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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 11 de outubro de 2016

Senhora Aparecida nas Vertentes

Nossa Senhora sempre foi muito querida pelos católicos e alvo de grande devoção popular. Dentre tantas invocações marianas, uma ganhou um destaque especialíssimo como padroeira do Brasil, comemorada a cada 12 de outubro desde o ano 1980: Nossa Senhora Aparecida. Na referida data, o querido Papa João Paulo II consagrou a nova Basílica em Aparecida / SP e a devoção que já era enorme ainda mais se agigantou. 

A fama dos milagres da santinha de terracota, achada quebrada no fundo do Rio Paraíba do Sul por pescadores em 1717, correu por terras longínquas e nesses três séculos _ que se completam em outubro do próximo ano _ atraiu milhares e milhares de romeiros o ano todo para a cidade paulista. O complexo religioso do santuário merece ser visitado. Todos os meses recebe muita gente e na festa principal acolhe uma multidão impressionante.

Não tardou que corresse sua fama de protetora dos pobres, dos humildes, dos pescadores, dos escravos. Desde os primeiros milagres narrados facilmente se depreende esta lição:

1- espanta a fome dos pescadores abarrotando-lhes as redes de peixes;
2- rompe grilhões de um cativo;
3- reacende velas apagadas na humilde ermida primitiva;
4- cura de cegueira a uma menina;
5- guarnece um pescador desprovido de munição do ataque iminente de uma onça feroz;
6- resgata do afogamento um menino que ia sendo tragado pela correnteza;
7- impede a entrada do herege a cavalo na igreja...

Traduzindo em essência e sequência...

1- provê;
2- liberta;
3- ilumina;
4- cura;
5- protege;
6- salva;
7- combate o ateísmo.

Este último sob a ótica da cultura popular é de uma eloquência notória, porquanto o cavaleiro em atitude de zombaria queria a todo custo entrar na capela e destruir a imagem aparecida das águas do Rio Paraíba do Sul, mas as patas de seu cavalo não conseguiram ultrapassar a pedra da soleira de entrada, porque as ferraduras como que grudaram na rocha, como se fundindo à ela ou colando... Na "Sala dos Milagres" da Basílica Nacional, dentre os inúmeros ex-votos, está esta pedra notável, sempre alvo de muita observação dos romeiros, comentários, ponderações, considerações. Afinal, em silêncio, a força divina freou o renitente, o poderoso, o zombeteiro, o opressor, aquele que duvidava do poder sagrado. Isto marca a alma do povo. 

Pois através dos visitantes que chegam e saem, a devoção se esparramou e logo capelas, igrejas, grutas, grupos folclóricos e festas a ela dedicadas se espalharam pelo país. 

É comum que em Aparecida se veja a presença de congados e folias das mais diferentes regiões visitando o santuário e cantando para a santa querida. Esse costume ganha força especialmente em duas ocasiões: as folias em janeiro, durante um grande encontro, e os congados em abril, após a Semana Santa, pela festa de São Benedito. São grupos paulistas, fluminenses, paranaenses, capixabas, mineiros e goianos. Mesmo aqui da região das Vertentes, eles demandam para lá. Grupos de São João del-Rei, a 300 km de distância encaram a perigosa viagem pela Mantiqueira madrugada a dentro para assistirem a primeira missa matutina e peregrinarem em cantorias. Uma fé notável, inabalável. E de retorno trazem consigo imagens, quadros de santos, medalhas, instrumentos musicais, lembranças, experiências. A romaria a Aparecida é esperada o ano todo, ansiosamente. 

Foi então muito natural, simples, automático, que folieiros e congadeiros a tomassem por padroeira, cantassem em versos e estampassem em bandeiras e mastros. 

No ir e vir a cada ano são trocadas experiências e saberes entre os grupos da cultura popular. É sempre uma oportunidade de enriquecer o cabedal de conhecimento e de renovar a fé. 

