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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 7 de junho de 2014

Quadrinhas de amor - parte 1

Com esta série de quadras poéticas populares e anônimas, o blog inicia a difusão de uma extensa coletânea ligada ao refraneiro folclórico. Arrancadas da memória colossal da gentil informante, deve esta coleção o seu sucesso aos esforços da filha da mesma, Cida Salles, em contribuir para a riqueza da coleção, que ainda terá outras edições postadas. 

As quadrinhas aqui selecionadas falam do amor. A linguagem é muito distante da atual e acaba muitas vezes envolvendo o uso de flores, lenços, cartas e outros artefatos em ocaso nas relações amorosas. Muitas são difundidas e conhecem-se variantes por vezes em terras distantes, como Bahia ou Rio Grande do Norte, criando uma incógnita ao pesquisador. Cada uma delas é independente das demais. Tem vida própria, livre. Desvinculadas de outro contexto ou encadeamento estrófico, bastam por si, pelo preenchimento funcional de seu objetivo explícito e implícito. 

O modelo português da poesia é inegável e não admiraria se alguém demonstrasse que várias delas vieram da Península Ibérica. Feita aqui ou lá, naturalmente tem uma autoria, porém, a repetição de boca em boca, ano a ano, omitiu o autor e chegou-nos de domínio público. 

Algumas vezes são usados "versos-feitos", que surgem em várias quadras, mas com arremates diferentes, como: "Alecrim na beira d'água" , "Borboleta pintadinha", etc. 

Na prática, essa poesia singela era usada para manifestar amor ou interesse em namoro, escritas em bilhetes, cartinhas, recitadas em ocasiões propícias de festas onde moços e moças se encontravam e no intervalo da música instrumental surgia a oportunidade, voltando os instrumentos a irromper imediatamente ao recitativo. 

Passemos em breve revista a primeira parte do mostruário dessa forma pitoresca de manifestar o carinho, com cinquenta exemplares. 

*  *  *

Vou plantar um alecrim
Jurei sol, jurei lua,
Na linha de Deus, amém!
Jurei Estrela do Norte,
Se esse alecrim pegar
Jurei te amar, menino,
Nosso amor pega também.
até a hora da minha morte.


Alecrim na beira d’água
Enquanto o limão adoçar,
Chora a terra que nasceu,
Enquanto o açúcar amargar,
Eu também vivo chorando
Quando Deus descer a Terra
Um amor que já foi meu.
Deixarei de te amar.


Alecrim na beira d’água
Travessei o mar a nado
Pode estar quarenta dia,
No fundo de uma bacia,
Eu longe do meu amor
Fui riscando[1] minha vida,
Não posso estar nenhum dia.
Pro seu respeito, Maria...


No tempo que eu te amei
Eu queria ser uma formiga,
Não amava mais ninguém;
Daquelas que fura o chão,
Amava noventa e nove
Queria furar seu peito
Com você inteirou cem...
Para ver seu coração.


O tempo que eu te amei
Borboleta pintadinha,
Foi um tempo desperdiçado:
Encosta o peito no meu;
Se eu amasse um canarinho
Desengana esse rapaz
Era mais aproveitado.
Quem namora[2] ele sou eu.


Borboleta pintadinha,
Borboleta pintadinha,
Que entrou pro mar adentro,
Pinta aqui, pinta acolá;
Eu me chamo vira-folha
Pinta a casa do meu sogro
Quem me ama perde tempo.
Que domingo eu vou lá [3].


Cravo branco na janela
Menina acha esse lenço
É sinal de casamento;
E não conta quem te deu.
Tira o branco, põe o roxo,
No lenço vai um retrato,
Pra casar tem muito tempo.
Atrás do lenço vou eu.


Menino toma esse lenço
Menino do terno preto,
Partido em quatro pedaços,
Com lenço, paletó,
Quando abrir esse lenço,
Se você gosta de mim,
Tem um beijo e um abraço.
Tenha pena tenha dó.


Sá Moreninha,
Moreno lindo,
Seu lenço caiu,
Com lenço no pescoço,
No meio de tanta gente,
Se você gosta de mim,
Eu apanhei você não viu.
Deixa eu beijar seu rosto.


Não quero a sua camisa,
Abre a porta do jardim
Nem o seu botão do peito,
Quero apanhar uma rosa,
Quero só que vós me dê
Três brancas, três amarelas,
Sua linda mão direita.
E quatro encarnada formosa[4].


