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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 14 de dezembro de 2013

Festa de Santa Luzia






        Siracusa, Itália 283 – 304. Luzia, cristã, mártir, santa. Defendendo sua virgindade, foi perseguida ao tempo do Imperador Diocleciano. Santa popularíssima no Brasil é festejada a 13 de dezembro. As comunidade dedicam-lhe trezenas, novenas e tríduos, com muito fervor, além de outras rezas, objetivando, sobretudo, a proteção das “vistas” – da visão, dos olhos. É tida como protetora deste sentido e dos órgãos visuais. Conta-se que Luzia tinha lindíssimos olhos, causa de muito assédio. Para conter seus admiradores arrancou-os, e os ofereceu em uma salva. No dia seguinte, milagrosamente, enxergava com novos olhos.

            Em São João del-Rei / MG, encontram-se algumas tradições acerca desta santa. O povo apela ao seu socorro nas enfermidades ópticas com preces e benzeções. Uma oração:

┼ “Gloriosa Santa Luzia,

Símbolo de castidade,

Remédio precioso das minhas vistas:

Por caridade...

(reza-se uma Ave Maria)

Gloriosa Santa Luzia,

Dai minha vista...

Por caridade!”

 

            Quando um corpo estranho cai na conjuntiva, logo o povo lembra-se da Mártir de Siracusa:

 

┼ “Santa Luzia

passou por aqui,

com seu cavalinho

comendo capim”.

 

Ou :

 

“(...)

Com seu cavalinho

Fazendo assim...”

 

            E quem benze vai com a polpa do dedo polegar descrevendo movimentos circulares sobre o olho fechado da pessoa afetada, fazendo a pálpebra deslizar sobre o globo ocular. Repete-se três vezes. É solução conhecida em São João del-Rei. 

            Também desta cidade:

┼ “Corre, corre cavaleiro,

Vá na rua de São Pedro,

Vá buscar Santa Luzia

Para tirar o cisco de meus olhos.”

 

            E o benzedor pergunta: “_ Cadê?”, e o devoto responde: “_ Foi embora!”, e sopra-lhe os olhos. O processo se repete três vezes e deve se completar com um Pai-Nosso e uma Ave Maria. É fórmula muito divulgada.

            Respeitamos as cruzinhas antes do primeiro verso, como faz o povo quando porventura anota algumas de suas rezas. Pedem que façamos o mesmo quando nos informam orações. Demonstra a benignidade da fórmula devota e que deve ser iniciada com uma persignação (Nome do Pai).

            Na zona rural deste município, no distrito chamado Caburu (atual São Gonçalo do Amarante), cantadores-tocadores reúnem-se com outros da povoação da Boa Vista, distrito do município de Conceição da Barra de Minas, e saem à noite, pela escuridão dos caminhos, com uma Folia de Santa Luzia. É um grupo folclórico formado por uns dez a doze homens, cada qual tocando um instrumento: violões, cavaquinho, pandeiros, caixa e às vezes, triângulo e chocalho. A música é chorosa e os versos são cantados em dísticos por um “tirador” e repetidos em coro pelos demais participantes (“folieiros”). Esta repetição é chamada “resposta”. Termina com um prolongado “ai, aaaaai...!” perdendo-se no ar com o fôlego da garganta. Alguns do coro cantam em falsete, sempre tendo um folieiro cuja voz sobressai pelo tom em falsete, sempre tendo um folieiro cuja voz sobressai pelo tom muito agudo, sobretudo ao término da resposta. Ele é o “requinta”. As rimas entre os dísticos subsequentes são ocasionais. O organizador do grupo é chamado “folião”, ou “mestre-folião”. Imediatamente após o canto, a caixa bate “seco”, ecoando o seu som peculiar dado pelo couro de boi retesado no aro do tambor. Durante o canto ela não bate.

