Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Passinhos da Paixão

Quem anda pelas cidades históricas mineiras vislumbra por vez nas ruas antigas, uma construção religiosa contígua ao casario, a guisa de uma capelinha. Em alguns lugares seu feitio é do tempo colonial, ou pelo menos de uma arquitetura que à primeira vista remeta ao estilo setecentista de edificações para uso do sagrado. Em outras localidades é mais recente e por vezes bem simples em sua composição artística.

Parecem igrejas em miniatura e são conhecidas pelos nomes de passopasso da Paixãocapela-passo e passinho. Ao contrário das igrejas, ermidas e capelas, não tem um santo específico como orago ou padroeiro e em verdade em quase todas existe iconografia que remeta à devoção ao Senhor Bom Jesus dos Passos e a Nossa Senhora das Dores. Em algumas, aparece quadro, pintura ou imagem do Bom Jesus da Coluna ou da Cana Verde. Outra diferença básica é que por seu pequeno tamanho as celebrações se realizam externamente, diante do passo que permanece iluminado e com as portas abertas.

Sua construção acompanha as residências, por vezes parece incrustada nelas. Os passos antigos são pequenas joias arquitetônicas, com elementos artísticos entalhados em pedra (cantaria), na base das colunas, portada, ornamentos, cruz do culmen; porta de madeira, com tirantes de ferro, grandes ferrolhos, rebites. Por dentro, pequeníssimo espaço. O fiel não entra. Um retábulo (não raro entalhado e às vezes com douramento) conserva pequena imagem ou como é muito comum, quadros pintados diretamente no madeirame de revestimento (pintura parietal), além de telas penduradas nas paredes interna; o espaço se completa com castiçais e jarras para flores. É sempre profusamente florido nas ocasiões festivas, quando forram as bancadas com toalhas artísticas (contendo bordados diversos, e acabamento em rendas, tais como abrolhos e richelieu) e o piso com tapetes. Em São João del-Rei e algumas cidades vizinhas é costume desfolhar o cheiroso rosmaninho sobre o piso e bancadas. Tanto mais, depositar no seu interior ramos aromáticos de arnica, manjericão e alecrim.

A pintura interna repete os temas comuns das igrejas, tais como anjos, florais e rocalhas. Contudo, detalhes específicos enriquecem eventualmente algum passo em particular (por exemplo, pintura dos cravos da crucificação ou o chicote do martírio). 

Os passinhos permanecem fechados quase o ano todo. Só abrem após o carnaval, pela quaresma, nos dias e horários próprios, conforme a programação religiosa de cada paróquia. Então é visitado pelo povo devoto, que diante dele se posta um instante para uma prece ligeira. Ali se persignam e admiram a arte religiosa. Especificamente o sentido dos passinhos é rememorar momentos marcantes da via-sacra de Jesus Cristo, quando levava a pesada cruz de arrasto pelas ruas de Jerusalém. Então, de maneira didática e porque não dizer catequética, cada passo em sequência pelas ruas e largos, mostra uma cena especial da Paixão do Messias.

Quando realizam as vias-sacras externas, partindo das igrejas, é diante dos passinhos que interrompem o cortejo com a cruz na dianteira, ladeada por lanternas de velas e fazem as paradas ou estações, com celebração de orações específicas, leituras contemplativas e música coral (por vezes orquestral).

Em Conceição da Barra de Minas, um dos pontos de parada da encomendação das almas é diante do passo; contudo, ele permanece fechado durante o ritual.  

Em São João del-Rei é muito forte a tradição dos passinhos. Anualmente vemos a movimentação religiosa em torno deles durante as Comemorações dos Passos. São cinco: dois na Rua Direita (atual Getúlio Vargas), um na Padre José Maria Xavier (antiga Rua da Prata), um no Largo das Mercês e outro no Largo da Cruz, todos no Centro Histórico (*). Como a tradição nesta área é a da prática de sete estações, as duas restantes, por falta de mais passinhos, se completam na Igreja de São Francisco de Assis e na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, extremos do solene deslocamento de fiéis. A construção dos passinhos são-joanenses se deu em data incerta, possivelmente em meados ou em pleno terceiro quartel do século XVIII. Nesta cidade as comemorações quaresmais dos Passos no Centro se devem aos esforços e coordenação da Venerável Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos (datada de 1733), que muito se esmera para o êxito de sua programação. Nas paróquias fora do Centro as vias-sacras não se apoiam em passinhos.  

A tradição dos passinhos e vias-sacras externas tradicionais a eles vinculadas é muito marcante em Prados e Tiradentes. 

Em algumas cidades existem um ou dois passinhos remanescentes, sem compor o total necessário a realização da via-sacra. Alguns casos o numero menor decorre apenas da não construção; outros mais, são fruto de demolição. Também é comum a alteração estilística ao longo dos anos, com franca alteração da arquitetura e acabamento. 

A preservação dos passinhos é de extrema importância não apenas para em si assegurar sua função prática de estação de via-sacra. Além desta importância óbvia, o valor cultural e arquitetônico deles é evidente, como elemento identificador da vida religiosa da sociedade colonial e imperial. Destacam-se ainda, pela composição da paisagem urbana, inseridos que estão em pequenos espaços junto às casas históricas, com elas compondo um todo, digno de se perpetuar.  

No arremate desta postagem segue um conjunto de fotografias de variados passinhos das cidades históricas das Vertentes - Prados, São João del-Rei e Tiradentes, de elevado valor arquitetônico e artístico por seus bens integrados e elementos ornamentais internos e externos, servindo anualmente às tradicionais vias-sacras. Os passinhos polarizam além das atividades religiosas, a música sacra correlacionada, executada pelas antigas orquestras e coro dessas tradicionais cidades mineiras.  

