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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Simpatias e Crendices

O povo tem uma forma muito peculiar de encarar as coisas da vida, os fatos, os acontecimentos. Sobre eles vai secularmente tecendo sua livre interpretação e cria aconselhamentos que supõe prevenir malefícios. O poder da observação, a força das coincidências, as leis que regem a espiritualidade, tudo conflui para sob a ótica popular justificar crendices, superstições, simpatias, benzeções, etc.

Nesta postagem o Blog TRADIÇÕES POPULARES DAS VERTENTES apresenta uma coletânea de trinta simpatias e crendices tradicionais coletadas em São João del-Rei/MG, sendo de prática comum desde longa data, algumas ainda em voga, não obstante a modernização destes tempos tecnológicos.

* * *

01 - Contra soluço: soluço é uma sequência de contrações espasmódicas do músculo diafragma, separadas por um curto espaço de tempo. Aos recém-nascidos, com frequência a soluçar, cura-se com um pequeno pedaço de papel embebido na saliva da mãe, que se adere à testa da criança. Mantém-se até o soluço passar.

02 - Contra doenças de pele: antigamente, nas roças, quando o pai caçava um tatu, esfregava-se o sangue deste animal no corpo das crianças da casa, acreditando-se com este banho inusitado preveni-se doenças de pele.

03 - Crista de galo: 1- Nome popular de uma doença infecciosa, sexualmente transmissível, que atinge as partes pudendas; cancro mole. É causada pela bactéria Hemophylus ducreyi. 2- Símbolo de domínio, força, física, “macheza”. a expressão popular ""quebrar a crista" indica romper com a valentia de alguém. 3- Excrecência vermelha, carnosa na cabeça do galo doméstico, que é dada à criança para comer como simpatia para curar a incontinência urinária noturna, ou seja, para quem urina na cama.

04 - Cana debaixo da cama: para aliviar dor na coluna, corta-se uma cana de açúcar no tamanho exato da pessoa, medida pelas costas, com os calcanhares juntos. A cana é desfolhada e deve ser posta debaixo do colchão e sobre o estrado da cama, pelo prazo de pelo menos um mês, após o qual deve ser jogada pelo rio abaixo.

05 - Contra verruga: corta-se uma pequena batata-inglesa e esfrega-se sobre a verruga por algum tempo. A batata é posta a secar nas imediações de um fogão à lenha. A medida que a batata seca, a verruga seca também, depois cai. É o que prescreve a simpatia popular. Uma variante usa a ponta cortada de um quiabo que depois de esfregada sobre a verruga deve ser posto grudado na tábua da porta de entrada da casa, na parte de trás. Quando o quiabo secar e cair, acredita-se que a verruga cairá também.

06 - Para afastar males e doenças: na Sexta-feira da Paixão, na hora que Cristo morreu (15 horas), abre-se um pequeno buraco na terra do quintal e cospe-se dentro. Imediatamente se enterra a saliva, pedindo-se pela Sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que seja enterrado tudo que é contrário.

07 - Para fortalecer e trazer saúde: na Sexta-feira da Paixão, na hora que Cristo morreu (15 horas), tomar um copo de chá de erva-cidreira, pedindo-se pela Sagrada Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo que seja fortalecido e abençoado na saúde.

08 - Para prosperidade: no Dia de Santos Reis (06 de janeiro), tomar nove caroços de uma romã e proceder assim: três caroços devem ser jogados para trás, por cima dos ombros, sem olhar onde cairão, pedindo-se aos Reis Magos para desterrar todos malefícios; outros três devem ser engolidos, rogando-se saúde e proteção; finalmente os últimos três serão guardados na carteira para não deixar faltar dinheiro, tanto melhor se forem acondicionados num patuá de pano vermelho virgem, costurado junto com uma moeda.

09 - Para espantar visita indesejável: colocar uma vassoura atrás da porta de entrada. Isto evitará que a visita venha. Se a visita veio porque a simpatia não foi feita, então discretamente se pega a vassoura e sem que perceba, deve ser posta atrás da porta em disposição invertida, ou seja, com os pelos para cima e isto faz que logo a visita vá embora. Após a visita sair, se varrer seu rastro dentro da casa até abrir a porta da rua e tocar o cisco para fora, esta visita não voltará. O gesto de varrer enquanto a visita está presente já é considerado ofensivo, grosseiro, demonstrativo de não se querer a presença, mesmo que a intensão real não seja esta.

10 - Para não casar: quando não se quer que alguém não case, basta varrer o pé desta pessoa, ou seja, passar a vassoura sobre o pé, em gesto de quem varre.