Meu amor vestiu de preto
O funcho é vencimento,
Para me fazer pirraça,
Eu já me acho vencida.
O preto pra mim é luxo,
Não tome amor com outra,
O branco pra mim é graça.
Que eu por ti já fui nascida.


O sol prometeu à lua
Seus olhos bem pretinhos,
Uma fita e dois laço;
Que brilham à luz do luar,
Eu prometo a você
São dois assassinos
Um beijo e um abraço.
Que me matam devagar.


O sol vai dobrando,
A rosa branca espalha,
Vermelhinho como fogo,
Perfume por toda cidade,
Eu ainda tenho esperança,
Você longe de mim,
De chamar seu pai de sogro.
Só espalha saudade.


Vou mandar fazer um barquinho
A folha da bananeira,
Todo cheinho de rosa,
De tão verde amarelou,
Para passear com você,
A boca do meu amor,
No meio das invejosas.
De tão doce açucarou.


Se você me ama de verdade
Sei que você gosta de mim,
Me diga por favor,
Embora diga que não,
Pois idade não importa,
A boca nem sempre diz,
O que importa é o amor.
O que sente o coração.


Menina se tu soubesse
Menina, minha menina,
Como eu te tenho amor,
Quem te fez tão bonitinha?
Tu caía em meus braços,
Foi o sol, foi a lua,
Como o sereno caiu na flor[5].
As estrelas miudinha...


Da roseira nasce espinho,
O suspiro mais a saudade,
E nasce também a flor;
São os dois amor que eu tenho;
Do seu orgulho, carinho,
O suspiro é quando eu vou,
Do seu desprezo a dor.
A saudade é quando eu venho.


Tanto tempo eu procurei,
Não quero sentir na vida,
Alguém que soubesse amar,
A dor que um dia passei.
Pois em você encontrei
Por isso sigo sozinha,
Tudo que estive a procurar.
Não levo aquele que amei.


Do céu caiu um cravo,
Sonho com a esperança,
No chão nasceu um jardim,
Do dia de você chegar.
Bendita seja sua mãe,
Sonhando com novas flores
Que criou você pra mim.
Novos amores devo encontrar.


Fui no livro do destino
Menino da boca doce,
Minha sorte procurar,
Lábios de porcelana,
Em suas páginas encontrei,
Um beijo de sua boca,
Que nasci pra te amar.
Me sustenta uma semana.


Meu grande amor é você,
Eu queria ser a rola,
Isso não posso negar,
A rolinha do sertão,
Pois quanto mais eu te beijo
Queria fazer um ninho
Mais eu quero beijar.
Dentro do seu coração.


Voa passarinho
Nem todo menino é moço,
Não me venha aborrecer,
Nem toda lágrima é dor,
Não me venha trazer notícias
Nem todo sorriso é alegria,
De quem eu quero esquecer.
Nem todo beijo é amor.  


Queria ser uma flor,
Se o meu coração partisse,
Para viver no deserto,
Eu te dava um pedacinho,
Eu amo você de longe,
Mas como ele não parte,
Porque não posso amar de perto.
Te dou ele inteirinho.


Tu disseste que sou culpada
Roseira que dá rosa,
De querer-te para mim,
Craveiro me dá um botão,
Culpados são seus pais,
Amor, me dá um beijo,
Que o fizeram lindo assim.
Que eu te dou meu coração.


A primeira vez que te vi,
Sei que você gosta de mim,
Meu primeiro olhar lancei
Embora diga que não.
E fez nascer um amor
A boca nem sempre diz,
E por ti me apaixonei.
O que senti o coração.




[1] - Riscando: traçando o destino. Pode também possivelmente ser uma alteração: arriscando.
[2] - Namora: uma versão idêntica diz: “quem fica com ele é eu”, denotando uma linguagem mais recente, “ficar”, trocar carícias sem qualquer compromisso de repetição, continuidade.
[3] - Variante do último verso, da mesma informante: “que eu quero mudar pra lá.”
[4] - Ouvi uma variante dessa quadra cantada pelo Mestre José dos Santos Correia (1996), como parte do repertório do boi-de-Reis (bumba-meu-boi) da Vila de Ponta Negra (Natal-RN): “Menina que estais na horta – bis / ai, ai, meu bem! / Me venda um vintém de rosa! / Três brancas, três amarelas - bis / cabocla bonita! / Três encarnada cheirosa...”
[5] - Quadrinha difundida, da qual existem ligeiras variantes. 


* Texto: Ulisses Passarelli

** Informante: Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, 1994-1997
*** Agradecimentos especiais a Cida Salles, pela inestimável ajuda na coleta das quadras. 

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