana
explica o parentesco de Jesus com alguns apóstolos e com o Batista. Suas filhas
de nome Maria de Cléofas e Maria de Salome, junto com uma terceira Maria, a
Madalena (a pecadora arrependida), é que formaram a tradição cristã das “Três
Marias”, que choraram por Jesus no calvário, junto com uma quarta homônima, a
Virgem Maria, sua mãe. Estas três marias é que são representadas em nossa
Procissão do Enterro com o curioso nome de “Maria Beú”, por três mulheres que
acompanham o esquife do Senhor Morto, com traje de luto, todo preto, com
vestido longo e véu sobre a cabeça. “Beú” é alteração da expressão heu, repetida pelas personagens de tanto
em tanto, quando cantam muito dolosamente: “Heu!
Dómine, Salvator noster!” (Ai! Senhor, nosso Salvador!)
Três Marias é ainda o nome das três
estrelas, que formam a Cinta ou Talabarte da constelação de Órion.
Por ser avó do
Salvador, Santana é considerada padroeira das avós cristãs e pela primeira gravidez em
condições por assim dizer miraculosas, tornou-se patrona das mães (*). Talvez por
isto seja invocada contra inflamações nos seios, como mostra esta benzeção
informada pela saudosa Sra. Elvira Andrade de Salles, em setembro de 1997, natural do povoado do Guilherme,
na zona rural de Bias Fortes / MG, mas radicada a muitos anos no Córrego, em Santa Cruz de Minas:
“Homem bom me deu pousada
mulher má me fez a cama;
quarto escuro,
esteira rôta;
entre os ciscos e a lama.
Senhora Santana benza esses peitos
onde essa criança mama.”
Deu rigorosa
educação religiosa à Virgem Maria, tanto que uma de suas imagens mais populares
representa-a como uma senhora tendo ao lado uma menina (Maria), a quem mostra
um pergaminho com inscrições sagradas. Dizem-na “Santana Mestra”. Daí ser
também protetora das professoras.
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Imagem de Santana da Igreja do Carmo, São João del-Rei.
Acervo da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo.
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Nos tempos do ciclo
do ouro Santana era protetora dos mineradores, por razões pouco claras. Antônio
Gaio Sobrinho, em comunicação pessoal, atribuiu esse padroado à coerente alusão, um
tanto poética por sinal, de que, assim como os garimpeiros procuravam no seio da terra uma joia preciosa, também Santana trazia em suas
entranhas uma joia, a Virgem Maria. Talvez por essa razão sua imagem figura nas
antigas igrejas coloniais das cidades onde houve minas .
Uma notícia curiosa nos revela Antônio Gaio Sobrinho acerca de uma decisão da Câmara de São João del-Rei datada de 03/10/1742 (**):
"acordaram mais em não pagar ao Capelão que diz as missas da Senhora Santana, de agosto em diante, mais que tão somente meia oitava por cada missa por assim lhe mandar a (desistir) por razão da Irmandade estar com dívidas e sem recursos e ser desnecessário capelão por não ser Irmandade e sim Confraria."
Ainda a título de curiosidade e como registro, segue uma peça avulsa do cancioneiro popular (***):
Senhora Santana,
de grande valor:
me dá meu marido,
que a Rosa tomou ...
Deixando o marido
fez a Rosa bem;
e sorte da rosa
e do cravo também!
Nas serras de São José e do Lenheiro encontra-se com frequência a pedra-santana, nome de origem não identificada, aplicada pelos faiscadores a uma espécie de minério de ferro de cristalização cúbica, a magnetita. Narrou-me o amigo Luiz Antônio Sacramento Miranda, que ainda na década de 1970, que as crianças do Bairro Senhor dos Montes, em São João del-Rei, conservavam a simpatia de na Sexta-feira da Paixão, às 15 horas (horário da morte de Jesus), colocar uma pequenina pedra destas debaixo da língua por algum tempo, a seguir a jogando na água. Tal medida, teria o objetivo de garantir aprovação escolar naquele ano, não deixando o jovem estudante "tomar bomba" (ser reprovado).
