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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 26 de junho de 2013

Caminhos do Folclore

Estrada Real: caminho de tropas, boiadas e folclore [1]
Ulisses Passarelli
(Ao amigo Zé do Munho)

            A Estrada Real foi o grande caminho de escoamento de produtos agropecuários desde o fim do Ciclo do Ouro até meados deste século, em carros de boi e tropas, além do constante movimento de boiadas, cavaleiros e animais cargueiros. Auguste de Saint-Hilaire já mencionava o seu grande movimento no começo do século XIX.
            Dos produtos destacavam-se o toicinho e o queijo, que os tropeiros levavam, comprando no sertão, assim chamado o interior pouco povoado, a oeste e trazendo pela Estrada e suas variantes até o Rio de Janeiro, desembarcando no Porto da Estrela. Retornavam com carregamento de sal, muito valorizado no interior.
            Estas viagens ficaram memorizadas em versos como estes[2]:

“Arriei a minha tropa
Fui ganhá o meu dinheiro
Fui fazê uma viagem
Para o Rio de Janeiro.” (etc.)
(São João d’El-Rey - MG)[3]

As tropas compunham-se de sete a dez burros nos quais adaptavam grandes cestos de taquara trançada no lombo, os jacás, ou malas de couro, as bruacas, em ganchos de madeira, as cangalhas e os canudos para carregar queijos, feitos de lascas verticais, também de taquara, hoje substituídos por tubos de PVC. Um burro mais treinado era o guia, com o cincerro ao pescoço, espécie de sineta, cujo som os demais acompanhavam na marcha compassada e em fila. À noite o cincerro era passado para a madrinha[4], uma eguinha mansa que tinha por função não deixar os animais saírem para pastos distantes, pois ficavam junto ao animal que tinha o cincerro.
Tropeiro era o chefe da tropa seguindo a cavalo, ajudado pelos tocadores ou tangedores, a pé.
Outro personagem destes caminhos eram os compradores de porcos, tocando-os a pé pela Estrada, atraindo-os às custa de grãos de milho soltados aos poucos como numa trilha.
Também o muladeiro, outrora chamado almocreve, vocábulo de origem árabe trazido pelos portugueses, lembrança ainda da dominação muçulmana. Era o comprador de burros e mulas, levando-os amanados até o interior de São Paulo.
O carro de bois com seu gemido rouquenho e bucólico, fruto do atrito do eixo com o cocão, seguia carregado, guarnecido pela esteira de taquara-poca passada entre os fueiros. Os bois aparelhados pelas cangas obedeciam ao carreiro munido de longa vara que tinha na ponta um ferrão e algumas argolas cujo tinido os bois obedeciam. Auxiliando-o, ia o candieiro. Os bois de carro eram verdadeiro orgulho de seu dono, que escolhia a dedo as juntas pelo tamanho, cor e treino: “Ô-ah! Malhado! Pintado! Pintado!”
A comitiva era formada por boiadeiros, peões e pelo cozinheiro. Montados, saiam sertão adentro à compra de gado pelas fazendas ao longo da Estrada Real e de suas proximidades. Compravam em grande número, a prazo de trinta ou quarenta dias, sem papel assinado. A palavra valia mais, o nome, a indicação, a referência, a amizade ou o compadrio[5]. Quando o negócio era de maior vulto, a prova do pagamento era um fio da barba do comprador, entregue ao vendedor. Guardava-se num envelope e devolvia-se ao seu dono na ocasião do pagamento[6].
O boiadeiro reconhecia-se logo pela silhueta: a cavalo, calçado de botas de cano alto, ou botina e perneira, esporas, cinto com facão e garrucha, vara de ferrão, berrante a tiracolo, cigarrão de palha fumegando no canto da boca, meio caído, como que tragado displicentemente, chapelão na cabeça, de abas largas, calça e camisa simples, com capa boiadeira por cima.
Viajavam muitas vezes sem destino, indagando por negócios possíveis. Trinta a sessenta dias longe de casa, numa vida itinerante, quase nômade. Rude com certeza. A partida[7] de gado era trazida tocada a aboio[8] _ canto de trabalho para incitar a boiada à marcha _ e aos toques próprios do berrante para cada ocasião: a saída, chegada, marcha, estouro de boiada, pouso, rancho, reunir animais.

Refrão: Êh, boi! 
Êh, boi!

Eu entrei nesse cerrado
A noite chega
E saí no chapadão
Nós precisa pousá,
Quanta morena bonita
Morena tá me‘sperando
Eu deixei nesse sertão.
Na porteira do currá.