Tanto mais, seguem imagens de passinhos de outras áreas urbanas, dentro e fora do Campo das Vertentes.  


            
 Nazareno. Fotos: UP, 02/07/2017


 
Passinhos próximo à Igreja do Rosário
em Coronel Xavier Chaves. Fotos: IP, 30/12/2014 (esquerda) e 03/02/2018 (direita).

Ritápolis: Passinhos da Rua Santa Rita. Foto: UP, 01/10/2017
  
Ritápolis: Passinho no Largo da Matriz, junto à Sala de Milagres. Foto: UP, 29/06/2019

 
Passinhos da cidade de Ibituruna. Fotos: UP, 30/06/2013 e 30/06/2019

  
 Dores de Campos. Foto: UP, 10/10/2018

Passinho prensado entre prédios. Barbacena. Foto: UP, 11/10/2018

Vitoriano Veloso (Prados/MG). Foto: UP, 09/03/2019

Carrancas. Foto: UP, 14/03/2019.

Carrancas. Foto: UP, 14/03/2019

Passinho (esquerda da fotografia), ladeando um imponente casarão
em Conceição da Barra de Minas. Foto: IP, 23/10/2016.  

Encomendação das almas canta diante de um passinho
 em Conceição da Barra de Minas. Foto: IP, 29/03/2014, 00:37 h.  

No canto direito da fotografia um passinho junto a uma antiga residência
em São Sebastião da Vitória (São João del-Rei). Infelizmente nem o casarão nem
o passinho existem mais... Foto: UP, agosto/1999. 

 São Sebastião da Vitória (São João del-Rei). Foto: UP, agosto/1999.
 
    
Prados. Fotos: IP, 16/10/2016

  
 Prados. Fotos: IP, 16/10/2016. 

Prados: passinho incrustado em imóvel e detalhe da placa informativa. Foto: UP, 08/02/2018.

 São João del-Rei: preparação para uma via sacra:
devotos ornamentam o passinho da "Rua da Prata" (Rua Padre José Maria Xavier).
Fotos: UP, 03/03/2017. 

São João del-Rei: devota em prece no passinho da antiga Rua da Prata
(atual Padre José Maria Xavier), no centro histórico de
São João del-Rei. Foto: UP, 11/04/2014.

Preparação para uma via-sacra:
devota faz uma limpeza num passinho da Rua Direita.
São João del-Rei. Foto: UP, 03/03/2017.

                                      
 São João del-Rei, passinhos do Largo do Pelourinho (esquerda) e da Rua Padre José Maria Xavier (direita).
Fotos: IP, 05/03/2017.


                                       
São João del-Rei, Passinhos da "Rua Direita" (Rua Getúlio Vargas). Fotos: IP, 05/03/2017.

São João del-Rei, Largo da Cruz. Foto: IP, 05/03/2017. 

Tiradentes, na Rua Direita, com congadeiros saindo
da Igreja do Rosário. foto: IP, 17/07/2016 .


Tiradentes, Largo das Forras. Detalhe do ornamento do frontão. Fotos: IP, 30/07/2017.

Ibertioga. Foto: UP, 21/07/2019.

Ibertioga, durante 42º Festival de Carros de Bois. Foto: IP, 21/07/2019.

São Tiago, Largo da Matriz. Foto: UP, 29/06/2019.
 
Madre de Deus de Minas. Foto: IP, 21/07/2019

Exemplos comparativos de passinhos em outras mesorregiões mineiras 

Entre Rios de Minas, foto UP, 31/07/2022 

 Recorte de fotografia evidenciando um passinho em
Entre Rios de Minas. Foto: UP, 03/04/2016.

São Francisco de Paula, Rua Padre Joaquim Cardoso
Foto: UP, 03/11/2022.




São Brás do Suaçuí, na  Av. Ribeiro Oliveira.
Foto: UP, 11/11/2022


Oliveira. Foto: UP, 08/09/2024. 

São José das Três Ilhas (Belmiro Braga/MG).
Foto: UP, 03/06/2021.  

Notas e Créditos 

* Chama a atenção em São João del-Rei uma sexta construção que à primeira vista parece ser mais um passinho, embora que de maior dimensão: é a Capela-oratório de Nossa Senhora da Piedade, que comumente mantém aberta nas ocasiões solenes quaresmais e da Semana Santa. Não é uma capela-passo, embora pareça. Diante dela, periodicamente se celebravam missas voltadas aos presos da cadeia velha (hoje sedia o Museu de Arte Sacra), na Rua Getúlio Vargas, outrora Rua Direita. O padre e seus acólitos celebravam na entrada ou dentro dela mas não cabiam outras pessoas. Detrás das grades da então cadeia fronteiriça os condenados assistiam à celebração. A cidade teve no passado outras capelas-oratório, ao longo dos anos demolidas (Oratório das Almas - na Prainha; Oratório do Senhor do Bonfim, na Rua da Cachaça). Quando em meados dos oitocentos a cadeia foi transferida para o térreo da nova Casa da Câmara (de 1849, hoje ocupada pela Prefeitura Municipal), a Capela-oratório de Nossa Senhora da Piedade perdeu sua função primitiva. Outra detalhe: os passinhos são administrados pela Irmandade dos Passos; o oratório pela Irmandade do Santíssimo Sacramento. 


 
Capela-oratório de Nossa Senhora da Piedade, São João del-Rei,
ornada com flores e aberta à visitação durante a Semana Santa.
13/04/2017 (esquerda) e fechada em um dia comum (04/03/2018). 



**Texto: Ulisses Passarelli

Texto revisto, ampliado e com inserção de mais fotografias em 04/03/2018, 30/04/2019 e 22/07/2019 e 27/10/2024. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário