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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 12 de novembro de 2016

Brincadeiras infantis - parte 5: fórmulas de escolha

Algumas lúdicas infantis, notadamente os jogos, tem em suas regras a premissa de se definir quem será o primeiro a começar a ação. Quando não surge um voluntário, para que haja justiça na escolha, não recaindo sobre o de menor idade, o mais fraco, o mais lento ou o menos experiente na brincadeira, se procede a um sorteio entre os participantes com o intuito de escolher "com quem está" a queda" (*).

O procedimento desta escolha é especificamente o alvo desta postagem, posto que não se trata de simples sorteio, com nomes ou números escritos em pequenos papéis para se retirar a esmo um deles que indicará o escolhido. Não é assim tão convencional. Se existe só uma bicicleta para quatro ou cinco brincarem ou se quer saber com quem está o pique, existem fórmulas próprias de escolha. Quando a criançada decide brincar de gangorra, ou num balanço, em qualquer brinquedo no qual se precisa definir quem será o primeiro a usar, para não haver motivo para discussão e desavença, aplica-se uma fórmula de escolha. Seu resultado é plenamente aceito, entendido como uma medida que isenta a escolha de trapaça. 

Algumas fórmulas de escolha são deveras conhecidas e difundidas por várias regiões. Outras nem tanto. Passemos em breve revista algumas vigentes em São João del-Rei e região.

*  *  *

Par ou ímpar: mecanismo de escolha entre duas crianças, postadas frente a frente. Uma diz "par" e a outra, "ímpar". Levam ambas as mãos para trás do corpo. Olhando-se fixamente, anunciam em uníssono: 

"Um dó-lá-si 
vamos e ... já!"

De imediato e com rapidez estendem as mãos para frente indicando com uma ou ambas um número qualquer, contado por cada dedo estirado, entre zero e dez, independente de se ter escolhido par ou ímpar. A soma dos valores apontados por ambos vai dar um número que se for par dá a vitória a quem escolheu par, se der a ímpar, a quem escolheu ímpar. 

Cada macaco em seu galho: é uma fórmula de eliminação usada quando existem mais crianças brincando. Uma delas toma a iniciativa de pegar uma pedrinha no chão. Leva as duas mãos para trás do corpo e secretamente troca entre elas a pedra de modo que as crianças não saibam em qual está. Estica ambos os braços com firmeza tendo as mãos bem cerradas para não evidenciar a pedra. Os brincantes se esforçar por adivinhar a mão correta: espiam por entre seus dedos se aparece uma fresta que permite ver a pedra. Quando ele anuncia "cada macaco em seu galho!", todos prontamente seguram num de seus braços esticados, uns na direita, outros na esquerda, conforme o palpite individual. É comum brincarem como se estivessem pendentes num galho (o braço) e daí caem, mas logo se penduram de novo. Então ele abre as mãos e revela onde está a pedra. Os que escolheram esta mão permanecem em fase de escolha; os que escolheram a mão vazia estão eliminados. E repete a operação eliminando mais, até sobrarem só dois. Se os dois remanescentes escolherem a mão vazia, repetem a vez com eles, determinando que cada um escolha braços diferentes. 

Uni-duni-tê: uma criança dentre as demais e toma a iniciativa de aplicar a fórmula para uma escolha. Se posta frente a frente as demais, quase sempre poucas, duas ou três. As que estão sendo escolhidas ficam lado a lado. A que vai fazer a escolha fica diante delas e apontando alternadamente o dedo indicador para cada uma, recita: 

"Uni-duni-tê!
Salamê minguê!
Um sorvete colorê!
Escolhido pra você!"

A recitação é um tanto cantada, ou antes apenas ritmada e nesse ritmo, o dedo aponta a cada sílaba ou tempo forte para uma criança. A escolha recai na última palavra que em tom de suspense é dividida: "vo... cê!" A sílaba "vo" aponta para uma criança e a "cê" é que verdadeiramente indica a escolhida. E o jogo começa por ela. Uma variante diz no último verso: "Escolhido foi você". 

Cara ou coroa: fórmula das mais conhecidas, cosmopolita, que os próprios árbitros de futebol usam para definir em qual lado do campo ficará cada time. Da mesma sorte nos jogos infantis. Mas pode ser usado para qualquer escolha entre duas crianças. Usa uma moeda. A criança escolhe um lado da moeda (cara - a efígie da República) ou o outro, onde está cunhado o valor (coroa). A moeda é jogada para o alto e aparada na palma da mão. A face voltada para cima indica a vitória de quem a escolheu, seja cara ou coroa, com igual probabilidade de ocorrência. 

Zerinho ou um: fórmula de escolha ou processo de eliminação na qual os participantes ficam diante uns dos outros e estendendo o braço com a mão fechada indica-se o algarismo zero; braço estendido com o dedo indicador estirado indica o algarismo um. Antes de indicar o braço fica escondido atrás do corpo ou junto da coxa, sempre com a mão fechada, enquanto os participantes em coro entoam: 

"Zerinho-um!"

A pronúncia é lenta, sílabas divididas: "zé...ri-nhooo...um!". O "um" é incisivo e decisivo. Ao ouvi-lo, rapidamente estiram o braço e mantém a mão fechada (zero) ou o dedo apontado (um). A eliminação se faz por partes: é excluído a minoria que apontou ou zero ou um, gradativamente, até restarem apenas dois. Ou seja: se todos por coincidência põe zero ou põe um, ninguém sai; se exatamente metade põe zero e outra metade põe um, também permanecem todos. Se a maioria põe zero, a minoria que pôs um é retirada; ou o contrário, se a maioria pôs um, a minoria do zero sai. Quando só restam dois na fórmula ela não pode mais ser aplicada e precisa ser concluída com outra fórmula de escolha, qualquer uma das demais que constam nesta postagem. 


Notas e Créditos

* Com quem está: expressão usual para indicar o indivíduo que numa dada partida de uma brincadeira infantil é o responsável por iniciar o jogo, correr atrás dos outros brincantes, procurá-los ou assumir qualquer outra função de destaque na regra do jogo. 
Queda: a partida em si. Uma queda: equivale a uma partida, um jogo independente. 
*** Texto: Ulisses Passarelli

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