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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Boi de Caiado: o Bloco do Boi em Coronel Xavier Chaves

(Oferecido muito respeitosamente ao grande Mestre Zé Carreiro, 
ícone e baluarte da cultura xavierense)




Em todo o Campo das Vertentes o carnaval põe nas ruas o povo do lugar e os turistas, na agitação das baterias, batucadas, blocos e escolas de samba. A maioria segue a um padrão, guardadas as devidas proporções da dimensão de cada agremiação e de suas próprias peculiaridades. Mas alguns... verdadeiramente se destacam pelo desenvolvimento singular.  

Entre estes está o boi de caiado, um boi de carnaval ou bloco do boi, variante simples do bumba-meu-boi, que sobrevive na cidade de Coronel Xavier Chaves, com típicas características folclóricas. Atualmente seu organizador é o Mestre Zé Carreiro (*), alcunha do sr. José do Rosário Anacleto, natural daquela cidade, 82 anos. Mestre no sentido exato que a palavra comporta no campo da cultura popular. Alma límpida e bondosa, memória notável, caráter ilibado. É capitão do congado local, responsável pela folia de Reis, canta calangos e se orgulha da longa experiência com carros de bois, que justamente lhe valeu a respeitosa alcunha. Informou ter aprendido o boi no povoado da Cachoeira, no mesmo município, ainda criança, aos oito anos de idade, quando sua mãe o levava na época do frio para acompanhar as festas juninas. Lá o boi de caiado dançava para alegria da petizada. 

Passados os anos formou-se o grupo da cidade, com períodos mais e menos ativos e sob direção de outras pessoas até que o assumiu. Dele participam na instrumentação sobretudo seus companheiros de folia e congado, e outros amigos, que se desdobram em mais esta função. A bateria é formada por tarol, bumbo, surdos e caixas. A percussão forte e bem compassada, vai em batucada pelas ruas e cantam sambas e marchinhas típicas do carnaval, sem canto específico.

Saem do bairro Vila Fátima, antigo Tanque. O nome primitivo se referia a um tanque ou dique (mundéu) que retinha a água usada para mover a roda d'água do engenho de cachaça e para serviços de faiscagem de ouro. Tradicionalmente é uma comunidade com características de quilombo urbano, que conserva intensamente uma parcela importantíssima e fundamental da cultura xavierense e que merece toda atenção. 

Os instrumentistas formam o âmago do bloco, após os quais seguem foliões, enfeitados ou não, que aderem à batucada rua afora. Os bois em si tem posição totalmente livre, com movimentação ampla pelas laterais, ora na dianteira correndo atrás das crianças ora de recuo vão à retaguarda como se numa ronda. Fazem mesuras para os adultos, salamaleques graciosos e despertam a empatia das pessoas. A alegoria de boi é movida por um animado brincante, que põe em polvorosa a criançada, que corre espavorida das investidas do bicho. O boi é bravo e sonso. Finge de manso e quando as crianças se aproximam confiantes, avança, mas logo recua. Faz volteios, corrupios. Não é agressivo. Correr atrás faz parte da brincadeira e em verdade é sua maior graça. Já por isto, dentro dessa regra, as próprias crianças provocam bastante o boi, estimulando-o à perseguição. Não há violência alguma. Tudo transcorre de forma espontânea, eivada de alegria e harmonia. 

O boi em si é simples, no estilo de feitura do chamado "boi mole" (sem arcabouço), cabeça natural (caveira do animal), presa a um pau de suporte. Cobertura por tecido estampado, tipo chita, relativamente curto, o que deixa visível as pernas do brincante que se mete debaixo da alegoria. O boi dança e corre em postura verticalizada. 

O bloco vai se encorpando pelo caminho rumo à área central da cidade. Mais gente vai aderindo ao seu balanceio contagiante. Seu ritmo não deixa ninguém parado...

Quanto ao nome, explicou Zé Carreiro que desde sua infância o nome já era este, boi de caiado, como se dizia na Cachoeira. Não soube explicar a origem. Apenas disse que é tradicional e foi mantido (*). 

No geral o boi de caiado se assemelha a outros bois de carnaval que ocorrem no sudeste brasileiro, independente de seu nome específico. Mas guarda em si o atrativo individual do seu modo de ser. Ele se aclimata às velhas ruas da antiga cidade mineira; ele se contextualiza à vivência comunitária. O boi de caiado é um patrimônio imaterial de Coronel Xavier Chaves e merece todo o prestígio. 

1- Boi de caiado: manifestação tradicional da cultura popular xavierense. 

2- Mestre Zé Carreiro no interior do salão comunitário explica sobre o boi. 

3- Aspecto do Salão Comunitário da Vila Fátima, de onde sai o boi. 

4- Gruta de Nossa Senhora de Fátima, ao lado do salão. 

5- Boi do outro grupo do lugar, também guardado no salão. 
6- Bloco do boi na rua, numa ladeira da Vila Fátima. 
7- "Boi Marchetado" (esquerda) e "Boi Marchante" (direita): os dois bois do bloco.  
  
8- Passagem do bloco do boi pelas ruas da Vila Fátima chama à atenção os moradores. 
9- O boi desperta empatia, carisma e alegria. 
10- Mestre Zé Carreiro puxa na dianteira junto aos amigos instrumentistas. 
11- Bloco em marcha. 

12- A criançada fica em polvorosa com a passagem do boi de caiado.
 
13- Outro aspecto da brincadeira de correr atrás das crianças.
 
14- O casario faz plano de fundo compondo a paisagem cultural. 

15- Os bois avançam e deixam a bateria para trás... 

16- Marcha da Vila Fátima ao Centro. 

17- A crianças provocam o boi, incitam alegremente as correrias.
 
18- As crianças não permitem descanso do boi!

19- O bloco animado transcorre em paz e harmonia. Cidade limpa e de jardins bem cuidados. 
  
20- Igreja do Rosário: cartão postal do município. Patrimônio rico e bem cuidado. 

Vídeo
Boi de Caiado, 13 de fevereiro de 2018

Notas e Créditos

* Obs.:
1- Após a publicação deste texto, uma gentil e pertinente observação do Dr. Marcos Paulo de Souza Miranda, levantou a hipótese plausível do nome "caiado" ser corruptela de "gaiado": chifrudo, o que tem gaias (galhas) grandes. Numa segunda interpretação lembrou da designação aplicada ao tipo de pelagem de animal fazendo redemoinhos dos pelos do peito ou pescoço; cavalo-gaiado: o que tem torvelinhos nos pelos. Ambas interpretações são possíveis. Fica explicitada esta observação e com ela nossa gratidão. 
2- agradecimentos especiais ao Mestre Zé Carreiro, pelo gentil acolhimento e pelas informações prestadas.
3- Leia também neste blog a respeito de outro bumba-meu-boi da região:
BOI-MOFADO: pérola do carnaval de Prados  

** Texto e acervo: Ulisses Passarelli.
*** Fotografias: 3, 4, 5, 8, 12, 16 - Ulisses Passarelli; demais fotografias - Iago C.S. Passarelli.
**** Vídeo: Iago C.S. Passarelli.
***** Revisado e ampliado em 31/03/2024.

3 comentários:

  1. Que maravilha! Foi muito emocionante seguir e reviver as lembraças de infantes. Parabens pela postagem !

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    1. Com gratidão pelas palavras lhe dou boas vindas ao blog. Continue acompanhando as postagens.

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  2. Belos registros. O Patrimônio Imaterial das Vertentes é um espetáculo. Muito obrigado.

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