Uma das tradições mais arraigadas do dia desta santa é a soltura de fogos de artifício não exatamente nas igrejas mas nas casas dos devotos. O povo acorre à compra de foguetes e rojões e de seus quintais, do alto das lajes das residências, da rua fronteiriça ao lar, das pracinhas, soltam seu foguetes em homenagem à santa amada, nas horas abertas: 6, 9, 12, 15, 18 horas. Mas é sobretudo ao meio-dia que ouvimos o maior número de fogos estourando no ar. O espetáculo é digno de nota e se mantém firme ao longo dos anos. 

Nas cidades e povoados da região das Vertentes há várias festas a ela dedicadas. O dia é um feriado muito respeitado pelo povo. 

Ainda a pouco noticiamos sua festa no distrito tiradentino de César de Pina.

Em matéria jornalística recente noticiou-se que em 2016 estavam programadas festas em honra a esta invocação mariana em São João del-Rei, no Salão Comunitário do INOCOOP (Paróquia do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos), na Capela de N.S. Aparecida da APAE (Paróquia de São João Bosco) e na Capela de Nossa Senhora Aparecida do Bairro Guarda-mor (Paróquia de São Francisco de Assis) com ampla programação religiosa e social (*).

É orago de pelo menos cinco capelas na zona rural são-joanense: no Valo Novo, em Goiabeiras de Baixo, no povoado do Cedro, no Sobe e Desce e agora no Mumberra, esta sendo inaugurada hoje, beirando as montanhas da Serra do Lenheiro. Cada uma delas sedia uma festa própria. 

No Cedro, situado no distrito e paróquia de São Miguel do Cajuru (São João del-Rei) é co-festejada com São Sebastião (outra grande devoção das zonas rurais), agora em outubro em sua capela própria, dias 22 e 23. Destaque para o encontro de duas cavalgadas no campo de futebol, uma vinda do Cajuru e a outra do Morro Grande e congregação das imagens dos padroeiros da paróquia do Cajuru na capela: São Miguel (do Cajuru), São Benedito (da Vendinha), Sr. Bom Jesus do Monte Calvário (do Chaves), Nossa Senhora das Graças (do Morro Grande) e Nossa Senhora Aparecida (da Colônia Santa Inês - já do município de Barbacena). Daí correm procissões, missas, festa de largo, almoço, queima de fogos de artifício. Também marcada a presença de uma folia de Reis vinda de Lagoa Dourada, no sábado à noite.

No povoado do Fé embora não seja a padroeira goza de grande devoção e é lembrada em festejos. Houve naquele lugar uma folia dedicada a ela, organizada a vários anos pelo saudoso Mestre "Lu Candinho" (Luís Cândido Gonçalves). 

Em São Gonçalo do Amarante (ex Caburu), existe uma guarda feminina intitulada "Congada Azul e Branco Nossa Senhora Aparecida", ao estilo dos catupés, sob o comando do Capitão Domingos Sávio dos Passos. Levantam um mastro para ela na Festa do Rosário (ao lado do mastro do Rosário que é erguido pela guarda de congo do lugar). Na procissão saem os andores de Nossa Senhora do Rosário, de Nossa Senhora Aparecida e de São Benedito. 

A devoção a Nossa Senhora Aparecida é muito intimista. Quantas mães católicas ao nascerem suas filhas as batizam "Maria Aparecida" em homenagem à santa! Nos altares domésticos, diante da imagem enegrecida, de manto azul-anil e coroa cingindo a cabeça, postam-se as famílias na reza do terço; nas casas dos benzedores, um quadro está na parede com a estampa da Senhora Aparecida e em seu nome sussurram preces curativas e fazem cruzes gestuais sobre feridas e contusões. Nossa Senhora Aparecida está pendente numa medalha ao peito de uma criancinha para proteger-lhe; foi decerto sua tia ou a madrinha que ofertou, ciosa de seu dever protetivo. Senhora Aparecida está dentro da carteira do devoto, estampada num papel, santinho, prece, dobrada, surrada, pontas amassadas e desgastadas, mas insubstituível, pois é a garantia de uma bênção tão creditada. Está no ar, chegando por uma voz de radialista, às 18 horas, nesse Brasil interior, na beira do fogão à lenha, no curral, na varanda, no alpendre, no quarto estando-se acamado, na sala enquanto se espera a janta... a hora da Ave Maria, a bênção que chega por uma emissora. Ouvir no rádio à pilha a bênção de Nossa Senhora Aparecida é um dos costumes católicos mais arraigados. É hora da senhorinha que faz o crochê na velha cadeira pedir ao neto que se cale... "_ Vem rezar comigo, minino!" 

1- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Córrego.
Santa Cruz de Minas (**), 14/08/2016. 

2- Nicho e gruta de Nossa Senhora Aparecida,
Gameleira, Bairro Tijuco, São João del-Rei. 18/08/2013. 

3- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, INOCOOP,
Bairro Matosinhos, São João del-Rei. 18/08/2013. 

4- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Cohab Nova,
São João del-Rei, 11/08/2013. 

5- Gruta de Nossa Senhora Aparecida, Cohab,
São João del-Rei, 11/08/2013. 

6- Catupé Nossa Senhora Aparecida, de Piracema/MG,
durante a Festa do Rosário de Passa Tempo/MG, 18/10/2015. 

7- Moçambique Nossa Senhora Aparecida, de Passa Tempo/MG,
durante a Festa do Rosário naquela cidade, 18/10/2015. 

8- Quadro de mastro de Nossa Senhora Aparecida, durante a Festa do Rosário
em São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei), 11/10/2015. 

9- "Congada Azul e Branco de Nossa Senhora Aparecida", de São Gonçalo do Amarante
(São João del-Rei), durante a Festa do Rosário naquela vila, 11/10/2015.  

10- "Congada Azul e Branco de Nossa Senhora Aparecida", de São Gonçalo do Amarante
(São João del-Rei), durante a Festa do Rosário naquela vila, acompanhando o andor de
Nossa Senhora Aparecida na procissão, 11/10/2015.  

11- "Congado Nossa Senhora Aparecida", um catupé da cidade de Resende Costa,
durante a Festa do Divino em Matosinhos, São João del-Rei, 15/05/2005. 

12- Congo das Águas Férreas, Bairro Tijuco, São João del-Rei,
durante a Procissão de Nossa Senhora Aparecida no Bairro Guarda-mor,
na mesma cidade, em 1983.

13- Folia de Nossa Senhora Aparecida, povoado do Fé
(São João del-Rei). Data desconhecida. 

14- Imagem de Nossa Senhora Aparecida no altar da capela mortuária
do Cemitério Municipal de São João del-Rei ("Cemitério do Quicumbi"),
14/07/2016. Observar o rosário de pedra sabão em derredor, a presença de orações impressas
(do tipo corrente) e de fotografias 3 x 4 cm de caráter ex-votivo. 

15- Oratório em madeira, improvisado num oco natural de uma árvore
de Ficus, na arborização do calçadão da Avenida Leite de Castro
em São João del-Rei, 15/06/2016.

16- Detalhe do mesmo oratório da fotografia anterior.
17- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida
em Coqueiro (Prados/MG), 2016.
18- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida, co-festejada
com São Sebastião, no povoado do Cedro (São João del-Rei), 2016. 
19- Cartaz da Festa de Nossa Senhora Aparecida,
Colônia Santa Inês (Barbacena/MG), 2016. 
20- "Nossa Senhora Aparecida nos proteja" : frase de para-choque
de caminhão. 

Notas e Créditos

Gazeta de São João del-Rei, n.945, 08/10/2016.
** Construída graças aos esforços do sr. Lorival Ramos ("Lorinho"), em 14/10/2005, conforme placa metálica afixada na gruta. Junto à gruta fica uma fonte de água potável que drena de nascente em bêta ao sopé da Serra de São José. Vez por outra corre notícia do poder curativo ou miraculoso dessas águas. 
***Texto: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: 1-7, 11, 14, 18-20: Ulisses Passarelli; 8-10, 15-17: Iago C.S. Passarelli; 12 - autor não identificado; oferta: gentileza do Capitão de Congo Geraldo Elói de Lacerda; 13- autor não identificado; oferta: gentileza do Folião Mário Calçavara.

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