Catupé, catupê, catopé, catopê, cato-pé, quatrupé. Sob estas variações de grafia é conhecido um tipo de congado atualmente realizado em Minas Gerais e Goiás, o qual não dispõe de entrecho dramático, como bem observou CASCUDO (s.d.): "Préstito dançante, de negros, em Minas Gerais (...), modalidade de congos, mas praticamente sem enredo". Em terras mineiras distribui-se desde o norte do estado, centro-norte, centro, centro-oeste, oeste até o centro-sul (Vertentes).
A mais antiga referência conhecida data do século XVIII, do Rio de Janeiro, quando, segundo Guilherme de Melo (*) "durante as festas pelo casamento da Princesa Real D.Maria com seu tio D.Pedro, realizadas em junho de 1760, apresentou-se a dança de Catupé."
De sua notícia no Rio de Janeiro nunca mais se soube. Praticamente nada se conhece sobre a história dessa guarda. Além da citação setecentista acima referida, nenhuma outra é difundida, tão pouco do século XIX, pelo que não se tem ideia como esse congado se desenvolveu ao longo dos anos.
A citação mais antiga a seguir é a de DORNAS FILHO (1938): "No Serro e Conceição, o "reisado" tinha a peculiaridade de ser acompanhado pelos "catopês", nome que dão a uma dansa de belos lances coreograficos", e os descreve em sequência (pp.109 e 110).
E mesmo no século XX, com toda a vasta produção literária sobre os folguedos e festas populares, muito pouco se escreveu sobre os catupés. Chega ser intrigante como possa ter passado praticamente despercebido dos estudiosos em geral ou, em outra consideração, talvez não tenha despertado maior interesse, quiçá confundido com os congos, que sempre concentraram mais as atenções.
MARTINS (1988) esclareceu: "a função do catopê na Irmandade é alegrar o ambiente, oferecer boa música e divertir o povo com loas e cantos irônicos ou chistosos."
O significado do nome permanece incógnito.
Como acontece com outros congados, o estilo dos catupés varia de uma região para outra. Assim, os grupos setentrionais são completamente diferentes daqueles do oeste e centro-oeste do estado, por exemplo.
Conforme a região guardam similitude com os congos, por vezes bem acentuada, como vemos por exemplo na Mesorregião Oeste de Minas. Noutras áreas porém se distingue muito, e, à guisa das guardas de caboclos, os catupezeiros vestem-se emplumados, com vistosos cocares, como acontece na região do Serro, Montes Claros, Bocaiúva.
É tradicionalíssimo o grupo de Pinhões (Santa Luzia), o qual mereceu um estudo muito significativo por SOUZA (2004), contextualizada na vida sócio-econômica do lugar, zona metropolitana da capital mineira.
Uma das modalidades bastante difundidas no oeste mineiro e em Goiás é o catupé-cacunda, ou apenas cacunda; uma variante coreográfica na qual os dançantes fazem movimentos das duas fileiras ao centro à altura dos ombros, quase se tocando nas espáduas. Como se sabe, no dizer popular, "cacunda" quer dizer ombro. É um africanismo. O cacunda não é bem conhecido nas Vertentes. Soubemos de um único grupo, que no passado existiu na cidade de Resende Costa, cujo capitão era conhecido por "Geraldo Macio" (**)
Nos Campos das Vertentes o catupé é o mais frequente dos congados, abundante desde Lavras até Resende Costa, passando por vários municípios (Nazareno, Conceição da Barra de Minas, São João del-Rei, Santa Cruz de Minas, Ritápolis, Prados, São Tiago, Coronel Xavier Chaves).
Nesses lugares, muitas vezes a vivência com outras modalidades de ternos se construiu de forma tal que assimilou elementos, mesclando estilos num processo de intercâmbio contínuo. Talvez esta maneira flexível de existir se responsabilize pelo fato de em alguns lugares não o chamarem "catupés", mas tão somente "congados", em sua extensão mais genérica.
