Sendo um santo muito querido, com uma imensidão de fiéis, São Sebastião tem o privilégio de ainda receber festejos mesmo além de seu dia votivo, 20 de janeiro. É assim que, talvez, escapando de concorrer com festas maiores, certas comunidades rurais o festejam um pouco depois, como por exemplo a Capela de São Bento, no Gritador (Prados), na sua capela própria na Restinga do Meio (Ritápolis), na de São Domingos Sávio, em Ibitutinga (São João del-Rei), junto com o padroeiro. Aqui mesmo na cidade, na comunidade da Avenida Santos Dumont, em Matosinhos, já a alguns anos vem sendo comemorado junto com São Benedito em abril, reunindo congados e folias.
Foi assim que aconteceu mais uma vez em São Gonçalo do Amarante, ex Caburu, distrito são-joanense, para alegria dos seus devotos, que viram de volta esta festa que ano passado não ocorreu, quebrando sua sequência anual, como antigo e tradicional evento que é.
A festa contou com tríduo e missa diária às 19 horas, sendo que no último dia houve a reabertura da Capela do Santíssimo Sacramento. A base das reflexões teve como tema "Com São Sebastião testemunhamos a fé, assumindo a nossa missão" e o lema "É para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5,1).
Vinte e cinco de janeiro foi o dia maior, com alvorada de fogos e sinos às 5 horas, missa festiva às 10, leilão no começo da tarde, missa seguida de procissão 16 horas, concluída com bênção do Santíssimo Sacramento e como arremate, queima de fogos 21 horas.
Como notas de destaque é preciso frisar a presença da folia de São Sebastião local, sob o comando de Lourival Amâncio de Paula, o querido e respeitado Mestre "Vavá", baluarte da cultura local, que muitos esforços tem feito para manter os folguedos da terra. Com apoio de seus companheiros de folia, rumou para a praça e animou os festejos de largo, visitou a igreja com louvores ao santo mártir e igualmente animou com seus versos a procissão.
Da mesma maneira exitosa, foi a "Folia do Carlão", sob o comando do Folião Carlos Leandro de Oliveira, da Colônia do José Teodoro, no mesmo município, com belos versos sob a voz do experiente Embaixador Antônio Francisco dos Santos. Esta folia fez o mesmo trabalho da outra e ainda visitou várias residências.
É mister registrar que as duas fizeram um encontro na praça, momento pacífico de confraternização.
Houve um almoço com renda em favor da festa. Sua produção e venda demandou uma conjunção de esforços de festeiros e colaboradores.
Outro ponto de destaque foi o leilão, muito bem conduzido por Deilson Gonçalo Alves. Os procuradores previamente em árduo trabalho prepararam tudo, ganhando bezerros, garrotes, leitões, frangos e galinhas para o evento. Foi armado de improviso um curral de tábuas na praça, sob a sombra de uma grande árvore. É de se destacar o trabalho abnegado do procurador de gado (*) Ednei Sebastião de Oliveira, ao centro do curral separando os lotes de animais. O leilão foi muito concorrido e por diversas vezes assistiu-se a cena de reses arrematadas e de novo doadas ao leilão, para aumentar a renda de São Sebastião, como dizem, prova concreta do espírito colaborativo do devoto povo rural.
É ocasião de se notar de perto, a prática do leiloeiro, o círculo de gente observando e dando lances, comentando sobre as qualidades de um animal, que tem condições de largo desenvolvimento e futuro lucro. Os olhos treinados incitam preços maiores e assim passaram primeiro os bovinos, depois os porcos e por fim as aves peiadas (com peia, ou seja, de pés atados por embira para não fugirem). Para arrematar, o sr. Mário Alves, artista da terra, congadeiro e folieiro, doou uma de suas esculturas artesanais para o leilão, um belo galo entalhado em madeira, que foi bem disputado (**).
A procissão trouxe o povo todo ao largo, sob o ecoar do sino no campanário. Na forma de praxe, tomou o rumo do cemitério, em frente ao qual retornou para o outro extremo da vila e por fim ao templo colonial. A bela imagem do santo estava em andor forrado de tecido vermelho, com flores vermelhas, com uma faixa vermelha trespassada ao peito... tudo vermelho, que é a cor do santo mártir, do sangue, da vida entregue por Cristo. Atrás da imagem, ramos de laranjeira perfumada lembrança evocativa da verde mata.
