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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Armadilhas

Como premissa é preciso deixar claro que sou contrário às caçadas, à pesca predatória, tráfico de animais e a qualquer atividade agressiva à natureza, ações que nunca exerci. Penso mesmo que a caça, por exemplo, só é tolerável em casos de povos indígenas por necessidades alimentares. Por outras desculpas torna-se inadmissível. 

A três décadas era muito comum ver as crianças andando pelas ruas com estilingues (nas Vertentes também chamado bodoque, quando é sabido que o verdadeiro bodoque é outro, em forma de arco), matando passarinhos por nada ou para fritar; colhendo filhotes nos ninhos, montando armadilhas nos matos, colecionando pássaros em viveiros no fundo do quintal, acompanhando os pais em caçadas de codorna, tatu e outros; fisgando rãs no brejos com cruéis fincos de ferro aguçado. Não tenho visto estas cenas a anos. É um bom sinal. A atividade predatória não cessou de todo e o extrativismo sem planejamento está aí; mas, nesse sentido, se encolheu e compete a cada um de nós contribuir para o processo educacional e às autoridades agir firmemente no sistema de ensino, bem como na fiscalização e punição.

Então, o alvo do presente texto não é enaltecer a atividade nem estimulá-la mas tão somente, do ponto de vista etnográfico, registrar algumas armadilhas de caça e pesca que o povo usava e que felizmente, vão caindo em desuso. 

São de natureza artesanal e necessariamente de espera. É um objeto passivo que se deixa no mato ou na água à espera da passagem da presa. É diferente de uma zagaia, caniço, tarrafa, espingarda ou estilingue que se usa em ativo, ou seja, seu usuário persegue a presa com a arma em punho. Existem armadilhas que matam o animal ao capturá-lo (como a ratoeira) ou que o mantém vivo (como a rede). 

Assim listados, estes meios revelam a astúcia e crueldade do homem e semelhantes práticas devem de fato ser combatidas por meios eficazes.  Por aqui nas Vertentes, relataram fontes orais que os tipos de armadilhas mais usados eram os seguintes: 

* * *

Alçapão - pequenina gaiola em forma de paralelepípedo, com tampa na parte superior, presa a uma mola, que por sua vez se prende ao mecanismo de gatilho no fundo do alçapão, onde se põe a isca. Para alcançar a isca o pássaro tem de pisar sobre o gatilho, que é feito de uma arame grosso ou vareta e assim desarma, fechando bruscamente a tampa sobre ele, fadando-o à prisão nos viveiros e gaiolas. Os alçapões artesanais eram feitos de bambu (assim como as próprias gaiolas), ou de madeira aparelhada com gradeamento de varinhas de bambu ou arame. Mais tarde apareceram os alçapões industrializados, totalmente em metal, feitos com soldas.

Arapuca - corruptela comum de urupuca. É palavra de origem indígena e talvez se tenha aprendido a fazê-la com eles. O radical "uru" significa cesto. É feita de lascas de taquara, bambu, taboca ou algum pau roliço, de pequena espessura, que se entrecruzam de dois a dois, em paralelo, a seguir dois a dois em perpendicular aos anteriores, se sobrepondo em camadas superpostas cada vez mais curtas, mas sempre proporcionais lado a lado, dando ao conjunto uma em forma piramidal. Os pedaços componentes se prendem por dois cordões cruzados ao centro. A "arupuca", como também é chamada, se destina a pegar aves, para o cativeiro ou para alimentação. Posta no chão em local que elas frequentam, tem um dos lados levantado um tanto, sustentado por um pauzinho em forquilha, em cujo gancho se prende o mecanismo de gatilho, uma simples vareta. Quando a ave vem buscar o alimento da isca e esbarra ou pousa sobre a vareta, o rude mecanismo desarma e a arapuca se fecha sobre ela. "Cair numa arapuca" é expressão corriqueira no sentido de se envolver inadvertidamente numa situação embaraçosa.