Na baixada que seguia
Morena deitô falano grosso
Muita areia no chão,
Levantô falano fino
O boi pisava fundo
José, você não vai embora
Levantá puêra do chão.
Meu amigo José Cristino ...


Toca o berrante, seu moço,
Toca o berrante
Que a boiada que estôrá,
Prá juntá essa boiada
Toca o berrante, seu moço,
Adeusinho meu amor
Que nós precisa chegá!
Adeusinho minha namorada.
(Antônio Carlos – MG)
Boi, boi, boi,
Boi, boi, boi,
Eu não sou boiadeiro não
Boi, boiadeiro!
Sou tocado de gado,
Boi, boi, boi,
Boiadeiro é meu patrão.
Segura sua boiada!
(Barbacena – MG)[9]

O cozinheiro era o responsável pelo cargueiro da comitiva, o animal que carregava os poucos pertences, panelas, demais vasilhames e mantimentos. Ia sempre adiantado dos demais para em lugar combinado já esperá-los com a alimentação pronta, sempre feita na banha de porco, que tem sustança para a lida: arroz, feijão com farinha, carne salgada, torresmo. E o café forte para arrematar, fosse nas águas ou na seca [10].
A Estrada Real chamavam “Corredor de Gado”, largo caminho de terra batida ladeado de valas. Fora do corredor o gado era lavado na larga, pelos campos, trilhas e vargedos.
Padecimentos havia muitos nesta vida do mundo. Uma cruz no caminho marcava a morte de Antônio Félix, um tropeiro assassinado por dois policiais, “homens de boné” [11]:

Num sabe o que aconteceu
Ele em’vinha de viagem
Lá na Mata do Campinho,
Com um pequeno tocado
Mataro seu Antoin’ Féli’
Tomo um tiro na cabeça
Com sua tropa em caminho.
Nem de Jesus alembrô.

A justiça tomô parte
O escrivão passô a fé
Quem matô seu Antoin’ Féli’
Foi dois home de boné...
(Bias Fortes – MG)

Perigos e medos também, que ironizavam em cantigas assim[12]:

Eu saí de casa
Eu desci pra’qui abaixo
Pensando que era home
Panhando minhas goiabinha
Na passagem da porteira
Cada barulho que fazia
Quase que a onça me come.
Pensava que a onça vinha.
(Bias Fortes – MG)

No caminho podiam surgir as chuvas _ da garoa à de pedra _ vento, calor, poeira, geada. Fome. Doenças em geral. A noite as dificuldades eram maiores: onde dormir?
Por vezes a noite os surpreendia no caminho. Dormiam em escala, uns vigiando os animais para não fugir, enquanto outros se escoravam pelo chão, para alta madrugada revezarem. “Da macega eu faço a cama / do sereno um cobertor (...)”, diz um canto[13].
No geral a marcha era programada para se atingir os pousos habituais, fazendas amigas ou ranchos a propósito, com cercados ladeando, com pastos para animais. Nos pousos, dormia o boiadeiro usando o arreio de travesseiro; baixeiros, mantas e pelegos de colchão, e a própria capa de cobertor.
Após a janta na trempe improvisada, com pedras ao redor para cercar a brasa e armação articulada para segurar as panelas de ferro, a conversa ao redor do fogo era fundamental no relacionamento humano. O assunto era a lida diária: a qualidade do toicinho, a hospitalidade de um fazendeiro, a briga dos marrucos, uma vaca nabuca trochada mojando, uma novilha gorda pegadeira, o boi carreiro araçá, de chifre argolado, o pasto de capim-gordura, a cheia do ribeirão, o casamento da filha do compadre, a safra do milho, um bando de bugios ou de sauás em festa na galhada. Uns picando fumo, outros quentando fogo, ou o bucho, com uma talagada de boa pinga mineira, cuja garrafa ia sempre pendurada na cabeça do arreio[14].
Boiadeiros, tropeiros, tangedores, muladeiros, candieiros, carreiros, viajantes, mascates, fazendeiros, encontravam-se nestes pousos e corriam soltas as estórias, lendas, causos, mitos. Lembravam dos lugares assombrados, como as velhas fazendas do tempo dos antigos, a cava onde aconteciam coisas misteriosas, a porteira dominada pelo pemba, que só abria quando queria batia três vezes na hora de fechar, um caminho entre uma capoeira onde alguns viajantes se assombravam com uma invisão, os feiticeiros _ cuba do papo amarelo _ que amarravam carro-de-bois e espalhavam a tropa[15].
Mais tarde, quem sabe, a viola caipira indispensável animava com o dedilhado inconfundível, ouvindo décimas, toadas tristes e modas alegres, como a “Moda da Tetéia”[16]:

Eu pedi meus capataz
Eu andava de vez em quando no ar,
Que minha boiada levasse
De vez em quando no chão,
Tomasse conta de tudo
Só lembrava de São Jorge,
Até que nos encontrasse.
Que é da minha devoção.


