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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Virgem da Conceição: uma devoção histórica

Nossa Senhora da Conceição é um dos títulos mais populares e significativos dados à Virgem Maria, cuja festa litúrgica a 08 de dezembro, já se comemora desde pelo menos o século VIII. Tal sua intensidade que em 1476 o Papa Sisto IV definiu sua comemoração como festa universal da Igreja. 

Nos idos tempos coloniais no Brasil, Nossa Senhora da Conceição era o título mariano sob o qual a Virgem Maria era com muita frequência invocada para a proteção da casa grande, do senhorio, da sede da propriedade, em contraponto a Nossa Senhora do Rosário, protetora da senzala, dos escravos. 

A raiz de tal devoção estava em Portugal. O povo já nutria pela Virgem da Conceição uma acentuada devoção e a levaram para o território colonial muito cedo, conforme apareceu no Brasil quinhentista. Em 1646 o Rei Dom João IV dedicou o reino português e a esta devoção. Assim sendo, nos dizeres de MEGALE (1986) em quem nos baseamos... "em todo o território lusitano, assim como em suas colonias, a festa da Conceição de Maria tornou-se oficial e obrigatória". Quando o Brasil se tornou independente, ainda segundo esta autora, Dom Pedro I a proclamou Padroeira do Império Brasileiro (*). 

A expressão devocional ganha novo impulso e direção com a proclamação do Dogma da Imaculada Conceição pelo Papa Pio IX em 1854. 

No Estado de Minas Gerais é muito frequente a existência de igrejas e capelas a ela consagradas, quando não apenas um nicho ou altar lateral. Assim, na tradicionalista região dos Campos das Vertentes não poderia ser diferente. Em São João del-Rei já em 29/03/1713 se obtinha uma provisão do Bispo do Rio de Janeiro, Dom Francisco de São Jerônimo, para edificação de uma capela desta invocação no Matola (onde hoje está o 11º BI de Montanha, Regimento Tiradentes), em terras do Mestre de Campo Ambrósio Caldeira Brant, portanto, ainda na fase de arraial, pois a elevação à vila só se daria em dezembro daquele ano, informa CINTRA (1982). Este autor nos concede outras informações acerca desta capela: em 1731 numa passagem curiosa aos olhos atuais, o Vigário da Vara Alexandre Marques Vale comparece à Câmara a 11 de julho para reaver o sino da dita capela, sequestrado pelos vereadores, que enfim lhe devolveram a peça sacra; a 03/03/1736 nela casou-se o famoso contratador de diamantes Felisberto Caldeira Brant com Branca de Almeida Pires. Felisberto era filho do proprietário Ambrósio Caldeira Brant; a 25/10/1765 uma provisão concede ao Capitão-mor Manuel Antunes Nogueira autorização para prosseguir em uso desta capela, que pretendia, junto com sua esposa, Rita Luísa Vitória de Bustamante, converter da condição de ermida particular em capela pública, concretizado na década seguinte. A Casa dos Brant foi a sede provisória da primeira Câmara de Vereadores e nela permaneceu funcionando por alguns anos. 

Esta primitiva capela já não existe desde longa data. Um registro importante de GAIO SOBRINHO (2010), possivelmente referente a esta mesma construção, é este:

"ATA SES 28: EM 12 DE JANEIRO DE 1840 - Leu-se um requerimento do cidadão João Ribeiro Bastos (encarregado das chaves da Capela de Nossa Senhora da Conceição) dizendo: a qual ameaçava ruína onde já não podia haver imagem por chover dentro e que como a mesma fazia parte dos próprios da Câmara, resolvesse a mesma o que lhe parecesse acertado. Posto em discussão, deliberou a Câmara que se remeta ao fiscal para mandar demolir a dita capela no caso de ameaçar ruína fazendo arrematar o (madeirame), inteligenciando-se previamente com o Reverendo Vigário da Vara quanto à demolição."

Segundo reza a tradição, a imagem desta capela se encontra em oratório na sacristia da Igreja de São Francisco de Assis nesta cidade, informou o "Piedosas e Solenes Tradições de Nossa Terra", excelente trabalho realizado pela Equipe de Liturgia da Catedral do Pilar.

