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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 27 de junho de 2014

Ditados - parte 1

Já algumas vezes este blog tem registrado o modo de falar coloquial, corrente nos meios populares na Microrregião Campos das Vertentes. Por vezes, durante a narrativa das lendas, contos e fábulas tem sido inserido este vocabulário típico. Mas a via principal tem sido a postagem intitulada "Na minha terra se fala assim", já com quatro partes publicadas e outras por vir. 

Ora o assunto é reforçado com a primeira parte de uma coleção de ditados. Os provérbios populares são sentenças linguísticas de fundo filosófico, muitas vezes revestidas em cores regionais e no geral, tem raízes etimológicas muito antigas. O povo os detém na memória e sabe empregá-los a cada oportunidade correta, contextualizados para transmitir uma mensagem, um ensinamento, pontuar uma reflexão. É o legítimo saber não institucionalizado, passado de geração em geração pela força da oralidade.

Ouvidos pudicos, por vezes rejeitam os ditados em virtude de suas palavras chulas ou expressões pouco elegantes usadas para transmitir uma verdade. Mas é assim mesmo - a verdade dói, ensina o povo.  

Segue abaixo uma lista dos primeiros cinquenta provérbios seguidos de uma curta explanação interpretativa. Foram coligidos em São João del-Rei no último decênio mas extravasam seus limites municipais para toda a circunvizinhança e muitas vezes são conhecidos igualmente em regiões distantes. 

*  *  *

A cobra que não anda não engole sapo – é preciso esforço para alcançar resultados.

A noite, todos os gatos são pardos - a noite oculta aparências verdadeiras. Certas situações igualam a todos.

Avançar na lua pensando que é queijo - o mesmo que "ir com muita sede ao pote", no sentido de se fartar daquilo que deve ser buscado com parcimônia. Sentido opcional, conforme o contexto do diálogo: abusar de uma situação sem saber as consequências do resultado. 

Cavalo dado não se olha os dentes – não é educado observar defeitos nos presentes ganhos. O provérbio se inspira no costume de ver a idade do cavalo pelo aspecto dos dentes. Variante: "Cavalo dado não se olha a idade".

Cavalo picado por cobra tem medo de mangueira - quem foi ofendido por algo tem medo do que é semelhante.

Contar com o ovo no cu da galinha - Fiar numa situação que ainda não se concretizou; diz-se quando se confia com certeza em algo que ainda na aconteceu. 

De boas intenções o inferno está cheio – alusão aos que se disfarçam por trás de boas intensões mas em verdade estão revestidos de pretensões escusas, interesses maldosos.

De tanta paciência, a minhoca ficou sem osso - resignação em excesso gera inoperância; paciência de mais tolhe as atitudes. Referência à apatia. 

Deus dá o frio conforme o cobertor – as dificuldades da vida não são maiores que a providência divina. As dificuldades que enfrentamos são aquelas que de fato temos capacidade de enfrentar e resolver.

Deus é justo não é injusto – ditado de afirmação categórica da justiça divina, na qual se deve confiar acima de tudo e todos. Enunciado nos momentos de grande dificuldade. 

Dor de barriga não dá uma vez só – podemos precisar de uma pessoa mais de uma vez na vida, por isto não se deve esquecer ou fazer pouco caso de quem nos faz um favor, do que presta solidariedade.  

Em casa de ferreiro, espeto é de pau – na casa ou vida pessoal de um especialista o fato que domina tão bem é feito de improviso. Faz para outrem mas não para si próprio. 

Em casa de pobre o pão sempre cai com a manteiga para baixo – expressão fatalista usada para indicar a falta de sorte que o pobre carrega.

Enquanto Deus existir, urubu não come folha – Deus não desampara. A providência divina sempre encaminha para um bom resultado. Não se está sozinho.

Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço – Aja conforme minha filosofia, não conforme meus atos (pois razões subjetivas podem pesar na mudança de direção do fazer).

Festa de jacu, inhambu não entra – expressão que se refere a divisão de classes sociais; castas não se misturam no convívio social. Referência à discriminação.

Fica perto de quem está cagando mas não fica perto de quem está trabalhando - empregado para quem está atrapalhando o serviço de um trabalhador, sem ajudá-lo. Usa-se também quando da situação anterior resulta um acidente. 

Filho de cobra já nasce picando – o filho traz consigo os defeitos do pai.

Filho de peixe, peixinho é – mesmo sentido do anterior, mas se aplica também com respeito às qualidades e habilidades.

Fuja de dever, que pagar é certo – referência mais à justiça celeste que terrena. Sentido: a justiça se cumpre, ainda que com aparente demora.

Ladrão em casa de pobre só leva susto – expressão irônica para indicar que na residência de pessoa pobre não há nada de valor material.

Macaco velho (ou gordo) não pula em galho podre – o experiente não comete erros primários; tem prudência.

