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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Os três irmãos

Era uma vez um homem rico e já velho que tinha três filhos, por nome Antônio, Pedro e Joãozinho. Resolveu repartir a herança ainda em vida para atender ao pedido de Pedro. Arrumou a papelada, vendeu os terrenos e apurou o dinheiro. Nisto, os filhos já conversavam entre si sobre viagens, pensando em correr o mundo.
O pai os chamou à beira da cama e perguntou a cada um se queria muito dinheiro e pouca bênção ou muita bênção e pouco dinheiro. Joãozinho respondeu: _eu quero dinheiro também, mas eu quero mais é benção.

Aí perguntou ao Pedro que respondeu: _ benção eu quero muito pouco, eu quero mais é cobre.

Antônio ficou equilibrado, no meio a meio: _ o senhor me dá dinheiro e um bocado de benção.

Seguiram os três, mundo afora. Num certo ponto da trilha depararam com uma encruzilhada, que dividia em três caminhos. Ali se despediram, combinando parceria de ajuda em qualquer questão e em todo tempo, bastando chamar. Cada um tomou um rumo diferente.

Joãozinho carregava um cavaquinho encantado. Seu som irresistível punha todos a dançar. Chegou num alto de morro, já bem distante, resolveu afinar o instrumento musical. Experimentou, começou a tocar animadamente e seu som ecoava muito longe. Tinham umas lavadeiras numa bica d’água. Largaram de lavar roupa e começaram a dançar. Em redor da cidade as mulheres dançavam; até no palácio, a filha do rei rodava no salão, empolgada a dançar. Sua majestade dançou com a rainha. E o cavaquinho mágico lá, naquela distância, do topo de um morro tinindo as cordas ...

Então o Joãozinho entrou na cidade com seu cavaquinho. Muito bem vestido, a princesa logo gostou dele. Rapaz simpático, alegre, tocador. Ela quis casar com ele. O pai fez gosto, mas impôs três condições, que se cumprisse permitia o casamento, caso contrário, mandaria degolar Joãozinho.

O rei falou ao pretendente: _ Vou te dar uma empreitada: hoje, às seis horas da tarde eu vou ajeitar tudo. É um negócio para você separar...

Chamou um jagunço e pediu para trazer muita areia e nela mandou misturar bem uma porção de ouro fino e entregou para o Joãozinho escolher. Tinha de separar tudo, grão por grão de ouro. A tarefa parecia impossível, mas o rapaz tinha seu recurso: toda vez que ia comer alguma coisa, sempre que via uma formiguinha punha um tanto de comida para ela. E sempre dizia para toda formiga que ele tratava: _ óh, formiga, o dia que eu precisar de você, vê se me vale, viu?

 Daí ele se lembrou das formigas e depois que o rei deitou que bateu aquele silêncio, era nove horas, ele entrou em serviço. Joãozinho resolveu chamar as formigas como de costume e conversou com elas: _ ôh, rei das formigas, pelo amor de Deus, ajuda escolher esse ouro aqui da areia! E as formiguinhas começaram rápido. Carrega daqui, carrega dali; quando clareou, estava tudo separado em dois monturos.

O rei veio olhar o serviço, admirou: _é ... vai dar casamento com a minha filha. Mas agora tem outro serviço. Tem uma mata ali e dentro uma pedreira e atrás dela tem uma cidade. Do meu palácio eu não avisto a cidade por causa das árvores. Para casar com a minha filha você tem de descobrir aquela cidade para mim. Quando eu levantar nove horas do dia eu quero avistar aquela cidade tudo lá...

Joãozinho ficou pensativo: “Nossa Senhora, sô...”, aí lembrou dos irmãos. Tinham tratado de um ajudar o outro. Chamou Pedro e Antônio e eles vieram montados nos seus cavalos encantados, que se chamavam arranca-toco e ventania. Explicou o serviço para os irmãos e ficou combinado assim: o cavalo arranca-toco dava cabeçada nas árvores, derrubando-as e o ventania soprava, soprava... e as pedras rolavam. Um irmão falou para o outro: _ calma, gente, devagar! Senão agente acaba muito cedo...

O rei levantou cedo e a cidade estava lá... : _ Nossa Senhora! O homem casa com a minha filha mesmo... Não tem jeito não.

Mas tinha um casal de feiticeiros e o rei tratou com eles de dar um jeito no Joãozinho. Eles pensaram e então resolveram encarangar ele. Fizeram uma magia porque era noite de São João. Foram na fogueira do santo e lá o feiticeiro abanou o chapéu, abaixando a aba. Naquilo, branqueou tudo em volta da fogueira e caiu uma chuva de gelo que cercou o Joãozinho. Ele endureceu de friagem. Chegou um irmão dele, ficou com pena e foi derretendo o gelo até soltá-lo.

Amanheceu. Quando o rei viu o rapaz solto do gelo, viu que não tinha jeito de ficar livre dele e teve de empenhar a palavra. O casamento foi no mesmo dia e teve uma grande festa, onde mataram boi e porco, e teve carne para todos os convidados, bastante pão, vinho e cachaça.  


*Texto: Ulisses Passarelli
** Informante: Júlio Prudente de Oliveira, Santa Rita do Ibitipoca, 1996
*** Obs.: conto de encantamento, bastante genuíno na apresentação popular do desenrolar da estória, que registra os fatos principais do enredo sem se preocupar com os detalhes. Por exemplo: não diz como Joãozinho chamou os irmãos, apenas que eles atenderam seu chamado e a tarefa foi cumprida. No final o irmão que pediu muita bênção casa-se com a princesa e vive na fartura, reflexo da bênção pedida, também visível ao longo da narrativa, pois em todas as dificuldades recebeu ajuda. Numa variante fragmentada, originária de Antônio Carlos, município vizinho, por informação de Cida Salles (2014), a essência é a mesma mas o desenrolar varia: não aparece o nome dos irmãos, apenas se diz que o mais novo é que pediu mais bênção que dinheiro; ao longo dos três caminhos, sentindo fome, os irmãos depararam com um campo de melancias maduras, que eram mágicas e gritavam: "_ me pega! Me pega! Me pega!" O ganancioso (mais velho), pegou a maior e foi atacado por um enxame furioso de abelhas que o pôs em debandada; o do meio pegou a média, mas só o mais jovem conseguiu comer, por ter pego a menor. 

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