Bem vindo!

Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




Mostrando postagens com marcador Giarola. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Giarola. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Trenzinho das Águas

Ramal das Águas Santas

"Trenzinho das Águas"... É assim que a população em geral o chamava. Em 22/08/1910 foi aberto este ramal (CESAR DE PINA (ANTIGA CHACRINHA)). No entanto consta que a inauguração foi em 21/08/1911 (A ESTAÇÃO CÉSAR DE PINA). Foram assentados os trilhos do ramal das Águas Santas, imediatamente à direita da linha atual, no sentido de quem sai da cidade, no Bairro Matosinhos, em São João del-Rei. Uma casinha de guarda-chaves havia em frente à igreja velha, ambas demolidas. Exatamente na curva que existe ao fim da reta que passa diante da igreja, a linha desse ramal partia rumo ao Rio das Mortes. Através de um pontilhão atravessava o rio. Pela Vargem do Marçal, rumava para seu destino. Passava ao lado da atual Cooperativa de Produtores de Leite (antigo e popular “Bezerrão”), junto ao autoposto de abastecimento que ali existe, cruzava a atual Avenida 31 de Março a nível de seu trevo e corria ao longo de toda a atual Rua Monsenhor Silvestre de Castro e Rua Américo Deodoro Briguenti (formadas sobre o leito dos trilhos retirados), ia até a Colônia do Giarola e ao chegar em César de Pina, virava à direita e aí havia uma estação. Desta ia rumo ao famoso balneário de águas de propriedades medicinais, radiotivas e magnesianas, que ajudam no tratamento de doenças. O trem parava em alguns lugares, servindo à população em geral. Segundo o Prontuário das Estações eram as seguintes paradas e estações: 

paradas / estações
quilometragem
inauguração
Várzea do Marçal (estrada) – parada
98,000
14/11/1923
Colônia (estrada) – parada
100,149
21/08/1911
Giarola (estrada) – parada
102,108
21/08/1911
César de Pina – estação
104,945
12/10/1923
Chacrinha (estrada) – parada
108,000
21/08/1911
Águas Santas – estação
108,237
21/08/1911

Na Colônia a parada era junto à cerâmica que ali existia [1], próximo à Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. 

Chaminé da cerâmica da Colônia, em agosto de 2004.

No Giarola a parada ficava próxima à Capela de Nossa Senhora das Mercês, construída sob a liderança do sr. Luigi Giarola [2].

Sem conhecimento de datas precisas, mas é comentado que nesse Ramal das Águas, logo após o pontilhão sobre o rio, tinha um entroncamento do qual saía sub-ramal, até o sopé do Morro do Cascalho, em Santa Cruz de Minas, passando próximo à atual escola da Fundação Bradesco, nas imediações do antigo Campo de Aviação. Sua função era carrear cascalho – fruto inclusive das inúmeras escavações auríferas ali realizadas nos setecentos, sobretudo pelos escravizados de Marçal Casado Rotier, trabalho perpetuado nas cascalheiras ainda visíveis. Esse cascalho era usado para assentamento dos dormentes.

Idealizou-se fazer um prolongamento do ramal das Águas Santas até Entre Rios de Minas, passando pelo Ribeirão do Mosquito e Lagoa Dourada, mas essa ideia não progrediu [3].

As fortes chuvas de 1911 desarranjaram as estruturas da via férrea desse ramal, que até a execução dos reparos, correu só até o Giarola [4]

Mudanças no horário do ramal das Águas Santas, determinadas para iniciarem a partir de 08 de março de 1915, também aboliram os trens Chagas Dória-São João, deixando para servir ao bairro, apenas os de Águas Santas-São João, causando o descontentamento dos usuários. Moradores de Matosinhos solicitaram então ao diretor da EFOM, Dr. Agostinho Porto, que restabelecesse os trens que haviam sido suprimidos, pois só os das Águas Santas não bastavam ao bairro. O texto interessa ser transcrito pois retrata a fisionomia do bairro à época [5]“Mattosinhos desenvolve-se extraordinariamente. Ali reside grande numero de familias. A pitoresca localidade está se tornando um ponto chic de S. João. Sob o ponto de vista comercial e industrial o seu desenvolvimento então é enorme”. 

Dr. Agostinho Porto, em fotografia de data e autor não identificados,
publicada no jornal são-joanense A Tribuna, n.147, 29/04/1917. 