Eu cheguei na casa da roxa
Dava um pulo pra cima,
Perguntei o nome dela
Metia o bico da bota,
_ eu me chamo Docelina
Gritava: _ abre, negrada!
Sobrenome de Tetéia.
Era nove, dez cambota.


Numa tardezinha deu vontade
Quando viram a coisa feia
De ir lá no recreio.
Gritaram: _ pára, gente!
Tetéia me recomendou
Vamo rezá o credo primeiro!
Para nada não beber
Isso é até o diabo,
Que eles punham o homem tonto
Em figura de boiadeiro...
Para depois bater.


Quando o banzé cessou
Logo quando eu cheguei,
Eu fiquei por ali,
O batuta Chico Rita
Vi catinga de bode no cabo do piraí [17].
Por essa forma falou:
O batuta Chico Rita,
_ eu tenho minha faca Nov
Desse eu tive pena,
Que comprei lá no Cruzeiro
Depois dele bem pisado,
Pra cortar crista de galo
Meti nele a chelena!
E mala de boiadeiro ...
Cinquenta conto minha chelena custo,

Um quilo e meio só a roseta peso [18].
Quando ele falô assim

Respondi no pé da letra:
Eu desci pra rua abaixo
_ não arreceio morrê no meio da lama,
Fui sair em Santa Teresa
A dor da morte é a mesma
Lá mesmo onde estava
Tanto aqui quanto na cama.
O suquinho da beleza.


Logo quando eu falei assim
Arriei a minha mula
A rapaziada encaiporô [19]
Por nome de Assembléia,
Foi uma chuva de pau
Depois da mula arriada
Escureceu de poeira,
Joguei a pala na garupa.
Fedia chifre queimado
Depois de tudo arrumado
E resbalo de madeira.
Mandei sentar Tetéia comigo.

                                                  Tinha vinte e cinco léguas
                                                  Até o Arraiá da Glória
                                                  Cortei todo esse chão
                                                  Dentro de vinte e quatro horas.

            Havendo mais gente logo faziam uma função: catira, rodinha, cana-verde, carangueijo, calango, recortado, roda-morena. São danças do folclore “branco” que muito provavelmente aqui chegaram trazidas dos estados Rio de Janeiro e São Paulo onde ocorrem[20], através da Estrada Real, por estes trabalhadores itinerantes, que num dia, aprendiam em um pouso e amanhã repetiam noutro, léguas adiante, afinal, “quem ouve esquece, quem vê entende, quem participa aprende.”
            Estas comunidades ao longo da Estrada real estavam habituadas a tudo isto. Era assim a vida, natural e essencial. Preservavam espontaneamente os costumes, a religião, o pagamento de promessa com a dança de São Gonçalo trazida pelos mesmos boiadeiros e tropeiros. Tudo isto hoje está perecendo com a dissolução das comunidades caipiras que mantinham este folclore. É plausível admitir que o próprio moçambique-bate-paus, modalidade de congado tenha chegado por esta via, ainda mais se considerarmos que sua área de distribuição é ao longo do antigo Caminho. Este folguedo porém persiste, preservado pelos negros devotos.
            Não é fato único. As ligações do folclore do sul e sudoeste de Minas com o de São Paulo, inclusive nestas danças, tem explicação idêntica. Assim como o de São Paulo e Paraná, notadamente o fandango.
            Até o nordeste, ao longo dos antigos caminhos de gado, da Bahia ao Piauí, ou ao Rio Grande do Norte e Ceará, o folclore tem fortes ligações, em especial o do Ciclo do Rosário e dos Reis Negros.
            De tal forma foi a importância desses centauros que desenvolveu-se na umbanda uma “linha” religiosa dita Linha de Boiadeiro, acreditando-se que os espíritos dos boiadeiros voltem para cumprir chamados religiosos[21]:

Chapéu de couro, abençoado!
Peço licença pra entrar em seu Reinado! ...
(Barbacena – MG)

            É o canto de abertura da linha. Um exemplo dela é o seguinte [22]:  

Boiadeiro meu!            
Auê, chapéu grande!
É de Minas Gerais!
Beirada de ventania!
Pra ficar sem boiadeiro  
Beirada de ventania!
Meu sertão não vive em paz.
Ôh! Bêrada de ventania...


