Esses lugares recônditos de Minas! Quanta beleza guardam... Depois de longas estradas de terra, de vários morros transpostos, da contemplação da paisagem natural convidativa, se alcança um povoado, uma vila ou uma pequena cidade. Nela há riquezas culturais, pérolas humanas, belezas arquitetônicas, saberes... hospitalidade; história a ser garimpada. E nós outros fazemos vista grossa... Por que?
Assim é Emboabas, distrito de São João del-Rei, 35 km ao sul da sede municipal, surgido nos princípios do século XVIII ao longo de uma estrada variante que ligava o Caminho Velho ao Caminho Novo. Por esta variante passou certa vez o Imperador do Brasil. Consta que Dom Pedro pousou numa fazenda alguns quilômetros abaixo de Emboabas. O lugar, não à toa, é conhecido por Pouso Real, região montanhosa e aprazível.
Outrora o nome do distrito era São Francisco do Onça, de origem setecentista. Há mesmo um fluxo d'água que banha o lugar chamado Ribeirão do Onça. O topônimo lamentavelmente foi alterado pelo Decreto nº 1.058, de 31/12/1943 passando a se chamar Emboabas. A história contudo não consignou nada que ligasse a localidade aos emboabas ou à contenda que levou seu nome, a Guerra dos Emboabas. Aparentemente o nome Emboabas é despropositado e melhor o fariam se retomassem o topônimo original, ligado à identidade do lugar. Ainda hoje, muitos e muitos chamam aquela vila de Onça, sempre no masculino, mostrando a força felina deste nome resistente.
Emboabas guarda ainda na memória dos mais idosos lembranças da santa do lugar:
Sá Luíza da Cananéia. Santa na língua do povo, que considera Sá Luíza uma virtuosa e taumaturga, tal como Nhá Chica, outra são-joanense, esta já na condição oficial de Beata, ora em processo de canonização. Segundo narram (*), Sá Luíza já idosa, toda primeira sexta-feira de cada mês, partia à pé até São João del-Rei (45 km desde Cananéia!), estrada de terra, pé no chão (sem calçados), de vestido comprido e mangas longas, lenço atado à cabeça, terço na mão, para assistir missa na Igreja de São Francisco de Assis. Sá Luíza tomou à frente a tarefa de edificação da Igreja do Sagrado Coração de Jesus na Cananéia. Morreu queimada em sua casinha perto da igreja. Reservados alguns detalhes, a essência dessa narrativa, foi registrada por meio de outro informante por SACRAMENTO (2017), antes que esse blog o fizesse, que ora tão somente corroboramos por nova informante. Isto demonstra que ainda palpita a memória popular acerca de Sá Luíza, no aguardo de um movimento, um estudo substancial, algo que a resgate do passado, antes que o tempo leve consigo os que a conheceram pessoalmente. Sá Luíza bem merecia estar no patamar de Nhá Chica, pois assim como ela foi um ícone do sagrado, tal e qual naqueles idos da primeira metade do século XX também o fora Manuelina de Coqueiros, pras bandas de Entre Rios. Mulheres Sagradas de Minas!
Cercado por sítios e fazendas, nada mais natural que a devoção a São Sebastião florescesse em Emboabas, pois via de regra é queridíssimo na zona rural, protetor da atividade agropecuária, posto que é guardião contra a fome, a peste e a guerra. Naturalmente, por estas prerrogativas sagradas, guarnece plantios e criações de desastres, doenças e outros revertérios, que trariam a escassez dos mantimentos. Contudo, as mudanças diversas e as dificuldades, esmaeceram este festejo, que a cerca de doze anos não acontecia. Os esforços da paróquia, da comunidade e notadamente dos festeiros, possibilitaram o retorno da festa.
Década e pouco atrás numa dessas festas no Emboabas, veio num ônibus de São João del-Rei o congado do Capitão Raimundo Camilo (do Bairro São Dimas) e duas folias de São Sebastião: a do Bairros da Fábricas, à época sob a chefia do folião "Tião Domingos" e a do Bairro Guarda-mor, do folião "João Matias". Os grupos na ocasião dançaram e cantaram pelo largo animando bastante a festa.
A festa de 2018 foi iniciada com tríduo preparatório no dia 25, contando com várias atividades religiosas: caminhada luminosa, celebrações, procissão. O dia maior, domingo, 28, principiou com alvorada festiva, apresentação de folia de São Sebastião na igreja, no largo e em visita a casas, missa na matriz, almoço festivo, leilão de gado e de prendas, procissão. Além do som mecânico, no palco da festa aconteceram shows e no largo algumas barracas animavam os visitantes.
A valorização ao homem do campo transparecia no próprio programa, que anunciou claramente que a festividade era em honra a São Sebastião (protetor da agricultura) e a Santo Isidoro (protetor do agricultor). Ao término de uma das celebrações o sacerdote abençoou vários saquinhos de sal, que os devotos recolheram para uso, misturando-se ao sal dado ao gado bovino. Ainda se ressalte a bênção de pequenos estandartes destinados aos fazendeiros.
A retomada dessa festa é uma oportunidade promissora de valorização da comunidade. As possibilidades culturais, que se abrem em leque, possibilitam confraternização e aprendizado. Tanto mais, traz visibilidade ao distrito. Este Blog parabeniza a todos os responsáveis pela iniciativa e faz votos de que prossiga ano após ano.
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1- Igreja Matriz de São Francisco de Assis, Emboabas. |
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2- Largo em festa: cruzeiro e barracas festivas. |
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3- Casa paroquial de Emboabas, bem cultural digno de preservação. |
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4- Folieiros recebem o café da manhã. |
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5- Rosquinhas caseiras e café na ciculateira (**): tradição interiorana. |
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6- Mastro de São Sebastião no adro da matriz. |
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7- Detalhe da imagem de São Sebastião. |
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8- Andor de São Sebastião. |
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9- Andor de Santo Isidoro, padroeiro dos agricultores. |
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10- Folia Embaixada Santa, de São João del-Rei,
canta o martírio de São Sebastião diante do andor. |
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11- A folia visita uma casa. |
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12- Antigo frade de pedra, de talha sextavada:
elemento histórico chantado no Largo da Igreja.
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13- Cartaz da Festa de São Sebastião e Santo Isidoro, Emboabas (São João del-Rei/MG). 30 x 40 cm, papel couché.
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Referências Bibliográficas
SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Sá Luíza da Cananéia. In: Em Voga, São João del-Rei, n.6, ano 3, dezembro/2017.
Notas e Créditos
* Informante: Sra. Isabel Batista Moreira, moradora do distrito. Descreveu com muita vivacidade e emoção as virtudes de Sá Luíza, pois a conhecera pessoalmente. Este Blog registra a mais sincera gratidão à informante pela presteza e sinceridade do diálogo.
** Ciculateira: ou chiculateira, possível corruptela de chocolateira, vasilhame metálico de fundo largo e boca em gargalo. Também chamada conforme a localidade de sapona e muxambeta.
***Texto: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: Ulisses Passarelli: 2, 7, 8, 9, 12, 13; Iago C.S. Passarelli: 1, 3, 4, 5, 6; Cida Salles: 10 e 11
***** Obs.: agradecimentos especiais ao festeiro Cláudio Guimarães Pereira, que com muita sensibilidade, convidou e proporcionou a presença da folia no festejo.
REVISÃO: 09/04/2024
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