No universo das brincadeiras infantis sobressai pelo inusitado um pequeno conjunto de fórmulas cantadas, que permitem com muita naturalidade a interação lúdica entre adultos e crianças. São cantilenas revestidas de ingenuidade, pueris, que por sua singeleza conectam o adulto ao mundo infantil, transportando-o ao seu imaginário. Elas facilitam (climatizam...) as brincadeiras com crianças menores e disso também os adultos se aproveitam, relembrando a infância perdida nas curvas do caminho da vida.
Não se restringem apenas ao canto alegre e desinteressado. A criança é tocada com gestos simples reproduzindo algo que a letra sugere. Para brincar com crianças bem pequenas, bebês ainda, é corriqueiro por exemplo:
"Bate palminha, BIS
que papai em vem!"
A mãe diante da pequenino, toma delicadamente suas mãozinhas e junto bate palmas no tempo da música, repetindo-se algumas vezes. Outra fórmula:
"Bate, palminha, bate!
Palminha de São Tomé!
Pra quando papai vier..."
Outra brincadeira muito conhecida é com o neném ou criança pequena no colo, frente a frente, tomando-lhes as mãos. Gera movimentos alternados, à direita e à esquerda, ritmadamente, no tempo musical:
"Serra, serra,
serrador!
Quantas tábuas
já serrou?
Já serrei
cinquenta e duas
com aquela
que quebrou!"
O movimento imita a dinâmica de vai-e-vem de uma serra. Ao pronunciar "quebrou" as duas mãos são liberadas para trás, simulando uma queda, que de fato não acontece, pois a criança continua amparada.
A simulação da queda ou a queda de fato em cima de um colchonete, cama ou sofá acontece noutra brincadeira. Esta geralmente é feita com duas pessoas adultas, que frente se dão as mãos e as abaixam para que a criança sente sobre elas, como se os braços dos adultos fossem uma cadeira. Ao começar o canto imprimem um movimento ritmado de balanceio e ao pronunciar "chão" lançam a criança sobre o local fofo onde não se machucará:
"Cadeirinha de fom-fom,
vai jogar neném ... no ... chão!"
Uma das mais populares é a "Dona Aranha". O brinquedo consiste em o adulto com uma das mãos semi-abertas, através de movimentos dos dedos, imitar o andamento de uma aranha, como se estivesse subindo no corpo da criança. É comum que ela leve tão a sério na imaginação que demonstre medo ou repulsa, mas sempre gosta da brincadeira. Quando diz "subiu" a mão sobe; quando canta "derrubou", a mão cai; na parte que diz "sobe, sobe..." a mão (aranha) volta a subir até chegar ao pescoço ou axilas onde se transforma em cócegas, para o deleite da criança:
"Dona aranha
subiu pela parede,
veio a chuva forte
e a derrubou...
Já passou a chuva
e o sol já vem surgindo
e a dona aranha
novamente vai subindo. (*)
Ela é teimosa
e desobediente,
sobe, sobe, sobe
e nunca está contente."
Existem muitas maneiras ou fórmulas de interatividade lúdica entre crianças e adultos. Certamente que as que incluem cantos e gestos, senão mesmo danças em alguns casos, se revestem de um atrativo a mais pelo elemento cultural da música, mesmo que aparentemente simples. E a música sintoniza, estimula, desenvolve.
Notas e Créditos
* A segunda quadra tem esta variação corrente na região:
"A chuva já passou
e o sol já vem saindo,
de novo dona aranha
a parede vai subindo."
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Coletânea realizada em São João del-Rei e Santa Cruz de Minas em 2002 e 2003. São difundidas em outros municípios da região e permanecem em uso.
Lindos poemas!
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