Seu boiadeiro, por aqui choveu?
Getuê, getuá!
Choveu que água rolou ...
Corda de larçar meu boi!
Foi tanta água que meu boi nadou,
Getuê, getuá!
Foi tanta água que meu boi nadou...
Corda de boi laçar!


Ô gente, segura esse boi!
Tava nas campinas
Ô gente, segura esse boi!
Campiando os bois,
Ô gente, segura esse boi!
Quando me avisaram
Esse boi é meu, esse boi é demais!
Sua boiada já se foi...

Onde andará?
Onde andará?
Minha boiada,
Tão querendo me tomá ...
(Lavras – MG)

Estas observações são fruto de uma pesquisa inicial que ainda engatinha mas que agora tom a fôlego com a excelente iniciativa de aproveitar a Estrada num amplo projeto de desenvolvimento do turismo rural e ecoturismo, que sem dúvidas trará desenvolvimento. Pretendemos chegar ao mapeamento cultural, traçando as ligações entre as regiões distantes.

Agradecimento aos informantes dos cantos: José Cândido de Salles (Antônio Carlos, MG), Elvira Andrade de Salles (Bias Fortes, MG), “Dona Josefina” (Barbacena, MG), Luthéro Castorino da Silva (Lavras, MG), José Orlando da Silva (São João del-Rei, MG). Nossa gratidão, igualmente, a Dr.José de Alencar de Ávila Carvalho (São João del-Rei, MG) e a Raimundo Nonato de Paiva (Luminárias, MG) pelas informações adicionais.

*  *  *

Este texto foi escrito a treze anos quando estava a todo vapor a divulgação da Estrada Real. Considerei este nome como preferencial para a execução textual por se sintonizar melhor aos objetivos ao ideal da época. Para este blog, o texto foi redigitado com acréscimo das notas de rodapé que tornam a crônica mais elucidativa. As fotos abaixo também não faziam parte do texto original. A primeira é de autor não identificado, de álbum familiar, representando a comitiva de Zé Cristino, citado nas notas de rodapé. As outras duas são de minha autoria e representam um rancho boiadeiro já hoje inexistente, de Santa Cruz de Minas (1999) e uma tropa parada na área central de Prados (2003). 