Até a primeira metade dos anos noventa, os catupés regionais por força de velho padrão, vestiam-se de forma simplificada, de calça e camisa, no geral na cor branca ou de colorido mais chamativo, mas praticamente sem atavios; chapéu de palha à cabeça, com enfeites florais, fitas, papel picotado colado em tiras, como aparece por exemplos nas fotografias de número 8 e 16. Na Restinga (Ritápolis), o grupo usada chapéus de palha com flores pintadas em elementos de arte popular. Não tardou contudo e em verdade já havia concomitantemente ao modelo tradicional e típico, a existência do boné, cada vez mais difundido entre os grupos, ou ainda, quépis (à moda dos marujos), boinas, casquetes, chapéus à moda country e ainda outros tipos de chapéus. As camisas acabam cedendo espaço para as camisetas com estampas em silk-screen.
O ritmo dos catupés regionais por outro lado é bastante padronizado. Cada qual com sua peculiaridade, conquanto no geral guardem uma considerável unidade.
O instrumental é variado mas centra-se em caixas (em geral há duas de guia, ou seja, encabeçando cada uma das filas de dançantes, entremeando-se outras no meio do grupo), sanfonas, pandeiros, reco-recos de bambu (
ganzás). Em complemento surgem outros instrumentos: xique-xique, cuíca, cordofones. O capitão via de regra traz o tamborim. Outras vezes o dispensa por um bastão ou bengala.
Na dianteira a indispensável bandeira traz a unidade de cada terno, nas mãos do(a) bandeireiro (a).
Nossos catupés também trazem seus reis, rainhas, príncipes e princesas e existem muitos cantos específicos para escolta do reinado:
"Ô Senhora de Nazaré! BIS
Eu levo a rainha, se Deus quiser..."
"Que suspiro triste,
quer a rainha deu...
torna a suspirar,
pelo amor de Deus!"
(Capitão Luís Santana, São João del-Rei, Bairro São Dimas)
"Eu cheguei lá na beira do rio,
para ver os peixinhos nadar,
avistei a coroa do rei,
ela estava do lado de lá!"
(Capitão Geraldo Venâncio, Ribeirão de Santo Antônio, Resende Costa)
As guardas tem um forte elemento devocional com respeito a Nossa Senhora do Rosário, a São Benedito e a Santa Efigênia, dentre outros santos em posição mais eventual.
Ao que parece, a versatilidade dos catupés em relação a outros congados de estrutura mais rígida pode ter contribuído regionalmente a que se mantivessem ano a ano. A facilidade de seu ritmo, a fluidez, a leveza de muitos cantos seria talvez um fator facilitador para principiantes, que acabam por fazer escola no grupo e perseveram. Assim, nas Vertentes, enquanto os catupés dominaram numericamente o contexto do rosário, os congos típicos por exemplo, de estrutura musical mais intrincada tornaram-se rarefeitos, mantidos apenas em algumas comunidades mais preservadas.
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1- Tocador de cuíca no Congado N.S. do Rosário, Resende Costa/MG. Participação na Festa do Rosário da Restinga (Ritápolis/MG), setembro/1996. |
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2- "Catupé de São Benedito", Santana do Jacaré/MG. Participação na Festa do Rosário de Passa Tempo/MG, 18/10/2015. |
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3- Congado 'N.S. do Rosário', Restinga (Ritápolis/MG). Participação na Festa do Rosário no Ramos (Ritápolis/MG), 24/09/2000. |
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4- "Congado Nossa Senhora do Rosário", Içara (São Tiago/MG). Participação na Festa do Rosário em São Gonçalo do Amarante, 08/10/2000. |
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5- "Catupé São Benedito e Nossa Senhora do Rosário",
São Sebastião da Estrela (Santo Antônio do Amparo/MG). Participação na Festa do Rosário de Ibituruna/MG, 30/06/2013. |
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6- "Congado Nossa Senhora do Rosário", Santa Cruz de Minas/MG. Participação no 2º Encontro de Congados de Tiradentes/MG, 26/07/2015. |
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7- "Catupé Nossa Senhora Aparecida", Piracema/MG. Participação na Festa do Rosário de Passa Tempo/MG, 18/10/2015.