11 - Para fechar o corpo ao mau olhado: 1- trazer três dentes de alho no bolso. Será mais eficiente se for no bolso esquerdo e se for de alho roxo. 2- trazer um ramo verde de arruda atrás da orelha esquerda. Quando a arruda murchar deve ser descartada, pois é sinal que já absorveu os males. 3- trazer uma fcaneiga pendurada ao pescoço, bentinho, patuá, terço, escapulário, medalha de santo, guia. 4- Outros objetos capazes de prevenir mau olhado são as semente de tento, olho de boi, timbó e ainda lascas ou cavacos de candeia, para-tudo (raiz), milhomem, cipó-cruzeiro e de pau-pereira.

12 - Para sobrepujar inimigo: escrever o nome do inimigo num pequeno pedaço de papel, por dentro do sapato e calçá-lo. Pisa-se o inimigo.

13 - Para nenhum inimigo alcançar sucesso na demanda: por um folha de comigo-ninguém-pode dentro do sapato à guisa de palmilha e calçá-lo. Isto geralmente se faz quando se vai fazer uma incursão no território do inimigo, pisar em terra alheia por uma necessidade.

14 - Para refletir o mal: 1- enfeitar o chapéu com um pequenino espelho (muito usado por folias de Reis e congados). 2- riscar o ponto de uma entidade espiritual num papel e afixar escondido atrás de um espelho. Se alguém tiver com inveja, o mal se reflete de imediato em retorno. 3- fazer uma ponta extra numa vela branca; acender as duas pontas e firmar no chão com a ponta original para baixo. Isto devolve o mal a quem o mandou.

15 - Usar roupa do lado do avesso: tem duas interpretações _ se a pessoa assim vestiu de forma inadvertida, é uma crendice que em breve ganhará uma roupa nova; se a pessoa assim vestiu de forma deliberada, é uma simpatia, adotada quando se vai a algum lugar cheio de inimigos, má querência, desafetos, visando se proteger de mau olhado, pois o lado inverso da roupa não deixa o maligno pegar na matéria.

16 - Proteção contra intempéries: guardar dentro de casa as palmas bentas da Procissão de Ramos protege contra raios, ventanias, chuvas fortes. Se a ameaça se fizer acentuada, queima-se a palha, e sua fumaça, assim como um incenso, protege o lar. A palma será trocada apenas pela do ano seguinte, renovando-se seu poder protetivo. A palma de ordinário se conserva dentro do oratório ou sobre o guarda-roupas. Quando se consegue duas palmas se usa amarrá-las uma à outra em cruz para mais efetividade na proteção do lar.

17 - Golo para o santo: costume de ao se tomar uma bebida alcoólica derramar propositalmente uma pequena porção no chão dizendo-se: “para o santo”. Talvez tenha ligação a oferendas de pinga (marafa) a algumas entidades espirituais da esquerda. Num Terreiro, se está presente um exu doutrinado, geralmente ele não permite que se derrame cachaça no chão, exceto se ele o fizer por si mesmo, sobre o ponto riscado. Outra forma do fato é servir uma dose da pinga num copo e por-se diante da imagem de São Benedito ou de Santo Antônio; ou ainda, por a imagem de Santo Onofre dentro do copo com a bebida, junto com algumas moedas. Considerando-se Santo Onofre padroeiro dos alcoólatras, talvez não seja lícito julgar este caso como um castigo ao santo. Acredita-se que são formas de agradá-lo, que então retribui com graças e bençãos.

18 - Galinha Preta: é reconhecida como “galinha de macumba”, numa expressão discriminadora. Deve-se ao fato de serem usadas como oferendas em rituais de sacrifícios a certos exus na quimbanda. Na crença popular é bom ter algumas galinhas de penas pretas no terreiro junto às demais, pois livram por sua simples presença a todas as outras aves de certos males, que atraem para si, desviando-se assim das demais criações e de seu dono.

19- Cuidados com o pagão: para salvar a alma de uma criança que morreu repentinamente sem o batismo a medida é sepultá-la sob uma roseira, fazer uma cruz de sal sobre o seu túmulo e plantar arruda sobre por cima do mesmo. Este era o costume nas roças.

20- Apadrinhamento: quem está noivo não deve apadrinhar ninguém, pois prejudicará seu próprio casamento.
21- Quizila: ojeriza que um espírito toma de um encarnado. Procurar quizila: desrespeitar a espiritualidade, adquirir dívida com o mundo espiritual. Enquizilado: indivíduo com a vida travada, caminho fechados, quando tudo que faz dá errado. “Maré de azar”. A solução para quizila é descobrir qual é a dívida espiritual e pagá-la, o que se faz com oferendas e banhos de descarrego.  