Arataca - pesado tronco ou pedra suspensa por corda ou cipó, presa a um mecanismo de gatilho no chão, posto bem por debaixo. O gatilho é tampado por comida colocada como engodo. Ao comer, o animal dispara o gatilho e o peso cai sobre ele, matando-o por esmagamento. O vocábulo entrou para o linguajar dos congadeiros, que o usam para aludir a uma armadilha espiritual montada por inimigos de outros grupos para pegar no pé do mastro ou junto de um cruzeiro, cava, encruzilhada, travessia de linha férrea. "Fez uma arataca pro meu terno": escondeu um feitiço contrário; fez mandinga à espreita. "Cantar arataca": cantar ponto de linha esquerda, demandar, porfiar... dizem nossos congadeiros.

Cóvo - armadilha para peixes concebida para aprisioná-los por atração de uma isca no interior do engaiolamento. O peixe entra por uma entrada larga que se afunila a ponto de ser a conta da passagem do peixe. O interior é amplo mas ao tentar sair o peixe encontra voltado para ele pontas aguçadas, que são os extremos da passagem estreitada. Existem de outros materiais mas os cóvos típicos dos Campos das Vertentes são trançados de bambu, um trabalho de confecção difícil, que exige destreza.

Esparrela - Armadilha para caçar pequenas aves, que consiste num laço preso a uma vara flexível, armado sob um mecanismo que desarma com o peso da ave. Neste fica presa a isca, um grão, por exemplo. Ao redor fica um pequeno cercado de gravetos fincados no chão. A esparrela mata por enforcamento ao suspender a vítima repentinamente do solo, pela flexibilidade da vara retesada, em cuja ponta está o laço. Gerou expressões populares: “cair na esparrela” é cair nas garras de um inimigo; “armar uma esparrela” é planejar dissimuladamente pegar o inimigo.

Fôjo - é um buraco no chão, de fundura tal que o bicho que nele cair não consiga escapar. É coberto por galhos frágeis e folhas, sobre as quais se põe sobre a isca para a caça. Quando o animal pisa sobre para se alimentar, a fraca cobertura desaba com seu peso e ele cai dentro do buraco.

Lanço - técnica de pescaria que se usa pequenina rede, saco de juta aberto, ou mesmo grandes peneiras. Consiste em fazê-los passar sob a ramagem das margens e plantas aquáticas, estando o pescador dentro d’água. Ao se erguer os peixes ficam pulando sobre a rede, saco ou peneira, sem embaraçar na malha. “Dar lanço” ou “passar lanço”: usar desta técnica.

Mundéu - gaiolão de pau ou de ferro, com porta frontal, erguida pelo sistema de gatilho, que se desarma quando o animal entra para se alimentar da isca, ficando preso. Pode ter também o sistema do cóvo, sem porta, com afunilamento. Nesse caso o animal se prende não conseguindo voltar devido à constrição da armadilha. De ordinário a armação do mundéu é disfarçada com ramos e folhagens. O termo mundéu era também usado na antiga terminologia dos mineradoras coloniais, com o significado de dique, represa improvisada com pedras e torrões para reter a água destinada à lavagem do ouro. Nas serras de São José e Lenheiro ainda existem muitos desses mundéus vestigiais, testemunhas silenciosas da intensa atividade do ciclo do ouro.

Parãoarmadilha de pesca montada em pequenas cachoeiras, à guisa de uma calha de bambus postos lado a lado sobre um suporte de paus em cavalete. Tem necessariamente uma inclinação para baixo. Os peixes que descem a cascata caem na calha do parão e são conduzidos para um grande cesto colocado a seco na sua lateral, à margem do ribeiro.

Visgo - espécie de cola tirada através de ranhuras feitas no caule de certas árvores, como a figueira-brava, por exemplo, deixando-se escorrer a seiva. Esta é coletada e mexida ao fogo dentro de uma lata, produz o visgo, substância grudenta que é passada sobre certos galhos ou ramos que são habitualmente poleiros de aves. Ao pousar elas ficam com os pés colados então é bastante as recolher ao cativeiro, mormente as cobiçadas pela beleza da plumagem ou por serem maviosas. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli  

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