O acervo hemerográfico da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, em São João del-Rei/MG, guarda um conjunto notável de exemplares de antigos jornais publicados nesta cidade, cuja leitura nos faculta muito mais que uma poética e nostálgica volta ao passado. Em verdade é uma fonte riquíssima de conteúdo para os estudos históricos deste município e circunvizinhança.
Muitas das notícias nos parecem pitorescas se vistas aos olhos de hoje. No entanto devem ser observadas não exatamente em comparação aos tempos hodiernos, mas de fato no contexto de seu período temporal. Elas retratam um fato imerso numa sociedade que caminhava sob a cultura, economia e visão de mundo daquele tempo.
Talvez, algumas dessas notícias tenham fugido à pena dos "documentos oficiais". Mas algum tipógrafo, juntando letrinhas de ferro, montou a notícia, que se configura hoje como uma fonte para consulta e pesquisa. Segue pois, ao modo literalmente aleatório, mais uma amostragem livre de notícias jornalísticas locais, em mera exposição ou coletânea, cuja única pretensão é dar um pouco mais de visibilidade a estes fatos perdidos na poeira do tempo. Diante de cada notícia exposta por hifens, segue a referência do nome, número da edição e data do jornal consultado.
Vista parcial da Rua Getúlio Vargas, em São João del-Rei, primitiva Rua Direita. Data: 26/05/2020. |
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- A resolução n.259, de 29/04/1901 autorizou despesas no conserto da ponte em frente à estação do Rio das Mortes [1].
(O Combate, n.87, 13/08/1901). A
edição seguinte do mesmo jornal, datada de 15 de agosto, fala em reconstrução
da dita ponte. O valor orçado era de 6:498$100.
A obra foi arrematada pelo
Major Carneiro Felippe, único concorrente. A provocação da necessidade de
construir uma nova "ponte do Rio das Mortes, chamada do Congo
Fino", partiu do Vereador Tenente Euzébio de Rezende, representante
distrital de Conceição da Barra. (O Combate, n.95, 31/08/1901).
A imprensa noticiou sobre o
andamento da obra: "está sendo realizada por arrematação do Major
Carneiro Fellipe, cujas habilitações, como diretor da construção, é uma
garantia de perfeição e segurança da obra". (O Combate, n.119,
02/11/1901).
Bênção e inauguração da Ponte
do Congo Fino, na Estação do Rio das Mortes, a 49km ferroviários da cidade de
São João del-Rei, no dia 25 de novembro de 1901. Pelas 8 horas partiu um trem
especial, com um vagão de primeira classe conduzindo as autoridades.
Foram recebidos pela banda do
arraial e por descargas de fogos de artifício. A ponte estava enfeitada. A
bênção foi dada pelo Padre João Trindade. Leite de Castro entregou
simbolicamente a ponte aos cuidados do conselho distrital, ante vivas da
assistência. (O Combate, n.128, 30/11/1901).
A qualidade dessa ponte foi
testada pouco depois pela força da natureza: três semanas depois, ela resistiu
fortemente a enchentes imensas, ficando submersa por três dias, sem sofrer
danos. (O Combate, n.133, 18/12/1901).
- Igreja de São Gonçalo Garcia [2]: pedido de ajuda
financeira e pagamento de anuidades atrasadas, pois “vai entrar em
importantes obras”. (O Combate, n.13, 26/09/1900)
- Resolução nº317, 25/02/1905,
assinada pelo Diretor Dr. João Salustiano M. Mourão, autorizava o agente
executivo municipal despender a despesa necessária para conserto, melhoramento
ou remoção do atual matadouro [3] municipal com os valores
colhidos do imposto de sangue. (O Repórter, n.12, 09/04/1905)
- Carneiro Fellipe e o Major
José Moreira, Presidente da Associação Beneficente Portugueza, tiveram
destacada presença nos festejos em homenagem ao alferes Xavier, em São João
del-Rei, no ano de 1901. (O Combate, n.59, 27/04/1901).
- Alunos do professor Pinheiro
Campos, do Ginásio São Francisco, dentre várias comemorações fizeram "às
13 horas, grande pic-nic no aprazivel local denominado Briguente"[4]
. Houve também baile, e ainda, concerto pela Orquestra Sinfônica no Teatro; etc.
Missa. Visita à usina de eletricidade (no Rio Carandaí). (A Tribuna, n.1.331,
28/06/1936).
- Carnaval de 1907: reuniu
grande multidão de mascarados na esquina da Rua Arthur Bernardes (ex- Moreira
César) e Getúlio Vargas (ex- Duque de Caxias e primitiva Rua Direita), onde um
coreto foi armado e nele se alternaram as bandas de música do Asilo de São
Francisco e a da Oeste de Minas, que "estiveram esplendidas,
executando bonitos e festivos dobrados, saltitantes polkas, ternas valsas e
magnificos tangos." Não desfilou o famoso Clube X, aliás, nem no
ano anterior, embora prometido para 1908. A agremiação "Dominós
Fúnebres" fez um desfile de destaque. "O tiroteio de
confetti, bisnagas e lança perfumes esteve fortissimo, entretanto, tudo na
melhor ordem." [5] (O Repórter,
n.3, 17/02/1907)
- Reforma do Largo de São
Francisco: a Câmara manda instalar duas lâmpadas de arco voltaico na praça,
razão de progresso para o lugar. (O Repórter, n.6, 11/03/1906).
