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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Na minha terra se fala assim - parte 14

Babujar – sujar de baba, misturar com saliva, beber algo direto no gargalo (sem usar copo, caneca ou xícara). Ato repudiado por ser anti-higiênico. Beber no bico: por a garrafa na boca _ é o próprio ato de babujar, mesclar o conteúdo com cuspe, saliva.

Baquiado – que sofreu um baque, uma queda, resvalo. Enfraquecido. Decadente.

Biboca – ou biriboca. Palavra de origem indígena: escondido (no sentido de recôndito); longínquo. “Fulano mora num biboca”. “Não vou lá naquela biriboca.”

Boia – comida. Para efeito deste vocabulário o termo não é abordado no sentido do verbo boiar (flutuar), aquilo que boia, flutua; o sentido é de alimento: “comer a boia” (almoçar ou jantar), “boiar” (alimentar); “a boia está fria”.

Café com leite – neutro, peso morto, não essencial, dispensável. Refere-se a pessoas que estão participando de algo, mas nada estão somando. Se forem retiradas tudo continua como antes. “Fulano é café com leite”. Jogador de futebol que em campo não joga nada; o mesmo que dente de leite.

Chispa1- fagulha, labareda: “uma chispa de fogo iniciou a queimada”. 2- ordem para ir embora com rapidez: “chispa, menino!”; ou seja, corre, vá, saia daqui, fuja. O verbo chispar significa correr, no sentido de fuga espavorida. “Passou chispando...”.

Conversa vai, conversa vem – diálogo cheio de voltas sem chegar ao âmago da questão; rodeio de palavras que não focam o assunto; prévia numa conversa antes de se abordar o tema principal. Expressão intermediária inserida numa narrativa, para indicar que além do que está sendo narrado, houve ainda, muita conversa antes de se chegar ao fato e a seguir, após enuncia-la, se narra o fato.

Dar sopa – dar bobeira, marcar touca, não se acautelar, descuido, falta de prevenção.

De tanta preguiça a minhoca ficou sem osso – expressão usada diante do inerte, passivo, preguiçoso ao extremo. Tem antes o caráter de insulto que de conselho ou lição moral, por isto se qualifica como expressão e não ditado, não obstante o tamanho do enunciado e a imediata aparência proverbial.

Descambar – mudar de direção repentinamente e contra a vontade, inverter o lado que se ia, descer um morro, tombar numa grota ou montanha, despencar, cair na ribanceira. “A bicicleta descambou com ele ladeira abaixo.”

Desfiar o rosário – contar uma longa e lamentosa narrativa; externar problemas íntimos e angústias; desabafar as decepções contando a alguém.

Dois pesos, duas medidas – agir de uma forma com uma pessoa e de outra forma com outra; tratar uma situação de uma maneira e noutra ocasião, mudando os sujeitos, tratar de outra maneira. Medida sem imparcialidade. Abordar de forma distinta a ricos e pobres. Discriminar.

Dose – situação desagradável, constrangedora; diálogo ruim: “é dose!”; “foi dose!”. Diz-se do que é difícil suportar. Por vezes vem intensificado sob a forma de expressão: dose pra leão; dose pra elefante; dose pra cachorro. Sempre é usado de forma exclamativa e reticente. Pessoa de difícil convívio social: “fulano é dose!” Parece uma alusão a uma dose de bebida ardente ou de remédio amargo, difícil de ingerir.

Dragão – pessoa desprovida de qualquer padrão de beleza; muito feio. Palavra de insulto.

Em cima do riscado – corretíssimo, alinhado, sem qualquer erro.

Encafifar – cismar, desconfiar, suspeitar. Permanecer em longo silêncio como se buscasse na mente uma resposta para algo: estar encafifado.

Esganar1- atacar, avançar, agredir de unhas e dentes. Sinal de ferocidade: “começaram a brigar e a mulher esganou o marido...” 2- comer compulsivamente e sem regras mínimas de boa educação: esganado (devorador), esganação (fome desmedida).

Fazer gato e sapato – ou fazer de gato e sapato. Fazer o que quiser com alguém, desrespeitar, humilhar, ofender, menosprezar, minimizar, desqualificar, abusar de uma pessoa: “xiiii... dava dó de ver; fez gato e sapato dela!”

Ficar pianinho – cumprir rigorosamente as regras; obedecer fielmente; não reclamar de nada. Manso. “Fica pianinho, filho, pra você não ser demitido!”

