Era uma vez um homem
rico e já velho que tinha três filhos, por nome Antônio, Pedro e Joãozinho.
Resolveu repartir a herança ainda em vida para atender ao pedido de Pedro.
Arrumou a papelada, vendeu os terrenos e apurou o dinheiro. Nisto, os filhos já
conversavam entre si sobre viagens, pensando em correr o mundo.
O pai os chamou à beira
da cama e perguntou a cada um se queria muito dinheiro e pouca bênção ou muita
bênção e pouco dinheiro. Joãozinho respondeu: _eu quero dinheiro também, mas eu quero mais é benção.
Aí perguntou ao Pedro
que respondeu: _ benção eu quero muito
pouco, eu quero mais é cobre.
Antônio ficou
equilibrado, no meio a meio: _ o senhor
me dá dinheiro e um bocado de benção.
Seguiram os três, mundo
afora. Num certo ponto da trilha depararam com uma encruzilhada, que dividia em
três caminhos. Ali se despediram, combinando parceria de ajuda em qualquer
questão e em todo tempo, bastando chamar. Cada um tomou um rumo diferente.
Joãozinho carregava um
cavaquinho encantado. Seu som irresistível punha todos a dançar. Chegou num
alto de morro, já bem distante, resolveu afinar o instrumento musical.
Experimentou, começou a tocar animadamente e seu som ecoava muito longe. Tinham
umas lavadeiras numa bica d’água. Largaram de lavar roupa e começaram a dançar.
Em redor da cidade as mulheres dançavam; até no palácio, a filha do rei rodava
no salão, empolgada a dançar. Sua majestade dançou com a rainha. E o cavaquinho
mágico lá, naquela distância, do topo de um morro tinindo as cordas ...
Então o Joãozinho
entrou na cidade com seu cavaquinho. Muito bem vestido, a princesa logo gostou
dele. Rapaz simpático, alegre, tocador. Ela quis casar com ele. O pai fez gosto,
mas impôs três condições, que se cumprisse permitia o casamento, caso contrário,
mandaria degolar Joãozinho.
O rei falou ao
pretendente: _ Vou te dar uma empreitada:
hoje, às seis horas da tarde eu vou ajeitar tudo. É um negócio para você
separar...
Chamou um jagunço e
pediu para trazer muita areia e nela mandou misturar bem uma porção de ouro
fino e entregou para o Joãozinho escolher. Tinha de separar tudo, grão por grão
de ouro. A tarefa parecia impossível, mas o rapaz tinha seu recurso: toda vez
que ia comer alguma coisa, sempre que via uma formiguinha punha um tanto de
comida para ela. E sempre dizia para toda formiga que ele tratava: _ óh, formiga, o dia que eu precisar de
você, vê se me vale, viu?
Daí ele se lembrou das formigas e depois que o
rei deitou que bateu aquele silêncio, era nove horas, ele entrou em serviço. Joãozinho
resolveu chamar as formigas como de costume e conversou com elas: _ ôh, rei das formigas, pelo amor de Deus,
ajuda escolher esse ouro aqui da areia! E as formiguinhas começaram rápido.
Carrega daqui, carrega dali; quando clareou, estava tudo separado em dois
monturos.
O rei veio olhar o
serviço, admirou: _é ... vai dar
casamento com a minha filha. Mas agora tem outro serviço. Tem uma mata ali e
dentro uma pedreira e atrás dela tem uma cidade. Do meu palácio eu não avisto a
cidade por causa das árvores. Para casar com a minha filha você tem de
descobrir aquela cidade para mim. Quando eu levantar nove horas do dia eu quero
avistar aquela cidade tudo lá...
Joãozinho ficou pensativo:
“Nossa Senhora, sô...”, aí lembrou dos
irmãos. Tinham tratado de um ajudar o outro. Chamou Pedro e Antônio e eles
vieram montados nos seus cavalos encantados, que se chamavam arranca-toco e ventania. Explicou o serviço para os irmãos e ficou combinado
assim: o cavalo arranca-toco dava cabeçada nas árvores, derrubando-as e o
ventania soprava, soprava... e as pedras rolavam. Um irmão falou para o outro: _ calma, gente, devagar! Senão agente acaba
muito cedo...
O rei levantou cedo e a
cidade estava lá... : _ Nossa Senhora! O
homem casa com a minha filha mesmo... Não tem jeito não.
Mas tinha um casal de feiticeiros
e o rei tratou com eles de dar um jeito no Joãozinho. Eles pensaram e então
resolveram encarangar ele. Fizeram uma magia porque era noite de São João.
Foram na fogueira do santo e lá o feiticeiro abanou o chapéu, abaixando a aba.
Naquilo, branqueou tudo em volta da fogueira e caiu uma chuva de gelo que
cercou o Joãozinho. Ele endureceu de friagem. Chegou um irmão dele, ficou com
pena e foi derretendo o gelo até soltá-lo.
Amanheceu. Quando o rei
viu o rapaz solto do gelo, viu que não tinha jeito de ficar livre dele e teve
de empenhar a palavra. O casamento foi no mesmo dia e teve uma grande festa, onde
mataram boi e porco, e teve carne para todos os convidados, bastante pão, vinho
e cachaça.
*Texto: Ulisses Passarelli
** Informante: Júlio Prudente de Oliveira, Santa Rita do Ibitipoca, 1996
*** Obs.: conto de encantamento, bastante genuíno na apresentação popular do desenrolar da estória, que registra os fatos principais do enredo sem se preocupar com os detalhes. Por exemplo: não diz como Joãozinho chamou os irmãos, apenas que eles atenderam seu chamado e a tarefa foi cumprida. No final o irmão que pediu muita bênção casa-se com a princesa e vive na fartura, reflexo da bênção pedida, também visível ao longo da narrativa, pois em todas as dificuldades recebeu ajuda. Numa variante fragmentada, originária de Antônio Carlos, município vizinho, por informação de Cida Salles (2014), a essência é a mesma mas o desenrolar varia: não aparece o nome dos irmãos, apenas se diz que o mais novo é que pediu mais bênção que dinheiro; ao longo dos três caminhos, sentindo fome, os irmãos depararam com um campo de melancias maduras, que eram mágicas e gritavam: "_ me pega! Me pega! Me pega!" O ganancioso (mais velho), pegou a maior e foi atacado por um enxame furioso de abelhas que o pôs em debandada; o do meio pegou a média, mas só o mais jovem conseguiu comer, por ter pego a menor.
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