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8- Congado de Ribeirão de Santo Antônio (Resende Costa/MG). Participação na Festa do Rosário na Restinga (Ritápolis/MG), setembro / 1998. |
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13- Congado N.S. do Rosário e Divino Espírito Santo, Ritápolis/MG. Participação na Festa do Divino em São João del-Rei/MG, 2006.
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14- Congado Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Ritápolis/MG. Participação na Festa do Divino em São João del-Rei, 24/05/2015. |
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15- Congado N.S. do Rosário, Prados/MG.
Participação na Festa do Divino em São João del-Rei/MG, 2006.
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16- Congado do Capitão Zé Carreiro, Coronel Xavier Chaves/MG. Participação na Festa do Rosário do Bairro São Geraldo, São João del-Rei/MG, 1997. |
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17- "Congada N.S. do Rosário", Conceição da Barra /MG.
Participação no 2º Encontro de Congados de Tiradentes/MG, 26/07/2015.
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18- "Congada Azul e Branca de Nossa Senhora Aparecida",
São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei/MG). Participação na Festa do Rosário em sua própria comunidade, 11/10/2015. |
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19- Congado da Capitã Maria Auxiliadora, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG.
Participação na Festa do Divino em São João del-Rei, 08/06/2014. |
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20- Congado do Capitão Moacir Santana, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG. Participação na Festa do Divino em São João del-Rei, 24/05/2015. |
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21- "Congado São Benedito e São Sebastião", São João del-Rei/MG.
Participação no 2º Encontro de Congados de Tiradentes/MG, 26/07/2015. |
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22- Catupé, Lavras/MG. Participação na Festa do Divino em São João del-Rei, 2006.
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23- Congado, Perdões.
Participação na Festa do Rosário de Ibituruna/MG, 30/06/2013. |
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24- Catupé, Itaguara/MG. Participação na Festa do Rosário em Passa Tempo/MG, outubro/2001. |
Referências Bibliográficas
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. 930p.
DORNAS FILHO, João. A Influência Social do Negro Brasileiro. In: Revista do Arquivo Municipal. São Paulo: Departamento de Cultura, out./1938. Ano 5, v.51, p.97-134.
MARTINS, Saul. Congado: família de sete irmãos. Belo Horizonte: SESC, 1988.
SOUZA, José Moreira de. Pinhões: mito e folclorização. Revista da Comissão Mineira de Folclore, Belo Horizonte, dez.2004. 161p. p. 85-109.
Notas e Créditos
* MELO, Guilherme de. A Música no Brasil, 53, Rio de Janeiro, 1947 (apud CASCUDO [s.d]).
** Informante: Sr. Luís Santana, 1995. Foi posteriormente confirmado pelo Capitão "Vino" (Valdivino Martiniano Nascimento), em Resende Costa, a 27/09/1998. Na ocasião, o Sr.Vino relacionou os congados que chegou a conhecer naquele município mineiro, além do citado cacunda: um congo, funcionando na zona urbana sob o comando de "João Jacaré" e nada menos que treze guardas de catupé, que foi nomeando de memória pelo nome popular ou alcunha dos capitães: Izidoro (no Bairro Santo Antônio), Zé Tomaz (na Rua Nova), Geraldo Chica, Antônio Jacaré (Ferreira), Mário da Vininha, Dico da Lena, Zé Macedo, Euclides Maromba, o do próprio Vino (fundado em 1958 sob a bandeira do Rosário), Argilino (no distrito de Ribeirão de Santo Antônio), João Domingos (distrito de Ribeirão dos Pintos), Anésio/Milton (no povoado do Cajuru), Vicente Martiniano/Geraldo Venâncio (Ribeirão de Santo Antônio). Por esta listagem se avalia a popularidade deste terno em Resende Costa, ainda que à época da entrevista só estivessem ativos o grupo do Capitão Vino e o de Geraldo Venâncio, mas posteriormente à data da entrevista, na década seguinte, surgiram naquela cidade novos congados deste tipo: o "São Benedito", o "Nossa Senhora Aparecida" e o "São Cosme e Damião".
*** Texto e acervo: Ulisses Passarelli
**** Fotografias: 1-5, 7-11, 13, 15, 16, 22-24; Ulisses Passarelli;6, 12, 14, 17-21: Iago C.S. Passarelli
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