As festividades em São João del-Rei tradicionalmente acontecem na Igreja de São Francisco de Assis, replicando que no Brasil os franciscanos tiveram um papel fundamental na difusão da devoção à Virgem da Conceição. Naquele majestoso templo, transcorre sua solene novena e festa, com toda toda pompa, fé e musicalidade inerente às comemorações religiosas no centro histórico da cidade. A parte musical está a cargo da Orquestra Ribeiro Bastos, que executa obras sacras do Padre José Maria Xavier, de Carlos dos Passos Andrade e de Francisco Manuel da Silva, segundo a mesma fonte bibliográfica. Já é parte da tradição a alvorada festiva às seis da manhã, com toques de sinos, espoucar de fogos de artifício e tocata da Banda Municipal Santa Cecília.

Sabe-se que no passado já existiu em Matosinhos um festejo dedicado à Imaculada Conceição (**)

Outro ponto de comemorações na cidade é na Igreja Matriz de São José Operário, no Bairro Tijuco, onde existe fervorosa devoção à Imaculada Conceição, haja vista em 1938, ter sido construída naquele exato local uma capela primitiva em honra a Nossa Senhora da Conceição, que, contudo, teve por ordem episcopal de Dom Helvécio Gomes de Oliveira seu orago alterado para São José, pois segundo dizeres do prelado a cidade já tinha várias igrejas dedicadas a Maria, como informa VIEGAS (1959). Assim foi feito mas a devoção permaneceu. A forma de comemoração variou ao longo dos anos em forma e intensidade, chegando mesmo ao caso específico de 2006, quando conforme observamos in loco, houve uma tentativa isolada de aproximá-la aos valores da cultura popular, com levantamento de seu mastro e a presença de vários congados. Houve reinado. Tudo foi possível graças aos esforços extraordinários da então festeira Maria Inês dos Santos Zim, a conhecida Mestra de Folia de Reis e Folia do Divino (***).

Ainda em São João del-Rei merece pleno destaque a existência da Igreja Matriz da Imaculada Conceição, na Colônia do Marçal, surgida a partir de uma capelinha primitiva erigida pelos colonos italianos, que deu lugar a uma igreja maior no início dos anos setenta. A obra de edificação da nova igreja se arrastou por muitos anos. É mister enaltecer os esforços do atual pároco, Padre Antônio Claret Albino, que conduziu grandes melhoramentos na estrutura daquele templo, enriquecendo seus aspectos arquitetônicos e trazendo estrutura ao adro. As festas da padroeira da Colônia são célebres ocasiões de fé, confraternização e congregação do povo católico da área do antigo núcleo colonial são-joanense. O movimento de barraquinhas é também afamado. 

É padroeira de Conceição da Barra de Minas, cujos primórdios devocionais remontam a 1724, ano da petição de licença para edificação da primitiva capela. A igreja matriz é uma joia arquitetônica e artística e foi elevada a santuário diocesano em 13/06/2003. A partir daí a Festa da Conceição ganhou foro de jubileu naquela cidade. 

Também é padroeira da cidade de Prados, onde a devoção se estabeleceu provavelmente a partir de 1715, contando com imponente matriz e animadas e solenes festividades anuais. 

Segundo o jornal A Tribuna, em Curralinho de Prados, inaugurou-se a 8 de dezembro de 1918 a Capela da Conceição, graças aos esforços do Sr. Evaristo de Paula Resende. Houve missa, celebrada pelo vigário, Cônego A. Cardoso. Tocou a Banda de Música Santa Cecília, de Resende Costa, sob a regência do Maestro Capitão Christovão Gonçalvez Pinto. 

A são-joanense, Francisca Paula de Jesus, a Beata Nhá Chica (1810-1895), batizada na primitiva Capela de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, era devotíssima da Virgem da Conceição, devoção que ajudou a difundir na cidade sul-mineira de Baependi, onde se radicou desde jovem, operando ali, no nome santo da Imaculada Conceição, muitas obras de caridade e preces em favor de muitos desvalidos e desorientados. Nhá Chica é considerada a construtora da igreja desta invocação em Baependi.

Nos terreiros o dia 08 de dezembro é comemorado com grande respeito e fortes expressões devocionais. Umbandistas e certas nações de candomblé festejam neste dia a Oxum, a doce orixá das águas das fontes e cachoeiras, que tem sincretismo com Nossa Senhora da Conceição (****). É comum os médiuns se dirigirem às cascatas neste dia, ou às minas onde brota a mais límpida água, e fazerem aí rituais com cantos e oferendas, de velas (amarelas, brancas, azuis), flores brancas (rosas), frutos (sobretudo melão). É típico a lavagem das guias e colares nas águas neste dia, propícias a descarregá-las de tudo quanto de negativo acumularam e a energizá-las da mais pura força sagrada. Banhar-se nestas águas neste dia é um preceito. Em muito terreiros é neste dia que os filhos de santo já devidamente preparados são batizados em plena natureza, nos poços das quedas d'água.

