A palavra berrante se aplica a duas definições bastante distintas: um instrumento musical de uso pastoril e um inseto himenóptero. Em ambos os casos há aspectos folclóricos a abordar.
1- Instrumento de sopro
destinado exclusivamente à função pastorícia do gado vacum, que os boiadeiros e
peões tocam para diversas finalidades, com toques específicos, já raros: toque
de saída, toque de chegada, de rancho, de estouro de boiada, de reunir boiada,
de marcha.
“Toca o berrante seu moço
que a boiada qué ‘storá!
toca o berrante, seu moço
que nóis precisamo
chegá!”
(Santa Cruz de Minas/MG, 1997).
É feito de chifre de boi,
podendo ser único, ou emendado a outro. A peça recebe um bocal, para sopro e tem uma alça para se pendurar. É trabalho artesanal, geralmente com
complemento artístico, tais como entalhes e enfeites simples, trabalhos em
couro e pirografia. É uma versão que vem desde a antiguidade, usado em várias
nações e povos, como o shofar hebreu, feito de chifre de carneiro e o oliphant,
da idade média, feito de presa de elefante (marfim). A buzina feita de grandes conchas marinhas,
foi muito usado também, não só na costa, como no interior.
Tadeu Nascimento de Sousa toca um berrante para anunciar a entrada da Bíblia Sagrada para leitura do evangelho, durante a Missa Inculturada no Jubileu do Divino, Bairro Matosinhos, São João del-Rei/MG. Foto: Sebastião Machado Gomes ("Jacó"), 26/09/2009. Acervo: Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo. Oferta: uma gentileza de Antônio da Silva Serpa.
O berrante ganhou com o desenvolvimento da umbanda um uso diferente, como objeto de firmeza da Linha dos Boiadeiros, evocando-os ao seu toque. É um símbolo que os rememora.
Agregou ainda um valor estético, como simples peça de decoração, objeto artesanal para adornar paredes e tematizar decoração alusiva ao meio rural.
2- Espécie de vespa (Trypoxylon sp.), conhecido em algumas regiões por minguita e marimbondo-pedreiro. O nome de marimbondo-berrante (em Santa Cruz de Minas) lhe foi aplicado por causa do zumbido característico que emite (uma alusão ao toque vibrante e irregular do instrumento), enquanto constrói seu ninho, uma espécie de casinha de barro em forma de túnel ou
tubo, aderida a uma superfície plana. O povo aproveita esse ninho, moído, misturado ao "azeite doce" (azeite de oliva), aplicando tal unguento nas cavidades de cárie dos dentes para aliviar dor e ainda em feridas, para cicatrizá-las (Santa Cruz de Minas, 1996). Dizem que quando sua quantidade aumenta dentro de uma casa é porque em breve nascerão crianças naquela família (idem, 2003).
As casinhas (ninhos) do berrante são sinais de fartura na casa e não devem ser removidas, pois podem trazer miséria (Brumado de Cima, São João del-Rei, 2011). Na comunidade rural são-joanense da Colônia José Teodoro e e também no município de Dores de Campos chamam esta vespa pelo nome de cafadário e supõe que se fizer numa residência sete ninho paralelos é sinal inegável de boa sorte para aquela família (jan./2016). No distrito do Caburu (São João del-Rei), atual São Gonçalo do Amarante, chamam-lhe marimbondo-santo. Também há um uso de seu ninho: uma vez removido e macerado, acrescido de água, se faz uma pouco de lama, que aplicada sobre o unheiro (micose das unhas) dos retireiros de leite, que se contaminam nos currais, seria capaz de melhorar ou até curar, segundo crença popular.
Ninho de marimbondo-berrante.
Brumado de Cima, São João del-Rei/MG, 26/07/2009.
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Ninho de marimbondo-berrante. Zona Rural de Alfredo Vasconcelos/MG, 18/06/2021. |
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Ninho de marimbondo-berrante. Barro Preto, Bairro Tijuco, São João del-Rei/MG, 17/12/2016.
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Créditos
- Texto e fotografias da casa do marimbondo: Ulisses Passarelli.
- Fotografia de berrante na Festa do Divino: Sebastião Machado Gomes ("Jacó").
Notas
- Informantes: José Cândido de Salles e Elvira Andrade de Salles (Santa Cruz de Minas); Carlos Leandro de Oliveira (Colônia José Teodoro e Dores de Campos); Maria José da Silva Oliveira (Brumado de Cima); Eweraldo Guimarães (Caburu) - aos quais agradecemos a gentileza do apoio para as pesquisas.
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