Macaco velho não põe a mão em cumbuca – idem.

Mais queixa quem caga do quê quem limpa - quem não trabalha reclama mais que o trabalhador que sofre com o serviço. 

Mais vale um “eu te dou” que dois “eu te darei” – é mais útil um auxílio concreto que duas promessas de ajuda.

Mais vale um gosto que um tostão no bolso – é mais útil gastar um pouco com algo que se deseja muito que se tornar econômico em excesso, privando-se dos gostos da vida em troca de pequenas reservas.

Mais vale um pássaro na mão que dois voando – tem mais valor o que temos seguramente conosco que aquilo que almejamos sem ter ainda alcançado.

Mais vale um peito na mão que dois no sutiã – em sentido chulo, tem a mesma interpretação do provérbio anterior. São usados para indicar necessidade de se dar valor ao que se tem.

Não jogue pedras no telhado dos outros porque o seu é de vidro - não julgue, critique ou condene porque você tem problemas passíveis de sentenças similares.  

O defunto além de ser carregado ainda quer que o balance – usado para indicar extrema preguiça, inércia perante a vida, comodismo, proveito do sacrifício alheio. É uma expressão antiga que referencia o costume do sepultamento em rede, daí mencionar o balanço, característico da marcha desse féretro.

O dia do favor é a véspera da ingratidão - quando se faz um favor é mais certo ter-se em troca ingratidão que agradecimento. Diz-se do não reconhecimento de uma benesse concedida.

O pior cego é aquele que não quer ver – indicativo aplicado às pessoas que escondem de si mesmo as verdades, que teimam em viver na mentira; que não enxergam a realidade subjacente a uma dissimulação escancarada.

O que aperta segura, o que amarga cura - diz-se das regras da vida, que freiam o ímpeto, o descontrole de atitudes. As dificuldades ensinam para o tempo da bonança que virá.

O que é de bêbado não tem dono - diz-se da exploração, abuso do inocente, daquele que está inconsciente dos riscos e implicações de uma situação. Uma variante chula prega: “cu de bêbado não tem dono”.

O que é do lobo já nasce manco - ditado fatalista, fala sobre a imposição da força do destino, que determina o que pertence a cada um, não podendo ser de outrem.

O que foi perdido no morro não se acha na baixada - diz-se sobretudo do bom caráter, da vergonha na cara, da responsabilidade com as obrigações, que uma vez perdidas não se recupera fácil por outros caminhos de vida.

O seguro morreu de velho, o desconfiado ainda está vivo – ditado que ressalta a importância da prudência, cautela, cuidados ao longo da vida no trato com as pessoas, trabalho, negócios.

O uso do cachimbo põe a boca torta - a repetição de um mau costume gera vício, mau hábito, postura de atitude irregular.

Para quem está no inferno pai nosso é lenha - para quem está em dificuldade extrema não são palavras que vão resolver; é preciso uma ação imediata, de pulso firme, ajuda concreta, efetiva.

Pedra que rola não cria limo – quem não busca estabilidade não alcança melhorias na vida; não cresce em prosperidade aquele que a cada momento está num serviço diferente.

Quando se fecha uma porta, Deus abre uma janela – a Divina Providência ampara as pessoas com caminhos fechados.

Quem bate esquece, quem apanha lembra – referência ao rancor: quem faz um mal não se recorda ou não dá importância a tê-lo feito, mas quem o sofre, nunca esquece essa maldade.

Quem bem faz a si faz – quem pratica a bondade tem o retorno do bem sobre a própria vida. Lei da Ação e Reação.

Quem nasceu para aranha nunca chega a caranguejo – referência à pessoa acomodada, que não se esforça por melhorar sua vida, não almeja o crescimento.

Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré – idem.

Quem ouve, esquece; quem vê, lembra; quem faz, aprende – ditado que enaltece o valor da prática, do fazer, do labor como meio concreto de aprendizado.

Quem perde os dentes, Deus abre a goela – tem o mesmo sentido de “Quando fecha uma porta, Deus abre uma janela”. Referência ao auxílio de Deus nas dificuldades humanas. Implícito a necessidade de se ter fé.

Quem tem fama que faça a cama – cada um que arque com as consequências da imagem que construiu sobre o seu nome. Variante: “Quem fez a fama, deite na cama”.

Quem vestiu seda tem retalho - o rico, o luxuoso, conserva no âmago vestígios da pobreza, nem que seja de espírito. A aparência bela esconde por vezes detalhes que não são nobres.

Uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto – se retribui o bem com o bem; se ajuda quem nos ajudou. Variante chula: “Uma mão lava a outra e as duas lavam a bunda”.


Notas e Créditos


* Texto: Ulisses Passarelli

** Agradecimentos especiais: Cida Salles, pelo auxílio substancial no processo de coleta dos provérbios.

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