- (Festa de Ramos) "Com
a pompa de sempre, realisou-se no Domingo, o officio de Ramos e a noite teve
logar a Procissão do Triumpho que fez o gyro costumado entrando na Matriz, de
onde havia sahido." (O Combate, n.161, 26/03/1902) [6].
- (Bonfim): uma nota dá conta
de vandalismo na Capela do Bonfim, pintada de pouco tempo e alvejada com frases
obscenas escritas por indivíduos inescrupulosos em suas paredes. (A Tribuna,
n.648, 21/05/1925).
- (Botequim do Theatro) "Segundo
deliberação da Câmara, em sua última sessão, vae ser posto em hasta publica o
arrendamento annuo do Botequim do Theatro. A base do preço é de seis mil réis
(6$000) por dia ou parte do espetáculo, sem mais pagamento algum." (O
Combate, n.121, 07/11/1901).
- A Câmara Municipal lança
edital para serviços, pondo em hasta pública o serviço de limpeza urbana, "e
para o transporte de carnes verdes [7],
devendo as carroças de lixo trazer tampa de madeira ou de zinco." (O
Combate, n.132, 14/12/1901).
- O carnaval de 1902 correu
desanimado. No coreto da esquina da Rua Direita, armado no meio da rua, tocou a
banda militar, do 28º, durante três dias. Foi feito um passeio para o desfile
dos mascarados, pouco numerosos naquele ano. No Club Sanjoannense o baile à
fantasia esteve ótimo, tocando a Orquestra Ribeiro Bastos. (O Combate, n.149,
12/02/1902).
- A lei n.83, de 29/01/1901
prorrogou por um ano o prazo de concessão da exploração de manganês, mica e
areias, em São João del-Rei, concedido a Geraldo Rodrigues da Fonseca, para
fazer a instalação definitiva. Não há citação ao local exato da atividade. (O
Combate, n.87, 13/08/1901).
- A lei n.86, de 29/04/1901
ratificou contrato da luz elétrica firmado entre o agente executivo municipal e
o cidadão Dr. Francisco de Assis Fonseca, em, 23 de fevereiro do mesmo ano. (O
Combate, n.87, 13/08/1901).
- A resolução s/nº, de
23/06/1901 dispensou pagamento de licença para realização de um espetáculo
equestre realizado a 02 de abril daquele ano em benefício da Igreja do Rosário.
(O Combate, n.87, 13/08/1901).
- No dia 17 de setembro de
1901, o operário José dos Santos, da Ferrovia Oeste de Minas, teve a mão
direita esmegalhada na plaina a vapor nas oficinas ferroviárias, resultando em
amputação. (O Combate, n.103, 19/09/1901).
- "Em Carrancas,
districto da cidade de Lavras, preparam-se grandes festas em Junho e para ellas
estão se apromptando os populares divertimentos das Cavalhadas [8]
Ha grande animação para taes festas." (O Combate, n.160,
22/03/1902, nota sem título)
Texto, pesquisa,
notas e fotografia: Ulisses Passarelli
[1]
Estação do Rio das Mortes: mudou sucessivamente de nomes para João Pinheiro e
Congo Fino. Sua área geográfica hoje pertence ao município de Conceição da
Barra de Minas, emancipado de São João del-Rei em 1962.
[2]
Originalmente edificada na segunda metade setecentista, provisão de 1772. No
ano de 1900, em razão das dimensões da capela primitiva não atenderem
adequadamente aos fiéis e pelo mal estado de conservação, foi profundamente
modificada, dando lugar à edificação atual.
[3]
Atual matadouro: ficava na entrada do atual bairro São Judas Tadeu, junto ao
Córrego da Tabatinga, próximo à saída dos trens rumo a Antônio Carlos. Foi
transferido para o bairro Matosinhos, em 1910.
[4]
Briguente, ou Brighentti, referência a uma família de migrantes italianos;
antropônimo aplicado a uma parte do núcleo colonial de São João del-Rei: Parada do
Briguentti ou Colônia do Brighentti. O costume dos piqueniques era muito usual
na cidade, desde o final do século XIX e seguiu até meados do seguinte,
rareando aos poucos nas décadas seguintes. Era buscado o contato com a natureza
em locais aprazíveis, havendo comes e bebes, música e confraternização. Eram
especialmente célebres os piqueniques na Casa da Pedra, nas duas serras
(Lenheiro e São José) nas Gameleiras (Bairro Tijuco) e no Alto do Senhor dos
Montes.
[5]
Elementos lúdicos característicos do chamado “entrudo”, que contemplava também
o arremesso de farinha e água nos foliões do momo.
[6]
Uma antiga tradição da cultura popular orienta a queimar as palhas do domingo
de ramos em casos de tempestades para abrandá-las ou nas ocorrências de assombrações domésticas
para pacificar e proteger o lar.
[7] Carne verde: designação então usada para se referir à carne fresca.
[8]
Cavalhadas: auto tradicional, de origem ibérica, cujos participantes se
apresentam montados a cavalo, divididos em dois partidos: os mouros (trajados
de vermelho) e os cristãos (vestidos de azul). Entre embaixadas e simulacros de
batalhas, desenvolvem ricas coreografias. Foi de uso muito arraigado em Minas
Gerais, sobrevivendo em poucas localidades. Origens remotas evocam as justas, as cruzadas e as novelas primitivas do território lusitano.
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