Em alguns cantos uma alusão a este rito das águas persevera em cantos populares, como este, que coligimos em 1996 em Barbacena:

"Nossa Senhora da Penha
é madrinha de João,
eu também sou afilhado
da Virgem da Conceição."

Por fim é bom lembrar que o povo nutre grande confiança numa oração em especial dedicada a Maria, o Ofício da Imaculada Conceição, conjunto de versos para canto ou recitação, bastante prestigiados, que mesmo de origem remota no século XV ainda persevera no seio popular como oração poderosa de louvor, que a crença atribui o poder de combater todos os males.


Referências na Internet

Imaculada Conceição. In: Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Imaculada_Concei%C3%A7%C3%A3o (acesso em 03/01/2016, 07:42h)

Ofício da Imaculada Conceição. In: Wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Of%C3%ADcio_da_Imaculada_Concei%C3%A7%C3%A3o (acesso em 09/01/2016, 14:40h)

Ofício da Imaculada Conceição. In: Salve Rainha, http://www.salverainha.com.br/Oficio_de_Nossa_Senhora.html (acesso em 09/01/2016 14:42h)


Referências Hemerográficas

A Tribuna, n.183, 02/01/1918, São João del-Rei. Acervo da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida.

Referências Bibliográficas

GAIO SOBRINHO, Antônio. São João del-Rei através de documentos. São João del-Rei: UFSJ, 2010. 260p. p.134.

GAIO SOBRINHO, Antônio. Memórias de Conceição da Barra de Minas. São João del-Rei: ASCOM, 1990. 253p.

CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982. 2v. 

MEGALE, Nilza Botelho. 112 Invocações da Virgem Maria no Brasil: história, folclore e iconografia. Petrópolis: Vozes, 1986. 376p. p. 111-115.

VALE, Dario Cardoso. Memória Histórica de Prados. Belo Horizonte: [s.n.], 1985. p. 124 e ss.

VIEGAS, Augusto. Notícia de São João del-Rei. 3.ed. Belo Horizonte: [s.n.], 1959. 273p. p. 267-268.

PIEDOSAS e solenes tradições de nossa terra: novenas, tríduo, setenário, quinquena e meses. São João del-Rei: SEGRAC, 1997. v.2. p.230-246. 

Igreja Matriz da Imaculada Conceição em junho de 1999.
Bairro Colônia do Marçal, São João del-Rei/MG.
No adro, adiante da igreja um mastro dedicado a Santo Antônio. 
Igreja Matriz da Imaculada Conceição em fevereiro de 2016.
Bairro Colônia do Marçal, São João del-Rei/MG.
Notar a existência atual de torre, cúpula central, adro calçado, palmeiras,
pintura nova, dentre outros melhoramentos.    

Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
imagem do acervo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis,
em exposição pública à veneração dos fiéis na Igreja de São Francisco de Assis
durante a Visitação das Igrejas, na Quinta-feira de Trevas (Semana Santa).
São João del-Rei, 2014. 

Notas e Créditos

* Só bem mais tarde, com o advento do regime republicano perde o posto de padroeira do Brasil para Nossa Senhora Aparecida... Título este aliás que se refere a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul. "Nossa Senhora da Conceição Aparecida". De forma semelhante o título de Nossa Senhora da Lapa se refere originalmente a uma imagem de Nossa Senhora da Conceição encontrada numa lapa (gruta) em Portugal. "Nossa Senhora da Conceição da Lapa".
** Ver: FESTA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DE 1923
*** Os esforços da festeira foram porém de certa forma de encontro às origens deste templo. Consta que quando de sua fundação, o Capitão de Congo José Francisco, à frente de sua guarda de congado, sediada na Rua São João (Bairro Tijuco), tocava pelas ruas angariando recursos para a obra de edificação. A este respeito vide a postagem:
**** Em contrapartida Iemanjá, Senhora das Águas Salgadas, é festejada a 02 de fevereiro, dia de Nossa Senhora das Candeias ou de Nossa Senhora dos Navegantes. Em algumas linhas / nações a variação do sincretismo inverte estas comemorações de datas.
*****Texto: Ulisses Passarelli.
****** Fotografias: Ulisses Passarelli (igreja 1999 e 2016); Iago C.S. Passarelli (imagem 2014).


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