22- Margarida: flor branca, da família das compostas, de pétalas raiadas em torno de um “miolo” amarelo, em que o povo vê a figura simbólica solar e portanto a consideram importante de se ter em jardins de se enfeitar santos, evocando a luz, a força benéfica do sol. Flor positiva. O girassol tem a mesma característica.

23- Escada: 1- Invocação mariana, Nossa Senhora da Escada, praticamente desconhecida nas Vertentes. 2- Símbolo da subida, da gradação evolutiva, do progresso espiritual. Ao contrário, passar sob a escada traz fatalidades, atrasos. Deve-se evitar ao máximo e caso seja impossível, passa-se fazendo figa com a mão esquerda.

24- Cágado: réptil quelônio, tartaruga de água doce, com várias espécies. Nas Vertentes temos o chamado cágado-preto (Acantochelis spixii). Credita-se ao cágado o mal costume de devorar gente afogada, cujo corpo ficou perdido no rio ou represa. Outra crendice é lhe atribuir uma violenta mordida que só solta a boca dura se tocar-se uma sineta junto ao seu ouvido. Obviamente que se trata de crendices desprovidas de fundamento. É animal votivo de Xangô, não devendo ser morto ou sacrificado pois se provoca a ira deste orixá justiceiro.

25- Perna fina: a perna fina é sinal de que o indivíduo é trabalhador, ágil, ativo. Ao contrário, o homem de perna grossa é tido como preguiçoso, dolente.

26- Cordão bento: considerado de grande proteção contra espíritos do mal. Passar na cintura um cordão de São Francisco, ou de São José, ou de Santa Bárbara, ou de Nossa Senhora, ou de Santa Filomena resguarda de todos perigos, males e obsessores. Era costume amarrar o cordão à cintura do defunto, mesmo que não pertencesse a uma irmandade religiosa e enterrá-lo assim, suposta garantia de que sua alma nos caminhos do além teria com que rebater os assombros do outro mundo. 

27- Corno – O chifre de boi pendurado atrás do portão, ou na fachada, ou num barracão afasta todo mal, concentra em si os perigos imateriais que viriam para a casa. O chifre de bode traz fortaleza espiritual. O chifre de carneiro garante bons fluidos e suas aparas raspadas à faca, se fervidas, são dadas a beber a quem sofre de cólicas para alívio das dores. Obviamente que semelhante crendice não é recomendada como prática por este blog que apenas a registra pelo valor etnográfico da cultura folclórica. O uso do chifre é ancestral e cosmopolita e um elemento especial, chamado "cornucópia", representado por um chifre cheio flores ou frutos no seu interior, símbolo clássico e universal de fartura e fertilidade. O povo instintivamente e sem saber de seu nome a reproduz ao seu modo, quando as coisas não andam bem, metendo pelo oco de um chifre a dentro ramos de arruda, guiné, comigo-ninguém-pode, alecrim... ervas votivas e de proteção. 

28- Proteção ao casamento: 1- no dia do casamento, nem o noivo nem a noiva devem comer na panela, nem para provar, pois choverá na hora do casamento; 2- o noivo não deve ver a noiva antes do casamento pois traz azar para a felicidade dos dois; 3- na saída da igreja após a cerimônia é costume jogar arroz cru sobre os noivos com o intuito de abençoá-los com alegria e fartura. 

29- Mau agouro: 1- copos, pratos, talheres ou panelas caindo dentro de casa com muita frequência, indicam alguma desgraça iminente na família; 2- urubu pousado sobre a casa prenuncia morte na mesma; 3- coruja cantando sobre a casa chama má sorte para a residência; 4- anus (aves cuculiformes) rodeando o portão de entrada do lar denunciam a presença de eguns (por assim dizer, almas penadas); 5- cachorro uivando desmedidamente anuncia mal sortilégio para a casa; 6- cachorro escavando na frente da casa é sinal de sepultura que logo será aberta, ou seja, sairá um defunto daquela casa; 7- galo cantando fora do horário habitual no terreiro má sorte anuncia. 

30- Água de São João: na noite de São João Batista (23 para 24 de junho), a água corrente das fontes e riachos é considerada benta, capaz de curar males diversos e prevenir outros tantos. Motiva alegres e devotos rituais: 1- coleta de água em garrafas, guardando-as em casa para usos medicamentosos e espirituais, ao longo do ano; 2- banho votivo, de corpo todo ou só da cabeça no fluxo d’água.

Anjinho segurando uma cornucópia.
Adorno do presbitério da Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
São João del-Rei/MG. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografia: Iago C.S. Passarelli, 11/12/2014.
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SUPERSTIÇÕES DO ESPELHO

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