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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A reza do terço

Mecanismo de preces e união comunitária

Talvez, o terço seja o mais popular objeto de orações. De tão conhecido possivelmente nem gastaria falar sobre ele. Mas para contextualizar os assuntos desta postagem vale uma pequena referência superficial. 

É um objeto de oração feito de uma enfiada de contas num cordão ou arame, equidistantes, fechando um círculo. Dele pende pequena parte, a partir de uma medalha da Virgem Maria, com mais cinco contas extras, terminando num crucifixo. Cada conta representa uma prece: as menores e mais próximas, Ave Marias, totalizando cinqüenta, em cinco grupos de dez (“dezenas do terço”), separadas por contas maiores e/ou mais afastadas, representando os Pai Nosso, cinco ao todo. Após a última Ave Maria se reza um Glória e faz-se invocações, suplicas ou cantos, ou contempla-se um mistério mariano. Mistério é também o conjunto formado pela dezena, Pai Nosso e Glória. O terço tem cinco mistérios. As contas extras são para preces avulsas, à escolha, geralmente, um Credo, três Ave Marias às três pessoas da Santíssima Trindade e uma Salve Rainha, que encerra o terço. 

As contas são feitas de vários tamanhos, cores e materiais. O mais tradicional é de contas de lágrimas de Nossa Senhora. Usa-se também madeira, metal, pedra-sabão, plástico, resina, caroço de azeitona, sementes. Brilhantes, opacos, cintilantes, perolados, prateados, aurificados, furta-cor, multicor, rudes, requintados, com micro-estampas... a indústria moderna oferece mil e um modelos. 

Algumas vezes é confundido com o rosário, que tem quinze mistérios: cinquenta Ave Marias e quinze Pai Nossos, com as mesmas cinco contas extras, a medalha e o crucifixo. O terço é pois, como indica seu nome, a terça parte do rosário.

Como objeto de orações, deslizando-se o dedo a cada conta numa contagem das orações, uma a uma, lentamente, enquanto se reza, o terço possibilita prece, contemplação e algumas outras possibilidades que abaixo se enumeram: 

Foliões de Reis rezam um Terço de Santos Reis com a comunidade e devotos visitantes
na Gruta do Divino, em São João del-Rei, Centro. 06/01/2001. 

1- O terço é também um amuleto: pendurado na cabeceira das camas guarda o sono do devoto, para garantir bons sonhos e descanso pacífico. Outrossim é trazido pendurado ao pescoço ou carregado no bolso, para proteção e boa sorte, tanto no cotidiano do homem comum, que vai para a missa dominical, para a praça conversar com os amigos ou para o trabalho, quanto por ocasião das festas populares, compondo a figura do congadeiro, do folião, pendente em bandeiras, bastões e mastros; 

2- Terço das Almas: o que é rezado nas segundas-feiras, oferecido em sufrágio das almas. Da mesma sorte existem terços específicos de invocação deste ou daquele santo, consoante rezados em seu dia votivo ou intercalado por suas preces e cantos próprios;

3- Terço das Crianças: pequeno, de contas plásticas, brancas, azuis ou rosas. Correlaciona-se com frequência com as tradições religiosas de matriz africana, nos terreiros, sendo preferido pelos guias de crianças (erês);

4- Terço de Rabo: antigamente, era o nome da última reza que precedia a dança de São Gonçalo, na zona rural de Bias Fortes/MG (*). 

5- Terço Bizantino: terço simplificado, de cinqüenta contas unidas e a cruz. Não se contempla mistérios. Reza-se repetindo por dez vezes cinco expressões religiosas, marcando-se a contagem nas contas. Exemplo: “Meu Bom Jesus” (l0 vezes), “Salvador do Mundo” (l0), “Salvai a mim também” (l0) “Fazei-me um bom cristão” (l0) “Dai-me a paz!” (l0). Vê-se congadeiros dançando e foliões cantando com este terço preso ao pulso, sobretudo o direito. Tem sido muito difundido pelos meios midiáticos e talvez a rapidez de sua prática esteja favorecendo sua difusão nesses tempos atuais de pressa para tudo; 

6- Terço militar: metálico, em forma de anel, com dez pequenas esferas soldadas (contas) e uma cruzinha. Bem menos difundido nos meios populares que o anterior;

7- Nossa Senhora do Terço: invocação mariana equivalente à de Nossa Senhora do Rosário e por ela infinitamente suplantada. Em São João del-Rei tem sua imagem na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar. É uma invocação pouco conhecida e iconograficamente idêntica à do Rosário.

Folia "Embaixada Santa" durante participação na Festa do Livramento,
em Prados, notando-se o uso dos terços pedentes ao pescoço. Junho/2009. 

A prática do terço como uma maneira de fazer oração vai muito além de mais uma simples mas respeitosa reza, ou apenas de uma forma de prece. É um mecanismo de sintonia com o sagrado, de louvação.

Existem os terços rezados individualmente, de joelho num banco de igreja ou no silêncio do quarto, como ensinou o Cristo Eterno: "Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu pai, que vê nos lugares ocultos, recompensar-te-á" (Mt 6, 6). Mas também existem (e são muito comuns) os terços coletivos, abertos ao público, que reúnem a comunidade e visitantes, diante dos cruzeiros dos largos, nas grutas das praças, nas capelas de roça ou da cidade e até nas igrejas maiores. Pois afinal, também Jesus ensinou a oração em comum: "Se dois de vós se unirem sobre a terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles" (Mt 18, 19-20).


Notas e Créditos

* Informante: Elvira Andrade de Salles, 1995.
** Texto: Ulisses Passarelli
***Fotos: reza do terço, Ulisses Passarelli; folia na festa, Cida Salles.

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