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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 22 de abril de 2016

Entendendo a Imagem do Divino

Elementos artísticos e interpretação do sagrado [1]


Em geral as principais representações materiais do Paráclito são em forma de pomba e de língua de fogo, inspiração livre nas escrituras bíblicas. Pomba e fogo aparecem artisticamente aplicados sobre uma pintura em estandarte, bandeira, flâmula, quadro, painel, medalhão ou escudo e em especial a pombinha branca aparece esculpida ou moldada sob a forma de imagem. É tal como o vemos no retábulo ou no forro de várias capelas e igrejas e ainda, na arte popular, figurando airosa nos estandartes de procissões e nas bandeiras de grupos de folia do Divino e alguns ternos de congado .

Perpassando estes elementos vemos que o artista executor da imagem ou da pintura, nas mais diferentes flâmulas e na imaginária, se vale de alguns artifícios para fixar a simbologia agregada ao Espírito Santo. Muitas vezes é acrescida de elementos simbólicos que reforçam as impressões populares pela adição de efeitos. Na tentativa de um entendimento, os elementos artísticos podem ser contemplados sob a forma de efeitos: 

efeitos luminosos: halo, fachos, raiadas, línguas de fogo, brilho, clarão;
efeitos de santidade: auréola, resplendor;
efeitos de poder: coroa, cetro;
efeito de pacificação e esperança: ramo verde no bico, interpretado como de uma oliveira;
efeitos sacramentais: 1- figuração de água – lembrança do batismo de Cristo no Rio Jordão; 2- pombinha ao centro de uma custódia – representação bastante generalizada;
efeitos de divindade: 1- pintura de nuvens se afastando para aparição da pomba; 2- nuvens em torvelinho ao seu redor, acinzentadas, em cataclismo; 3- céu se abrindo como se tragado de um plano superior donde emana luz, representado em gradação branca-amarela-laranja;
efeito de efusão: vento representado como tracejado paralelo branco-azulado-cinzento, saindo da pomba em direção à Terra;
efeito de movimento: quase sempre a pomba está de asas abertas, voando em graciosa lateralidade ou em fase de descida. Por estar suspensa em voo, confere a ideia de estar acima de nós, de um ser superior.

O lado místico se revela pela própria condição de uma devoção não antropomórfica, ou seja, existe uma dificuldade em confeccionar uma imagem do Divino ou pintá-lo, pois que o Espírito Santo não apareceu sob forma humana; não é como os santos, que foram gente. Daí o artista buscar os artifícios acima enumerados para melhor fixá-lo a partir da abstração natural.

A imagem do Divino Espírito Santo existente no Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei/MG, é extremamente significativa como arte religiosa, por sua origem e elementos simbólicos. Ela é do século XIX. Traz a estética de seu tempo, mas ainda que tardiamente, está impregnada pelo barroquismo típico da cultura do Ciclo do Ouro em Minas Gerais. O simbolismo da vivência religiosa do período colonial nas "cidades históricas" reverberou além de sua duração formal. Foi doada pelo Imperador do Divino Tomaz Antônio Gonçalvez. Tem a forma de custódia. Atrás dela existe a seguinte inscrição: “Feita nesta cidade de São João del-Rei, em maio de 1868, por Manoel Pereira Maya, natural de Piracatu, por mandado do Imperador do Espírito Santo Thomaz”. Piracatu, ao que parece, é uma corruptela de Paracatu, cidade do noroeste mineiro. A inscrição foi descoberta numa restauração. Naquela ocasião foram retiradas dezesseis lâmpadas coloridas, com as respectivas boquilhas, que de forma inconsequente se fixara nas raiadas da imagem, descaracterizando-a. O acréscimo de gosto duvidoso fora realizado na segunda metade do século XX. Atrás, sobre a dita inscrição, um terrível emaranhado de fios punha a peça sacra sob o risco de incêndio, por um muito plausível curto-circuito. Considere-se que é feita de madeira. Retomou sua autenticidade.

Nela vemos a pombinha presa à peça principal por um pequeno gancho nas costas, o que a torna pendente de fato, pelo que, em procissão, conforme o balancear do andor, parece mesmo que está voando... Como plano de fundo existe o recorte de um triângulo equilátero, simbologia representativa da Santíssima Trindade, da qual o Espírito Santo é a Terceira Pessoa. Acima dela está esculpida uma coroa e dois cetros cruzados, elementos da realeza simbólica, poder, reinado, império, súditos que são os fiéis do Espírito Santo, o povo de Deus. O fato de serem dois cetros talvez ultrapasse a pura estética da composição: lembremos que se hoje temos apenas o Imperador do Divino, na festa do passado também tínhamos a Imperatriz. É plausível que os dois cetros possam ser alusão ao casal imperial.

1- Bandeira de congado,
Moçambique "Divino Espírito Santo", Piracema/MG
durante do jubileu em Matosinhos, São João del-Rei, 28/05/2012.

2- Medalhão aplicado a um estandarte de procissão.
Acervo da Comissão Organizadora da Festa do Divino, Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 28/05/2012.

3- Quadro de mastro fincado diante da Igreja de Santa Teresinha,
Matosinhos, São João del-Rei, durante a Festa do Divino.

4- Imagem do Divino, Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 18/05/2013.

5- Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática.
Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 25/03/2012.

6- Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática.
Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 25/03/2012.

7- Pintura do Divino de autoria do artista sacro Osni Paiva, na bandeira da Folia do Divino "Embaixada Santa",
São João del-Rei/MG, 04/04/2012. 


8- Bandeira de Congado.
Marujos "Divino Espírito Santo", Conselheiro Lafaiete/MG,
durante o Festival de Congados daquela cidade. Foto: Ulisses Passarelli, 18/07/1999. 



9- Estandarte conduzido por rainhas de congado,
Caboclos "Divino Espírito Santo", Vespasiano / MG, 
durante o Jubileu do Divino em São João del-Rei / MG, 03/06/2001. 



10- Bandeira de congado, 
Caboclos "Divino Espírito Santo", Raposos / MG, 
durante Encontro de Congados em Tiradentes / MG, 26/07/2015. 



11- Bandeira da Folia do Divino "Embaixada do Bom Pastor", 
Bairro Bom Pastor, São João del-Rei / MG, sobre a cama de um devoto
durante a visitação do lar promovida pelos folieiros. 06/06/2014. 



12- Bandeira de uma Folia do Divino da década de 1960, já recolhida (grupo extinto), 
então sob a guarda de seu folião, Sr. "Geraldo Teixeira". A folia era situada no povoado do Brumado de Cima, distrito de São Gonçalo do Amarante, São João del-Rei/MG. Março/1999. 


Créditos

Texto e fotografias (5-10, 12): Ulisses Passarelli
Demais Fotografias: Iago C.S. Passarelli 

                                                                                                 Notas 

[1] - Texto adaptado para este Blog; originalmente publicado no Informativo do Jubileu do Espírito Santo, n.19, maio/2016, São João del-Rei, Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo. 

Revisão e acréscimo de fotografias: 18/04/2025. 

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