Filar – tomar (no sentido de usurpar), tirar uma porção, pegar algo que não lhe pertence. Pequeno furto. Filão: quem tem o mal hábito de filar.

Firme igual prego no angu – expressão bem humorada: sendo o angu mole, um prego nele fincado jamais poderá ter firmeza. Muito usada na conversa corriqueira, no ato de se cumprimentar um amigo: “_ ô fulano, bom dia! Como está? Firme?” ao que se responde: “ _ Firme igual prego no angu!”. Não é raro que se siga uma risada. Está subentendido que aquela pessoa passa por qualquer dificuldade ou limitação, preocupação ou descontrole, mas que leva com bom humor e resignação. Também se diz: “firme igual bosta”; “firme igual prego na gelatina”; “firme igual prego na bananeira”. No sentido de amenizar uma vicissitude não deixa de ser uma expressão de eufemismo.

Fogo – termo exclamativo, que indica uma situação agitada, com certo descontrole, hiperatividade: “É fogo, viu!”. “Ele é fogo!”. Para se qualificar o comportamento de um indivíduo por vezes se torna em expressão: fogo na roupa ou fogo no cu. Já a expressão fogo de palha tem outro sentido: indica uma pretensão passageira, brevidade de uma intensão, ação descontinuada, falta de persistência para alcançar o objetivo, algo que começa com intensidade e rapidamente decai.

Fora de hora – em horário impróprio. Tarde da noite. Além do horário de convívio familiar.

Inhambado – atrapalhado, descontrolado, desgovernado. “O serviço tá todo inhambado”.

Invisão – visão assombrosa, aparição espectral, vidência fantasmagórica.

Joia – ótimo; excelente. “O concerto estava joia!”; “o sapateiro arrumou a sandália e ficou joia”.

Lereia – conversa fiada, diálogo sem proveito, palavreado sem sentido, rodeio de expressões.

Lomba – ou lombeira. Soneira, sonolência, preguiça. Vontade extrema de descansar, dormir nas tardes quentes e após se alimentar muito. O mesmo que timoneira.

Matar quem está me matando – matar a fome, comer, alimentar-se.

Meia pedra; meio tijolo – mais ou menos. Diz-se daquilo que não se pode ter exatidão. Razoável.  “_ Como você está passando? _ Ah, vou levando... meia pedra, meio tijolo.”

Meio de mundo – ermo; lugar despovoado e longínquo, ambiente inculto, paragem que não tem nada. “Lá é um mei’ de mundo danado!”

Michorna – bagunça, desordem, ambiente desregrado. “Isso aqui tá uma michorna ...”

Não está com nada no balaio – insignificante, inexpressivo, sem representatividade, de pouca influência, sem poder de mando. “Fulano não está com nada no balaio!”

Não faz falta nem fartura – expressão usada para qualificar negativamente uma pessoa, cuja presença ou ação nada soma nem subtrai; pessoa cuja presença é dispensável. Peso morto. “Não precisa chamar fulano pra reunião; ele não faz falta nem fartura”.

Pandu – barriga; estômago. Encher o pandu: comer muito, devorar.

Pele e osso – magérrimo, caquético. “O cachorro tá pele e osso”.

Porongo bobalhão, idiota, apalermado, sem expediente, sem pró-atividade.

Rompante – arrogância, petulância, modo agressivo de se expressar. Falar com rompante (com impetuosidade). Chegar num rompante (sem humildade).

Sacalão – balançar com vigor, sacudido brutal, resvalo forte. “Tomou um sacalão”.

Saco de batatas – pessoa inerte, entregue à preguiça. “Levanta daí, saco de batatas!”

Sungar – suspender (no sentido de erguer); levantar. “Sunga a tábua”, diz o pedreiro ao servente.

Tilosca – considerável, significativo, desejável. É termo sempre exclamativo e enfático, usado para indicar a opinião quando não se convém usar as palavras formais: “Ô tilosca!”.

Timoneira – grande sonolência durante o dia, não o sono normal que vem à noite. Desânimo extremo ao calor do dia. Bocejos subsequentes e muito próximos uns dos outros.


Tratar a pão de ló – cuidar com todo zelo; tratar da melhor forma possível, não apenas no sentido de alimentar com fartura e qualidade. Dar o melhor de si para outrem. 


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli

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