            É um grupo baseado nas outras folias locais, principalmente as de Reis e as de São Sebastião. Levam uma bandeira de pano vermelho, ao centro da qual há uma estampa de Santa Luzia, que é o “registro” da bandeira. Ao seu redor há muitos enfeites, tais como fitas coloridas e flores (naturais e artificiais). É objeto de máximo respeito. Vai sempre à frente do grupo. Chegam de surpresa nas casas que visitam, na calada da noite, e encostam a bandeira na porta. O canto inicia pedindo abertura da casa.

            Os moradores abrem a porta, pegam a bandeira, beijam respeitosamente e levam-na para dentro. Enquanto a folia canta na sala versos alusivos à santa e homenagem aos donos da casa, quem recebeu a bandeira leva-a por todos os cômodos, passando inclusive seu pano santo sobre as camas para abençoar.

            O tirador canta o pedido de esmola para a bandeira. Seu responsável, o “bandeireiro”, recolhe o óbolo e coloca-o em um embornal de pano vermelho, espécie de sacolinha. Cantam então em agradecimento, despedem-se e partem para outra casa.

           

“Vou pedir Santa Luzia, ai,ai!

Para lhe dar muita saúde, ai,ai!”

 

            Não se nega esmola. Daria muito azar. A visita da folia é uma bênção preventiva que afasta todos os males, principalmente doenças dos olhos. A folia sai no mês de dezembro e as esmolas são revertidas à Capela de Santa Luzia, na Boa Vista, para ajudar nas despesas da animada festa. É a padroeira do lugar.

            Santa Luzia também está na quadra popular, como esta, de Santa Cruz de Minas:

“Santo Antônio Pequenino,

Tinha os olhos de véiaco;

Namorou Santa Luzia

Espiando pro buraco...”

 

            “Véiaco” (velhaco) quer dizer espertalhão. Essa intimidade com o santo é muito querida de nosso povo e só vem a provar a grande popularidade de Santa Luzia (e também de Santo Antônio), verdadeiro centro de atenção e devoção, motivando rezas, benzeções e crenças por grande parte do Brasil. [1]

           Em São João del-Rei, na Igreja de São Gonçalo Garcia, acontece a Festa de Santa Luzia, em dezembro. O conjunto de fotografias abaixo, retrata alguns momentos marcantes de seu Dia Maior.


Missa de Santa Luzia. 
                                   
Devotos tocam na imagem e passam os dedos sobre os olhos.

Saída da procissão. Da torre cai papel picotado e pétalas de flores. 

Banda Municipal Santa Cecília toca um dobrado na saída da procissão.

Devota com vela acesa acompanha a procissão.
           
Procissão em marcha pela Avenida Nossa Senhora do Pilar.
 
Da torre sineira ecoa o som do bronze anunciando o festejo a toda a cidade. 
   
Diácono Permanente Ademir Noel,
cuja presença agradou a todos pela eloquência, simpatia e dedicação.



Créditos

- Fotos: Iago C.S. Passarelli, 13/12/2013.
- Texto: Ulisses Passarelli, 14/12/2013.

Notas 

- Para saber mais sobre as tradições populares acerca desta santa consultar a obra: 
COSTA, Gutemberg. Santa Luzia e os Olhos: da religiosidade ao folclore. Mossoró: Boágua, 1997. 124p. 
(por uma especial gentileza do autor, várias informações sobre a devoção a Santa Luzia da Mesorregião Campo das Vertentes foram incluídas no referido livro). 
- Informantes (ano 1995): folia - Lourival Amâncio de Paula (Caburu, São João del-Rei/MG); quadra popular - Elvira Andrade de Salles (Córrego, Santa Cruz de Minas); benzeções, Luís Santana (Bairro São Dimas, São João del-Rei). 
- Revisão e extensão da postagem: 28/07/2025.  

 


[1] - Todo o texto até este ponto foi transcrito e adaptado para esta postagem a partir da seguinte  publicação: PASSARELLI, Ulisses. Santa Luzia passou por aqui... CMFL Notícias. n.20. Belo Horizonte: Comissão Mineira de Folclore, abr.1997. p.7-8.


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