[1] - Publicado em: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v.9, 2000. 166p. p.57-64.
[2] - Verso da chula do palhaço da Folia de Reis do Bairro Bonfim, do saudoso Mestre “Dinho” (José Orlando da Silva), colhida no Arraial das Cabeças, São João del-Rei/MG, em 1993. O personagem do palhaço era encarnado por Jorge Aparecido de Paula.
[3] - Mantive, por respeito ao texto original, para efeito de digitação, a grafia que então adotava para a cidade, hoje abandonada diante dos ensinamentos de Abgar Tirado: Breve Estudo sobre a Conveniente Grafia do Nome de São João del-Rei e do Adjetivo Gentílico Relativo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.10, 2002. 180p.il. p.176-180.
[4] - O mesmo que égua madrinheira.
[6] - Desta promissória do passado, prova notável de hombridade, vergonha na cara, compromisso de pagamento feito deixando-se um pedaço do próprio rosto, um fio da barba ou do bigode, símbolo de seriedade do compromisso, ainda restou uma expressão popular: (... fulano) não vale um fio de bigode!”, indicando que não vale nada, pessoa imprestável em quem não se pode confiar.
[7] - Partida: um lote de animais; manada, rebanho. Conjunto de reses tocadas estrada afora.
[8] - O aboio é mais conhecido na área do Polígono das Secas mas não foi desconhecido nos Campos das Vertentes, nem em sua forma típica nem na versejada, cujo exemplo se segue, colhido do boiadeiro “Zé Cristino” (José Cândido de Salles), saudoso morador do Córrego, em Santa Cruz de Minas, mas natural da Fazenda Serra Velha, em Antônio Carlos/MG.
[9] - Informação da sra.”Josefina”, 1996, Barbacena.
[10] - Cargueiro: animal de carga. Nas águas: na estação anual chuvosa. Na seca: na estação da estiagem. O arroz com carne seca desfiada é muitas vezes chamado “arroz de carreteiro”, nome de influência sulina. Feijão com farinha e torresmo é o feijão-tropeiro, que na cidade acrescentam couve picada mas que esses viajantes estradeiro poucas vezes tinham acesso nos rudes locais de alimentação.
[11] - Estes versos me foram recitados e não cantados. Informação da sra. Elvira Andrade de Salles, 1995, esposa do já citado boiadeiro Zé Cristino, meus sogros, ela natural do povoado do Guilherme, em Bias Fortes / MG.
[12] - Cantado pela mesma informante das estrofes anteriores.
[13] - Informado pelo boiadeiro Zé Cristino. É um fragmento de cantoria de uma dança rural desaparecida chamada roda-morena.
[14] - Lida: labuta, trabalho, afazeres. Marruco: touro. Nabuca (o): animal sem cauda ou que a tem muito curta; cotó. Trochada: pelagem castanho claro, tracejada de escuro, semelhante ao pelo araçá. Mojando: prenha, prestes a parir e produzir leite, indicativo de lucro. Pegadeira: vaca brava, que pega, persegue pessoas para chifrar. Carreiro: boi treinado para puxar carro. Costuma ter argolas de ferro trespassadas no chifre para facilitar amarras. Araçá: boi de pelo ocre rajado de preto. Bugio e sauá: símios, macacos cebídeos, respectivamente Allouata fusca e Callicebus personatus. Bucho: exatamente o estômago e em sentido amplo, a barriga.
[15] - Tempo dos antigos: expressão popular para usada para indicar antiguidade e por conseguinte uma teórica preservação ritualística. Candieiro: auxiliar do carreiro. Pemba: africanismo banto, de Angola, usado com o sentido de diabo. O termo original é “cariapemba”, que no Brasil se desdobrou em duas palavras distintas, ambas empregadas como sinônimo de demônio: “cariá” e “pemba”. Invisão: espectro fantasmagórico; assombração. Cuba:o mesmo que cumba, indivíduo profundo conhecedor das artes místicas. Feiticeiro. “Do papo amarelo”: expressão intensificadora.
[16] - Moda muito antiga, informada pelo boiadeiro Zé Cristino, 1999.
[17] - Piraí: pequeno chicote, relho miúdo. Catinga de bode: o odor de caprino é considerado demoníaco.
[18] - Chelena: corruptela de chilena, um tipo de espora. Roseta: círculo com pontas metálicas que espetam o cavalo pela espora.
[19] - Encaiporou: fez como o caipora (ser mitológico), que arma espreitas no mato.
[20] - O avanço das pesquisas me faz revisar este pensamento. É difícil afirmar se as danças vieram de lá para cá ou o contrário. Poderia ser as duas possibilidades. Seguramente se pode dizer apenas que boiadeiros e tropeiros contribuíram muito para disseminar a cultura popular. A designação “folclore branco” ou negro, ou índio é clássica, mera figura de linguagem e caiu em desuso. A mescla cultural e étnica, bem como o mau uso dessas expressões, assim o determinaram.
[21] - Inf.: Dona Josefina, Barbacena, 1996.
[22] - Informado por Luthéro Castorino da Silva, 1996, morador em São João del-Rei, mas aprendido num terreiro de Lavras / MG. 

3 comentários:

  1. Muito rico e original. Merece virar um folheto, tipo cordel, em estilo mineiro, tropeiro. Grande abraço!

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  2. Viajei, Emílio! Fazer folhetos e encher uma bruaca com eles, ou jacás de taquara, por no lombo de um cavalinho, amarrar um cincerro nele e sair por aí, tinindo e distribuindo cultura de graça, vestido a caráter.
    Por enquanto não pagamos imposto para sonhar. Então aproveitemos, caro irmão!
    Abç.

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    1. Meu amigo, tenho um defeito: acreditar que sonho é semente da realidade.

      Resisto nesta inocente crença, mas esta fé me faz sonhar com o porvir. E que, tenho certeza, virá.

      Virá, não, já está aí. Este blog nada mais é do que um jacá eletrônico, a navegar por cyber-estradas, distribuindo folhetos virtuais.

      Avançamos na contemporaneidade que o hoje nos impõe, mas sonhamos com o paraíso dos folhetos impressos em papel jornal - ou no nosso papel de pão de São João del-Rei - em tipografias artesanais (ainda existem?) e entregues um a um, mão a mão, como pão fresco e quentinho, café novo, fruta do pé, flor orvalhada, bênção de pai e mãe, sorriso de irmãos, abraço de amigos,beijo de namorada.

      Sonhemos então. Presente e futuro valem a pena e o universo há de fazer a sua parte...

      Grande abraço.

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