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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Berrante

A palavra berrante se aplica a duas definições bastante distintas: um instrumento musical de uso pastoril e um inseto himenóptero. Em ambos os casos há aspectos folclóricos a abordar. 

1- Instrumento de sopro destinado exclusivamente à função pastorícia do gado vacum, que os boiadeiros e peões tocam para diversas finalidades, com toques específicos, já raros: toque de saída, toque de chegada, de rancho, de estouro de boiada, de reunir boiada, de marcha. 

“Toca o berrante seu moço 
que a boiada qué ‘storá! 
toca o berrante, seu moço 
que nóis precisamo chegá!” 
(Santa Cruz de Minas/MG, 1997). 

É feito de chifre de boi, podendo ser único, ou emendado a outro. A peça recebe um bocal, para sopro e tem uma alça para se pendurar. É trabalho artesanal, geralmente com complemento artístico, tais como entalhes e enfeites simples, trabalhos em couro e pirografia. É uma versão que vem desde a antiguidade, usado em várias nações e povos, como o shofar hebreu, feito de chifre de carneiro e o oliphant, da idade média, feito de presa de elefante (marfim). A buzina feita de grandes conchas marinhas, foi muito usado também, não só na costa, como no interior. 


Tadeu Nascimento de Sousa toca um berrante para anunciar a entrada da Bíblia Sagrada para leitura do evangelho, durante a Missa Inculturada no Jubileu do Divino, Bairro Matosinhos, São João del-Rei/MG. Foto: Sebastião Machado Gomes ("Jacó"), 26/09/2009. Acervo: Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo. Oferta: uma gentileza de Antônio da Silva Serpa.

O berrante ganhou com o desenvolvimento da umbanda um uso diferente, como objeto de firmeza da Linha dos Boiadeiros, evocando-os ao seu toque. É um símbolo que os rememora.

Agregou ainda um valor estético, como simples peça de decoração, objeto artesanal para adornar paredes e tematizar decoração alusiva ao meio rural.

2- Espécie de vespa (Trypoxylon sp.), conhecido em algumas regiões por minguita e marimbondo-pedreiro. O nome de marimbondo-berrante (em Santa Cruz de Minas) lhe foi aplicado por causa do zumbido característico que emite (uma alusão ao toque vibrante e irregular do instrumento), enquanto constrói seu ninho, uma espécie de casinha de barro em forma de túnel ou tubo, aderida a uma superfície plana. O povo aproveita esse ninho, moído, misturado ao "azeite doce" (azeite de oliva), aplicando tal unguento nas cavidades de cárie dos dentes para aliviar dor e ainda em feridas, para cicatrizá-las (Santa Cruz de Minas, 1996). Dizem que quando sua quantidade aumenta dentro de uma casa é porque em breve nascerão crianças naquela família (idem, 2003).

As casinhas (ninhos) do berrante são sinais de fartura na casa e não devem ser removidas, pois podem trazer miséria (Brumado de Cima, São João del-Rei, 2011). Na comunidade rural são-joanense da Colônia José Teodoro e e também no município de Dores de Campos chamam esta vespa pelo nome de cafadário e supõe que se fizer numa residência sete ninho paralelos é sinal inegável de boa sorte para aquela família (jan./2016). No distrito do Caburu (São João del-Rei), atual São Gonçalo do Amarante, chamam-lhe marimbondo-santo. Também há um uso de seu ninho: uma vez removido e macerado, acrescido de água, se faz uma pouco de lama, que aplicada sobre o unheiro (micose das unhas) dos retireiros de leite, que se contaminam nos currais, seria capaz de melhorar ou até curar, segundo crença popular. 

Ninho de marimbondo-berrante.
Brumado de Cima, São João del-Rei/MG, 26/07/2009.

Ninho de marimbondo-berrante. 
Zona Rural de Alfredo Vasconcelos/MG, 18/06/2021. 

Ninho de marimbondo-berrante.
Barro Preto, Bairro Tijuco, São João del-Rei/MG, 17/12/2016.

Créditos

- Texto e fotografias da casa do marimbondo: Ulisses Passarelli.
- Fotografia de berrante na Festa do Divino: Sebastião Machado Gomes ("Jacó").

Notas 

- Informantes: José Cândido de Salles e Elvira Andrade de Salles (Santa Cruz de Minas); Carlos Leandro de Oliveira (Colônia José Teodoro e Dores de Campos); Maria José da Silva Oliveira (Brumado de Cima); Eweraldo Guimarães (Caburu) - aos quais agradecemos a gentileza do apoio para as pesquisas. 

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