No seu decurso, a Folia do Vavá atrás do andor e a do Carlão na frente, fizeram a música de todo o itinerário, sempre com versos laudatórios muito respeitosos, enaltecendo os atributos do glorioso taumaturgo ou narrando em cantoria passagens de seu tocante martírio. O povo estava concentrado na função religiosa, em prece e no meio ainda vimos algumas crianças de colo, carregadas carinhosamente, vestidas unicamente de calção e uma faixa larga de tecido em diagonal sobre o peito. Tudo vermelho, óbvio. Imitando a vestimenta do santo, essa forma de pagamento de promessa tão singela vai rareando e na cidade já não se vê facilmente.
O festejo em São Gonçalo do Amarante foi ordeiro, tranquilo, autêntico e devoto. A cultura popular mostrou sua força e conviveu harmonicamente com todos os elementos e partes constitutivas da festa. Fazendeiros e sitiantes tanto doaram reses quanto as arremataram, e muito lhes é devido pelo êxito alcançado. Patrocinadores acreditaram na comemoração e deram sua ajuda.
Resta parabenizar a comunidade, as folias, os procuradores que no papel de festeiros envidaram largo esforço em prol do evento, e, por fim e em especial, ao pároco da Paróquia do Senhor Bom Jesus do Monte, à qual se vincula a Igreja de São Gonçalo, Padre Ilton de Paula Resende, sempre afável com os fiéis e eloquente e sério no trato com a prática religiosa, que muito respeitosamente saudou os grupos de folia.
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Igreja de São Gonçalo do Amarante. |
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Aspecto geral do leilão. |
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O Procurador Ednei em dedicado apoio ao leilão. |
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Numa tribuna, o Leiloeiro Deilson apregoa o gado. |
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Mestre Vavá, em plena cantoria folieira. |
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Cruciferário e ciriais tomam a dianteira da procissão acompanhados por outros irmãos de opa do Santíssimo Sacramento. |
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A imagem em andor do prestigiado Santo Mártir, São Sebastião. |
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A procissão retorna à praça distrital. |
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A Folia do Vavá na procissão. |
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A Folia do Carlão na procissão. |
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Dorival, um dos esforçados festeiros do lugar. |
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Bastião se exibe para o povo, no ritmo da folia. |
* Além de Ednei, o programa impresso listou como procuradores: Dorival Caim de Paula, Carlos Guilherme Neto, Marly Maria Calsavara Oliveira e Sandra Sebastiana de Lima.
** O costume desses leilões e praças de gado com renda para a festa ou para obras da igreja é muito tradicional na região. Uma notícia assaz interessante é esta:“Entusiasmado e aparentemente saudoso, o Revmº Padre
Américo (Ceppi), prosseguiu na jocosa narrativa de suas
viagens, nas quais visitou todos os distritos de São João (del-Rei) e angariou 404 galinhas e muitas cabeças de
gado para a próxima praça. A venda das galinhas deu uma bela soma, assim como
também, um pequeno leilão de gado em Emboabas, tudo em pról da construção do
Santuário de São João Bosco.” (Fonte: Livro de Atas da Pia União das
Cooperadoras Salesianas, Paróquia de São João Bosco, São João del-Rei. Ata
da reunião de 09/11/1951, p.13 v. Gentilmente cedido pela ex-presidente Cirene
Passarelli, tia do autor, em 1º grau, pelo lado paterno).
***Texto e fotos do leilão: Ulisses Passarelli
**** Demais fotos: Iago C.S. Passarelli
Ulisses,
ResponderExcluirmais uma vez você produz um registro importantíssimo sobre uma manifestação popular pouco difundida, pouco conhecida e ainda pouco reconhecida em nossa cidade. Talvez neste sentido, penso que seria muito importante sugerir a inclusão desta festa do Caburu no calendário cultural de São João del-Rei?
Grande abraço.
É plenamente merecedora e mais ainda: porque não um calendário das festas rurais?
ExcluirMuito grato pela visita e comentário. Abç.cordial, UP.
Parabéns Ulisses Passarelli, pela sua esplêndida divulgação da festa de São Sebastião. Seja sempre bem-vindo a nossa comunidade.
ResponderExcluirAbraços dos amigos,
Deilson e Mario.
São Gonçalo do Amarante, 22 de março de 2015.
Agradeço a visita ao blog e a acolhida aí no distrito. Para mim é sempre uma alegria estar em São Gonçalo com sua rica cultura, bela paisagem e gente tão boa. Abraço, Ulisses.
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