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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Frades de Pedra: de monólitos fálicos a barreira de trânsito

Em algum canto esquecido em velhas cidades ainda se vê porventura uma pequena coluna de pedra fincada numa esquina ou fechando uma rua. O povo a denomina frade, frade de pedra, fradinho e gaiatamente "pirulito" (*). Em Portugal há o sinônimo fradépio. 

Na maior parte das vezes passa despercebido, o que de fato não é positivo, posto que uma vez inadvertidamente retirado ou danificado, não se faz notar, e o que é pior, nem lhe atinam que faz parte do cenário histórico, do patrimônio cultural, da ambientação urbana. Sua origem está em um passado muito distante e se liga ao culto fálico, de primórdios pagãos, mais tarde cristianizados. 

                             
Frades em Tiradentes, junto à antiga cadeia. 30/01/2018. 

Estão ligados remotamente aos monumentos monolíticos da pré-história, que o homem erguia desde o neolítico. Neste sentido os frades de pedra se correlacionam com os próprios obeliscos, menires isolados, marcos miliares e marcos de sesmaria. 

O pênis ereto (falo) era o símbolo da virilidade, valendo pela bênção da fertilidade, fartura e proteção mágica. Com esta crença era representado em desenhos como afrescos, nas esculturas e entalhes. O próprio chifre ou corno, retesado, tinha o mesmo sentido e identificava um símbolo fálico, ou seja, uma representação imemorial do pênis, simbologia do touro reprodutor, poderoso. O chifre como tal é um amuleto que ainda o vemos fincado à ponta de uma vara nas plantações, pendurado perto de entradas de casas, para proteção dos maus olhados, energias contrárias e deletérias. 

Sua representação em forma de coluna ou colunelo de pedra foi conhecida e usada na Península Ibérica, sabidamente de imemorial dominação por diferentes e sucessivos povos pagãos. 

A cristianização dos costumes fez um esforço para mascarar, anular e adaptar os hábitos pagãos. A denominação "frade" ou "fradépio" caminha por esta seara. Alude à forma de um monge, a silhueta de um religioso capuchinho, de cabeça raspada (tonsura), arredondada, corpulento, rotundo. Esta visão depreciativa e decerto gaiata foi fácil de aproximar ao corpo, prepúcio e glande do pênis, facilmente se fixando como denominação. Naturalmente que os artífices também adaptaram a técnica, disfarçando as formas esculpidas na rocha com corte em faceta e mudanças na ponta, ora afilada ora seccionada.  

De Portugal o tivemos e se estabeleceu em alguns lugares de norte a sul, possivelmente com a concepção inicial de grande amuleto público, propiciador de positividade para os moradores. 

Frades em Emboabas, distrito de São João del-Rei 
(no largo gramado e no canto do adro da igreja do padroeiro, São Francisco de Assis). 28/01/2018. 

As mudanças sociais e novas concepções religiosas alteraram esta visão e deram-lhe novas funções. Em São João del-Rei, por exemplo, há documentos que comprovam o uso dos frades na segunda metade oitocentista para dar suporte a torneiras de abastecimento público de água, que era captada num tanque no Bairro Senhor dos Montes e canalizada ao Centro Histórico. Dos frades remanescentes há pelo menos um que, embora em parte fragmentado, ainda conserva nitidamente um pedaço de cano metálico incrustado em sua base, denunciando o antigo suporte de torneira pública no Largo da Cruz. Neste contexto os frades eram parte do mobiliário urbano e enquanto benfeitorias eram parte das obras públicas movidas pela Câmara Municipal. 

No final do século XIX a distribuição coletiva de água conseguiu atingir diretamente as residências e os frades com torneiras se tornaram obsoletos. Não tardou sua remoção, muitos desaparecendo. Outros teimosamente resistiram, adaptados a outra função: proteção de cantos de ruas e mesmo seu fechamento, impedindo a passagem de veículos ou protegendo imóveis do abalroamento. 

Assim chegaram aos nossos dias, quase invisíveis aos olhos da maioria no cotidiano urbano. Ainda são uma boa alternativa ao fechamento de vias, sobretudo nos Centros Históricos, por dialogar com o velho casario colonial mineiro. 

Para concluir seguem fotografias de frades antigos de São João del-Rei, alguns mais elaborados indicando trabalho de cantaria, outros tocos ou até mesmo fragmentados. 

   
Pequeno frade no canto de imóvel à saída do beco que liga o
Fervedouro à Gameleira, no Bairro Tijuco.18/06/2017. 
Frade tosco junto à Igreja do Senhor Bom Jesus do Monte.
 13/02/2018.  

Frade facetado à entrada da Rua José Pedro Azevedo.
Bairro Senhor dos Montes. 13/02/2018.
Frade situado na esquina das Ruas João da Mata e Escrivão Farnese Silva,
Bairro Bonfim. 23/02/2018. 

Frade situado na esquina da Rua João da Mata e Praça Guilherme Milward,
Bairro Bonfim. 23/02/2018. 

Frade situado na esquina das Ruas Dr. José Bastos e Dr. Mourão Filho,
Bairro Bonfim. 23/02/2018. 


Frade fragmentado na entrada do Beco do Bispo.
27/02/2018. 

Frade oitavado no Beco do Cotovelo.
27/02/2018. 

Frade quebrado no Largo da Cruz com sinais de antiga torneira.
27/02/2018. 

Frade oitavado na entrada da Rua da Cachaça.
27/02/2018. 

Frade semelhante a marco de sesmaria na esquina das ruas Bernardo Guimarães e
João Hallak, em Matosinhos. 27/02/2018. 

Frade de forma incomum (aproveitamento de pedra que já teve outra função)
guarnecido por pedaço de trilho,na Rua João Hallak, Matosinhos. 27/02/2018. 

Antigo frade fragmentado, na Rua Maria Teresa, junto à
"Casa mais Antiga". 27/02/2018. 

Frade de forma incomum, cravado no passeio terminal da Rua Santo Antônio,
Bairro Tijuco. 27/02/2018.
 

Antigo frade de fechamento do Beco do Salto, no
Centro Histórico. Forma arcaica (peniana). 27/02/2018. 

Frade robusto fechando a Rua do Carmo, em seu acesso ao largo.
27/02/2018. 
Último frade de madeira remanescente, na esquina das ruas Santo Antônio e
Ferroviário Miguel Ferreira, Bairro Tijuco. 27/02/2018.
Notas e Créditos

* O termo pirulito é popularmente também aplicado como sinônimo de obelisco. Em sentido popular chulo é uma referência ao pênis.
** Texto e fotografias: Ulisses Passarelli

2 comentários:

  1. Que maravilha. Belo registro de um elemento urbanístico de nossa cidades antigas. Parabéns!!!

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  2. Excelente meu caro amigo Ulisses, como sempre em seus textos bem explicados, obrigado

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