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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Os bratáquios no folclore

A ciência zoológica agrupa na ordem Anura os anfíbios em geral conhecidos por bratáquios, os populares sapos, rãs e pererecas, sendo estas duas últimas categorias mais conhecidas no nordeste brasileiro por gias. 

Animais de extrema importância no equilíbrio biológico, encontram-se em crescente ameaça pela alteração climática e destruição do habitat. Gozam da repulsa humana, que tende a matá-los tão logo avistados. No geral o povo não enxerga utilidade no sapo e nutre um nojo por ele, que faz com que o matem sem qualquer motivo. Educação ambiental seria útil, notadamente explicando-se sua grande utilidade em devorar insetos, parte importante do equilíbrio ecológico, bem como, na cadeia alimentar, é alvo de predadores.

A classificação em sapo, em rã ou em perereca não goza de uma base taxonômica. São termos inespecíficos de limites de uso tênues. Mas poder-se-ia empiricamente traçar, a grosso modo, que os sapos são tipicamente terrestres na vida adulta (bufonidae é a família mais representativa); as rãs, aquáticas (sobretudo ranidae e leptodactylidae) e as pererecas, arborícolas (tipicamente hylidae). Contudo, os nomes se confundem por outras famílias. A anatomia de cada grupo contribui para a perfeita adaptação ao estilo de vida, embora todos dependam da água para o processo reprodutivo.


Desde longa data os sapos povoam o imaginário popular. São conhecidos nas estórias de fadas, o príncipe ou rei transformado em sapo, mas ainda conservando as virtudes. Ainda hoje uma expressão popular diz "o príncipe virou sapo", usada para indicar o fracasso da imagem de um homem no casamento, noivado ou namoro perante a mulher. 

O coaxar inspira o nome de algumas espécies, com cunho onomatopaico ou interpretativo da vocalização: sapo-ferreiro, sapo-cachorrinho, sapo-boi, perereca raspa-cuia. Neste sentido, com criatividade o povo cria frases à guisa de diálogo entre diferentes espécies nos charcos: 

_ Júlio! Júlio!
_ Que foi! Que foi!

Esses anfíbios se aproximam por vezes das moradas humanas devido à luz noturna que atrai muitos insetos, limento farto e fácil para eles. Para a cultura popular o sapo entrando em casa é mal sinal: indica chegada de visita malquista, de gente invejosa ou de demanda espiritual. “Sapo”, se alcunha as pessoas que gostam de espionar, “sapear”, xeretar, entrar no assunto alheio sem ter sido chamado, encostar-se para ouvir qual o assunto em questão. Num moçambique de Perdões/MG, ouvimos um canto que repetia exausticvamente, "oi, tem sapo na bandeja...", para indicar que um homem estranho estava por um bom tempo acompanhando o grupo pela lateral, ouvindo o que cantavam. 

Atribui-se ao sapo a transmissão do “cobreiro molhado”, um dos mais temidos por ser de maior dano e cura mais lenta. 

"Engolir Sapo" é uma expressão coloquial que se refere à pessoa ter de aturar um situação desagradável sem poder reagir a ela; ouvir o que não se quer e não poder dar resposta. 

Feitiço feito com sapo tende a ser mortal. A fórmula tradicional é escrever o nome da pessoa que se quer o mal num pedacinho de papel, pô-lo dentro da boca do sapo que a seguir é costurada. O bicho então é solto. A medida que o sapo morre de inanição a pessoa também definha, sem apetite, secando inexplicavelmente até a morte. Em São João del-Rei, no Bairro São Dimas, ouvi de um capitão de congado de uma longa demanda de duas guardas de catupé que atingiu o clímax na hora de baixar o mastro. Um grupo baixou o seu próprio, normalmente e o meirinho, às escondidas, enterrou junto ao mastro do rival um sapinho. Por mais que o capitão cantava pontos e rezava o mastro não aluía, rígido em sua posição vertical, não saía apesar da força de tração dos braços já cansados. O mastro só pode ser arrancado à meia-noite, quando saiu de súbito. 

Uma espécie muito conhecida, o cururu, ganhou Brasil afora o famoso acalanto: 

Sapo-cururu, 
na beira do rio, 
quando o sapo canta, ô maninha, 
diz que está com frio!

A mulher do sapo,
deve estar lá dentro, 
fazendo redinha, ô maninha, 
para o casamento!

O povo credita à rã o posto de “mulher do sapo”, supondo-a sua fêmea, fato inverídico. O sapo é anfíbio, que tem o macho e a fêmea. Atrás dos olhos possui as glândulas paratóides que produzem uma toxina capaz de envenenar pelo contato com sua pele. Não é comestível. A rã não tem esse veneno, sendo comestível e da mesma forma tem a rã macho e a rã fêmea. A pesca da rã se processa de duas formas: diurna, com caniço e anzol, usando como isca um pouco de carne ou um pedaço de pano vermelho. A vara é posta entre as ramagens nos poços de brejo e a isca deve ficar oscilando em pequenos movimentos. A caça noturna se deixa guiar pelo coaxar até encontrá-la, quando então um facho de luz de lanterna é lançado em seus olhos e na cegueira momentânea é trespassada por uma fisga de ferro, ajustada à ponta de um pau. A rã é preparada frita, após remoção da pele e vísceras, sendo iguaria muito apreciada no interior. Distinguem duas espécies por aqui: a rã-manteiga, de cor esverdeada e carne muito macia (daí o termo “manteiga”) e a rã-pimenta, de maior porte e pele avermelhada como uma pimenta, que provoca ardência em contato com a nossa pele.

O nome perereca tem procedência indígena e parece ser uma alusão "ao que pula", "o que anda aos saltos". Nos meios populares a palavra é posta como sinônimo chulo de vagina e ainda termo depreciativo para se referir a um tipo de prótese dentária, muco-suportada, sem grampos, sobretudo a parcial. Seu precário mecanismo de preensão a faz sair da posição com certa facilidade, "pulando da boca", daí a alcunha. 

Perereca de bananeira (Hylidae)

As pererecas (bratáquios) no folclore deixam sua marca sobretudo na crença do cobreiro que transmitiriam via urina. Um roupa estendida a secar no varal, ou em descanso no quarador, se uma perereca pular sobre e soltar urina, a pessoa ao usar aquela roupa pegará cobreiro. Se pular na pele da pessoa, idem. Andar no mato e esbarrar em folhas onde urinou, ibidem. Esta é a crença. Para curar, só benzeção...

* Texto e fotos: Ulisses Passarelli

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