Comenta a nota, que o comércio local movimentara no mês anterior, quantia superior a um conto (um milhão de réis), muito devendo neste sentido, ao “inteligente comerciante, sr. Fidélis Guimarães, que ali movimenta diversas indústrias” [6]. Ao que parece o diretor da ferrovia atendeu ao pedido desfazendo o erro. Sua popularidade cresceu, ou talvez, para refazê-la, promoveram uma animada festa em sua homenagem em Matosinhos, no Athletic Club, já no mês seguinte[7].

O “Trenzinho das Águas” como ficou conhecido, marcou época, e seus horários, assinalados pelo silvo saudoso das locomotivas, que serviam igualmente a Matosinhos, era como um relógio para a população e tinha um charme único. A desativação deste ramal se deu em 1966 (A ESTAÇÃO CÉSAR DE PINA; CESAR DE PINA (ANTIGA CHACRINHA)). O fim do "Trenzinho das Águas" deixou aberto uma lacuna de nostalgia em quantos o conheceram. Para além do aspecto utilitário cotidiano, seu papel de interligação de São João del-Rei a um balneário, lugar de entretenimento e terapia, decerto contribuiu para isto. 

Há pouco em Matosinhos ainda se via vestígios do lugar que se assentava seus trilhos, mas um aterro recente os encobriu. No barranco do rio ainda se veem os sinais do pontilhão e dentro das águas os troncos que o sustentavam (o pesqueiro local ficou por isso conhecido por “Tocos”). Outros sinais estão no começo da Avenida 31 de Março, entre o trevo e a “Ponte do Bezerrão” avista-se na vargem a elevação do lastro da linha férrea. Fazem alguns anos parte do trecho erradicado, convertido em rua, no Giarola, foi fechado, o que gerou grande confusão entre os moradores locais, pois era de servidão pública [8]. Poucos sinais restaram hoje. A estação das Águas foi demolida e a de César de Pina está arruinada [9].  

Tocos: vestígios do pontilhão do "Trenzinho das Águas" no leito do Rio das Mortes. 28/04/2012.  

Estação César de Pina, abr./1999. 

Estação César de Pina, 20/08/2005. 

Estação César de Pina, 18/05/2014. 

Referências

A Estação de César de Pina. Estação de Memórias, Tiradentes, Minas Gerais. Disponível em: https://estacaodememorias.org.br/tiradentes/a-estacao-cesar-de-pina/#:~:text=Devido%20a%20seu%20estado%20de,Acervo%20do%20autor. Acesso em 06 ag. 2025. 

Cesar de Pina (antiga Chacrinha), Município de Tiradentes, MG. Estações Ferroviárias do Brasil. Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_efom/cesar.htm Acesso em 06 ag. 2025. 

PRONTUÁRIO GERAL DAS ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS: 1945. 2.ed. Belo Horizonte: Departamento de Estatística, 1947.

Créditos

- Texto e fotografias: Ulisses Passarelli.
- Sobre este ramal ver: Trem das Águas Santas. Ferrovia Oeste de Minas; memória e história. 2.ed. São João del-Rei: Vitral Bureau Cultural, 2014. Documentário (DVD). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JastN6J9dTE  Acesso em 05 ag. 2025. 

Notas 

Revisão: 06/08/2025. 


[1] - Informações orais coligidas por Francisco José de Rezende Frazão, que gentilmente me transmitiu e a quem agradeço, dão conta de que o dono da cerâmica era o sr. César Briguentti Neto (conhecido por “Cesário”); o administrador o sr. Américo Deodoro Briguentti e o mestre-ceramista o sr. Alfredo Tortieri, que plausivelmente orientou sua construção, pois era experiente no assunto, tendo inclusive construído uma cerâmica em Juiz de Fora.
[2]  - Luigi Giarola era o administrador do núcleo colonial. A seu respeito ver: OLIVEIRA, Jorge Silva de. A imigração italiana e a família Carazza em São João del-Rei.  Governador Valadares: Valadares, 2000.
[3] - A Opinião, nº ilegível, 03/09/1910.
[4] - A Opinião, n. 119, 17/12/1911.
[5] - A Tribuna, n. 34, 07/03/1915.
[6] - A Tribuna, n. 40, 18/04/1915.
[7] - A Tribuna, n. 45, 23/05/1915.
[8] - Jornal de São João del Rey, n. 142, 29/10/1989. 
[9] - A estação de César de Pina foi restaurada em 2023.