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Pedra-santana, Serra do Lenheiro, São João del-Rei. |
No Rio Grande do
Norte essa santa goza de enorme reputação, especialmente no Sertão do Seridó,
onde lhe promovem grandes festividades que congregam enormemente os fiéis daquela região, conforme presenciei em 1995 (Caicó e Currais Novos).
No centro-sul mineiro é padroeira secundária da cidade de São Tiago, por decreto do Bispo
de Oliveira, Dom Jesus Rocha . É padroeira de Barroso, Carandaí e Antônio Carlos, com grandiosas festas em seu louvor. Tem
capela em Ressaquinha. Tinha festa em Santa Cruz de Minas, até meados da década
de 1990. Em Prados oitocentista seus devotos intencionaram erigir uma capela própria, intensão não efetivada (****).
Em São João del-Rei/MG, na zona rural, comemorava-se
tal como os santos juninos, porém num âmbito mais familiar que propriamente
comunitário. Considerava-se que a última fogueira do ano seria a desse dia,
consagrada a Santana. Se um mastro de qualquer santo de junho ainda estivesse
de pé, devia ser baixado nesse dia . No bairro de Matosinhos, ainda que
tardiamente (fim do século XIX), ganhou um dia festivo durante as festividades
de Pentecostes, a quarta-feira após o Domingo do Espírito Santo, encerrando as
festividades. No ano de 1891 exerceu o cargo de Juiz de Santana na Festa do Divino, o Cônego Francisco Nunan (*****). Após o resgate da festa em 1998, o seu dia ali passou a ser a quinta-feira imediatamente antes do dia
maior da festa.
Cumpre ainda ressaltar, que a tradição cristã acerca de Santana se estendeu de maneira geral ao candomblé e à umbanda, sincretizando-a com a mais velha dos orixás: Nanã Buruku (ou Burukê), por isto mesmo intitulada “Avó dos Orixás”. As cores votivas de Nanã são o branco e o roxo e por isto, o manacá é sua flor consagrada (******).
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Manacá (Brunfelsia uniflora, solanaceae): branco, roxo, lilás... flor de Nanã. |
- Alnitek,
Anilam e Mintaka. De acordo com a mitologia grega, Órion ou Oríon era um
caçador gigantesco, filho de Poseidon (deus do mar). Artemís (deusa da caça)
fez com que um escorpião o picasse sendo então transformado em constelação,
junto com o inseto. A cristianização do nome se deu por analogia às três
mulheres de nome Maria, ou ainda denominando-as na tradição de “Três Reis
Magos”.
-
GAIO SOBRINHO, Antônio.
Santos negros
estrangeiros. São João del-Rei: [s.n.], 1997.153p.il.
Boa tarde a todos! Na minha Aldeia "Folgosinho" que se situa em Portugal, também há dessas pedras, as quais chamamos de Pedras Santanas..... Um abraço
ResponderExcluirObrigado pela visita, Paulo. Seu comentário demonstra claramente um fato: a cultura não tem fronteiras! Ainda mais a popular... É a presença de Portugal ainda viva em nossas tradições.
ExcluirVolte a visitar este blog e acompanhe suas atualizações.
Eu tenho algumas em casa, depois tiro foto e coloco aqui! Um abraço.
ResponderExcluiramei a historia da vó de jesus
ResponderExcluirParabéns, confrade Ulisses, pela sapiência e diligência ao homenagear Santana. Iremos em comitiva do IHG-SJDR a Barroso no próximo sábado, dia 05/08, em visita ao SER onde se mostra jm exposição sobre a devoção a esta Santa. Lá seremos recebidos pelos confrades Alessandro de Paula e Wellingyon Tibério. Todos estão convidados e compartilharmos o custo do transporte.
ResponderExcluirCada vez mais claro para mim porque meus pais me registraram e batizaram como Ana Maria. Parabéns meu querido Ulisses pela profundidade, clareza e relevância do seu texto.
ResponderExcluirAna Maria de Oliveira Cintra
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