Via de regra os congados são manifestações da cultura popular de natureza laudatória. Seu fundo religioso é inegável, e mais que isto, é sua própria diretriz. Não obstante este fato inconteste, entremeado aos louvores, nas horas de intervalo entre as obrigações maiores da Festa do Rosário, a do Divino ou a de São Benedito, o congadeiro por vezes canta outras temáticas.
Nesta postagem seleciona-se algumas cantorias que aludem de forma singela ao amor. Dito assim porque a forma da abordagem nos versos refere-se ao amor de maneira um tanto simples ou mesmo brejeira, bem alinhado ao folclore construído ao redor deste tema.
Num importante registro fonográfico existente dos congados de Oliveira, fora das Vertentes, na Mesorregião Oeste de Minas, onde o congado tem grande vitalidade, há este canto de catupé (*):
"Ai, pavão,
bateu asa e avuô-ôh ... BIS
Ai, ai, moreninha,
Foi embora me deixou!" BIS
Nesta quadra bem se nota o que foi dito acima acerca do aspecto singelo do amor.
Mas também aqui na Mesorregião Campos das Vertentes os congados cantam o amor, como por exemplo no congo do distrito de São Gonçalo do Amarante, em São João del-Rei:
"Quatro horas da tarde
quando o vapor chegô, (**)
carregado de fazenda
pra morena do dotô..."
"Hoje vai chover,
lá na minha horta,
eu nos braços dela
chuva grossa não importa!"
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Congo, São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei/MG). Festa do Rosário, 11/10/1998. |
Nos dois casos existe uma ponta de ironia ou antes verve na composição. A morena do doutor parece se referir a uma concubina; "vapor" pode ser tanto barco a vapor quanto locomotiva, maria fumaça, neste caso mais ajustável à tradição local. Já na segunda quadra corre a expressão popular "vai chover na minha horta" que equivale ganhar uma vantagem, sair no lucro, ter uma recompensa.
Mas dos congados, os catupés parece mesmo que se sobressaem no assunto. No Bairro São Dimas, em São João del-Rei o Capitão Luís Santana cantava:
"Oi, pepino maduro, que dá semente, - bis
menina bonita que mata agente!" - bis
"Segura a peteca, não deixa cair, - bis
segura a menina, não deixa fugir ..." - bis
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Catupé, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG. Festa do Divino, 31/05/1998. |
Ainda mais uma vez nota-se os aspectos provincianos dos cantos e a pitada de ironia no segundo dístico, que usa igualmente de uma expressão popular: segurar a peteca é não perder o controle da situação, ter o domínio, não ficar sem.
No grupo da Restinga (Ritápolis) o amor é abordado assim:
"Leva eu, morena,
leva eu pra lá... BIS
morrerei apaixonado
se você não me levar!" BIS
"Dói, saudade,
dói, paixão! BIS
Vai dizer aquela ingrata
que amar é muito bão ... " BIS
"Dói, paixão,
dói, saudade! BIS
dói de dia, dói de noite,
dói até de madrugada!" BIS
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Catupé, Restinga (Ritápolis/MG). 24/09/2000. Festa do Rosário, Ramos (Ritápolis/MG). |
De memória uma informante cantou um peça do congado da zona rural de Bias Fortes (***):
"Morena bonita,
balão de fulô, (****)
chega pra cá
tá fazendo calor..."
Por fim, como último exemplo, uma cantiga dos marujos de Barbacena:
"Chorei, chorei,
a nossa separação, BIS
Madalena ficou chorando
com o lenço branco na mão." BIS
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Marujos, Barbacena/MG. 18/08/1996. Festa do Rosário, Bairro São Geraldo, São João del-Rei.
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O canto parece usar o nome Madalena em relação à conhecida expressão "Madalena arrependida", um tanto sarcástica a bem da verdade, para se referir às pessoas que erram, perdem por isto e depois lastimam sua falha. Menção à mulher bíblica que ia ser apedrejada por adultério e foi salva pela célebre frase de Jesus: "quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra" (Jo 8, 1-11). Esta pecadora a tradição popular considera que foi Maria Madalena.
Notas e Créditos
* Os Negros do Rosário. Belo Horizonte: Trem da História, 1987. Long Playing (LP), gravação em disco de vinil.
** Uma variante mais em voga nos últimos tempos diz com menos naturalidade: "Quatro horas da tarde / quando o papai chegô, / carregado de fazenda / pra morena do dotô..."
*** Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, déc.1990.
**** Balão de fulô: balão de flor, referência à saia-balão, modelo de vestimenta feminina de estampa figurando flores.
***** Texto e fotos: Ulisses Passarelli
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