Quem anda pelas cidades históricas mineiras vislumbra por vez nas ruas
antigas, uma construção religiosa contígua ao casario, a guisa de uma
capelinha. Em alguns lugares seu feitio é do tempo colonial, ou pelo menos de
uma arquitetura que à primeira vista remeta ao estilo setecentista de
edificações para uso do sagrado. Em outras localidades é mais recente e por
vezes bem simples em sua composição artística.
Parecem igrejas em miniatura e são conhecidas pelos nomes de passo, passo
da Paixão, capela-passo e passinho. Ao
contrário das igrejas, ermidas e capelas, não tem um santo específico como
orago ou padroeiro e em verdade em quase todas existe iconografia que remeta à
devoção ao Senhor Bom Jesus dos Passos e a Nossa Senhora das Dores. Em algumas,
aparece quadro, pintura ou imagem do Bom Jesus da Coluna ou da Cana Verde.
Outra diferença básica é que por seu pequeno tamanho as celebrações se realizam
externamente, diante do passo que permanece iluminado e com as portas abertas.
Sua construção acompanha as residências, por vezes parece incrustada nelas. Os
passos antigos são pequenas joias arquitetônicas, com elementos artísticos
entalhados em pedra (cantaria), na base das colunas, portada, ornamentos, cruz
do culmen; porta de madeira, com tirantes de ferro, grandes ferrolhos, rebites.
Por dentro, pequeníssimo espaço. O fiel não entra. Um retábulo (não raro
entalhado e às vezes com douramento) conserva pequena imagem ou como é muito
comum, quadros pintados diretamente no madeirame de revestimento (pintura
parietal), além de telas penduradas nas paredes interna; o espaço se completa
com castiçais e jarras para flores. É sempre profusamente florido nas ocasiões
festivas, quando forram as bancadas com toalhas artísticas (contendo bordados
diversos, e acabamento em rendas, tais como abrolhos e richelieu) e o piso com tapetes. Em São João del-Rei e algumas
cidades vizinhas é costume desfolhar o cheiroso rosmaninho sobre o piso e
bancadas. Tanto mais, depositar no seu interior ramos aromáticos de arnica,
manjericão e alecrim.
A pintura interna repete os temas comuns das igrejas, tais como anjos, florais e
rocalhas. Contudo, detalhes específicos enriquecem eventualmente algum passo em
particular (por exemplo, pintura dos cravos da crucificação ou o chicote do martírio).
Os passinhos permanecem fechados quase o ano todo. Só abrem após o carnaval,
pela quaresma, nos dias e horários próprios, conforme a programação religiosa
de cada paróquia. Então é visitado pelo povo devoto, que diante dele se posta
um instante para uma prece ligeira. Ali se persignam e admiram a arte
religiosa. Especificamente o sentido dos passinhos é rememorar momentos
marcantes da via-sacra de Jesus Cristo, quando levava a pesada cruz de arrasto
pelas ruas de Jerusalém. Então, de maneira didática e porque não dizer
catequética, cada passo em sequência pelas ruas e largos, mostra uma cena
especial da Paixão do Messias.
Quando realizam as vias-sacras externas, partindo das igrejas, é diante dos passinhos que interrompem o cortejo com a cruz na dianteira, ladeada por lanternas de velas e fazem as paradas ou estações, com celebração de orações específicas, leituras contemplativas e música coral (por vezes orquestral).
Em Conceição da Barra de Minas, um dos pontos de parada da encomendação das almas é diante do passo; contudo, ele permanece fechado durante o ritual.
Em São João del-Rei é muito forte a tradição dos passinhos. Anualmente vemos a movimentação religiosa em torno deles durante as Comemorações dos Passos. São cinco: dois na Rua Direita (atual Getúlio Vargas), um na Padre José Maria Xavier (antiga Rua da Prata), um no Largo das Mercês e outro no Largo da Cruz, todos no Centro Histórico (*). Como a tradição nesta área é a da prática de sete estações, as duas restantes, por falta de mais passinhos, se completam na Igreja de São Francisco de Assis e na Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, extremos do solene deslocamento de fiéis. A construção dos passinhos são-joanenses se deu em data incerta, possivelmente em meados ou em pleno terceiro quartel do século XVIII. Nesta cidade as comemorações quaresmais dos Passos no Centro se devem aos esforços e coordenação da Venerável Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos (datada de 1733), que muito se esmera para o êxito de sua programação. Nas paróquias fora do Centro as vias-sacras não se apoiam em passinhos.
A tradição dos passinhos e vias-sacras externas tradicionais a eles vinculadas é muito marcante em Prados e Tiradentes.
Em algumas cidades existem um ou dois passinhos remanescentes, sem compor o total necessário a realização da via-sacra. Alguns casos o numero menor decorre apenas da não construção; outros mais, são fruto de demolição. Também é comum a alteração estilística ao longo dos anos, com franca alteração da arquitetura e acabamento.
A preservação dos passinhos é de extrema importância não apenas para em si assegurar sua função prática de estação de via-sacra. Além desta importância óbvia, o valor cultural e arquitetônico deles é evidente, como elemento identificador da vida religiosa da sociedade colonial e imperial. Destacam-se ainda, pela composição da paisagem urbana, inseridos que estão em pequenos espaços junto às casas históricas, com elas compondo um todo, digno de se perpetuar.
No arremate desta postagem segue um conjunto de fotografias de variados passinhos das cidades históricas das Vertentes - Prados, São João del-Rei e Tiradentes, de elevado valor arquitetônico e artístico por seus bens integrados e elementos ornamentais internos e externos, servindo anualmente às tradicionais vias-sacras. Os passinhos polarizam além das atividades religiosas, a música sacra correlacionada, executada pelas antigas orquestras e coro dessas tradicionais cidades mineiras.
Tanto mais, seguem imagens de passinhos de outras áreas urbanas, dentro e fora do Campo das Vertentes.
em Coronel Xavier Chaves. Fotos: IP, 30/12/2014 (esquerda) e 03/02/2018 (direita).
Ritápolis: Passinhos da Rua Santa Rita. Foto: UP, 01/10/2017 |
Passinhos da cidade de Ibituruna. Fotos: UP, 30/06/2013 e 30/06/2019 |
Dores de Campos. Foto: UP, 10/10/2018 |
Passinho prensado entre prédios. Barbacena. Foto: UP, 11/10/2018 |
Vitoriano Veloso (Prados/MG). Foto: UP, 09/03/2019 |
Carrancas. Foto: UP, 14/03/2019. |
Carrancas. Foto: UP, 14/03/2019 |
Passinho (esquerda da fotografia), ladeando um imponente casarão em Conceição da Barra de Minas. Foto: IP, 23/10/2016. |
Encomendação das almas canta diante de um passinho em Conceição da Barra de Minas. Foto: IP, 29/03/2014, 00:37 h. |
No canto direito da fotografia um passinho junto a uma antiga residência em São Sebastião da Vitória (São João del-Rei). Infelizmente nem o casarão nem o passinho existem mais... Foto: UP, agosto/1999. |
São Sebastião da Vitória (São João del-Rei). Foto: UP, agosto/1999. |
São João del-Rei: preparação para uma via sacra: devotos ornamentam o passinho da "Rua da Prata" (Rua Padre José Maria Xavier). Fotos: UP, 03/03/2017. |
São João del-Rei: devota em prece no passinho da antiga Rua da Prata (atual Padre José Maria Xavier), no centro histórico de São João del-Rei. Foto: UP, 11/04/2014. |
Preparação para uma via-sacra: devota faz uma limpeza num passinho da Rua Direita. São João del-Rei. Foto: UP, 03/03/2017. |
São João del-Rei, Largo da Cruz. Foto: IP, 05/03/2017. |
Tiradentes, na Rua Direita, com congadeiros saindo da Igreja do Rosário. foto: IP, 17/07/2016 . Tiradentes, Largo das Forras. Detalhe do ornamento do frontão. Fotos: IP, 30/07/2017. |
Ibertioga. Foto: UP, 21/07/2019. |
Ibertioga, durante 42º Festival de Carros de Bois. Foto: IP, 21/07/2019. |
São Tiago, Largo da Matriz. Foto: UP, 29/06/2019. |
Madre de Deus de Minas. Foto: IP, 21/07/2019 |
ornada com flores e aberta à visitação durante a Semana Santa.
13/04/2017 (esquerda) e fechada em um dia comum (04/03/2018).
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