Elementos artísticos e interpretação do sagrado [1]
Em geral as principais representações materiais do Paráclito são em forma de pomba e de língua de fogo, inspiração livre nas escrituras bíblicas. Pomba e fogo aparecem artisticamente aplicados sobre uma pintura em estandarte, bandeira, flâmula, quadro, painel, medalhão ou escudo e em especial a pombinha branca aparece esculpida ou moldada sob a forma de imagem. É tal como o vemos no retábulo ou no forro de várias capelas e igrejas e ainda, na arte popular, figurando airosa nos estandartes de procissões e nas bandeiras de grupos de folia do Divino e alguns ternos de congado .
Perpassando estes elementos vemos que o artista executor da imagem ou da pintura, nas mais diferentes flâmulas e na imaginária, se vale de alguns artifícios para fixar a simbologia agregada ao Espírito Santo. Muitas vezes é acrescida de elementos simbólicos que reforçam as impressões populares pela adição de efeitos. Na tentativa de um entendimento, os elementos artísticos podem ser contemplados sob a forma de efeitos:
efeitos luminosos: halo, fachos, raiadas, línguas de fogo, brilho, clarão;
efeitos de santidade: auréola, resplendor;
efeitos de poder: coroa, cetro;
efeito de pacificação e esperança: ramo verde no bico, interpretado como de uma oliveira;
efeitos sacramentais: 1- figuração de água – lembrança do batismo de Cristo no Rio Jordão; 2- pombinha ao centro de uma custódia – representação bastante generalizada;
efeitos de divindade: 1- pintura de nuvens se afastando para aparição da pomba; 2- nuvens em torvelinho ao seu redor, acinzentadas, em cataclismo; 3- céu se abrindo como se tragado de um plano superior donde emana luz, representado em gradação branca-amarela-laranja;
efeito de efusão: vento representado como tracejado paralelo branco-azulado-cinzento, saindo da pomba em direção à Terra;
efeito de movimento: quase sempre a pomba está de asas abertas, voando em graciosa lateralidade ou em fase de descida. Por estar suspensa em voo, confere a ideia de estar acima de nós, de um ser superior.
O lado místico se revela pela própria condição de uma devoção não antropomórfica, ou seja, existe uma dificuldade em confeccionar uma imagem do Divino ou pintá-lo, pois que o Espírito Santo não apareceu sob forma humana; não é como os santos, que foram gente. Daí o artista buscar os artifícios acima enumerados para melhor fixá-lo a partir da abstração natural.
A imagem do Divino Espírito Santo existente no Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei/MG, é extremamente significativa como arte religiosa, por sua origem e elementos simbólicos. Ela é do século XIX. Traz a estética de seu tempo, mas ainda que tardiamente, está impregnada pelo barroquismo típico da cultura do Ciclo do Ouro em Minas Gerais. O simbolismo da vivência religiosa do período colonial nas "cidades históricas" reverberou além de sua duração formal. Foi doada pelo Imperador do Divino Tomaz Antônio Gonçalvez. Tem a forma de custódia. Atrás dela existe a seguinte inscrição: “Feita nesta cidade de São João del-Rei, em maio de 1868, por Manoel Pereira Maya, natural de Piracatu, por mandado do Imperador do Espírito Santo Thomaz”. Piracatu, ao que parece, é uma corruptela de Paracatu, cidade do noroeste mineiro. A inscrição foi descoberta numa restauração. Naquela ocasião foram retiradas dezesseis lâmpadas coloridas, com as respectivas boquilhas, que de forma inconsequente se fixara nas raiadas da imagem, descaracterizando-a. O acréscimo de gosto duvidoso fora realizado na segunda metade do século XX. Atrás, sobre a dita inscrição, um terrível emaranhado de fios punha a peça sacra sob o risco de incêndio, por um muito plausível curto-circuito. Considere-se que é feita de madeira. Retomou sua autenticidade.
Nela vemos a pombinha presa à peça principal por um pequeno gancho nas costas, o que a torna pendente de fato, pelo que, em procissão, conforme o balancear do andor, parece mesmo que está voando... Como plano de fundo existe o recorte de um triângulo equilátero, simbologia representativa da Santíssima Trindade, da qual o Espírito Santo é a Terceira Pessoa. Acima dela está esculpida uma coroa e dois cetros cruzados, elementos da realeza simbólica, poder, reinado, império, súditos que são os fiéis do Espírito Santo, o povo de Deus. O fato de serem dois cetros talvez ultrapasse a pura estética da composição: lembremos que se hoje temos apenas o Imperador do Divino, na festa do passado também tínhamos a Imperatriz. É plausível que os dois cetros possam ser alusão ao casal imperial.
 |
1- Bandeira de congado, Moçambique "Divino Espírito Santo", Piracema/MG durante do jubileu em Matosinhos, São João del-Rei, 28/05/2012. |
 |
2- Medalhão aplicado a um estandarte de procissão. Acervo da Comissão Organizadora da Festa do Divino, Matosinhos, São João del-Rei/MG, 28/05/2012. |
 |
3- Quadro de mastro fincado diante da Igreja de Santa Teresinha, Matosinhos, São João del-Rei, durante a Festa do Divino. |
 |
4- Imagem do Divino, Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, São João del-Rei/MG, 18/05/2013. |
 |
5- Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática. Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, São João del-Rei/MG, 25/03/2012. |
 |
6- Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática. Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, São João del-Rei/MG, 25/03/2012. |
 |
7- Pintura do Divino de autoria do artista sacro Osni Paiva, na bandeira da Folia do Divino "Embaixada Santa", São João del-Rei/MG, 04/04/2012.
 8- Bandeira de Congado. Marujos "Divino Espírito Santo", Conselheiro Lafaiete/MG, durante o Festival de Congados daquela cidade. Foto: Ulisses Passarelli, 18/07/1999.
 9- Estandarte conduzido por rainhas de congado, Caboclos "Divino Espírito Santo", Vespasiano / MG, durante o Jubileu do Divino em São João del-Rei / MG, 03/06/2001.
 10- Bandeira de congado, Caboclos "Divino Espírito Santo", Raposos / MG, durante Encontro de Congados em Tiradentes / MG, 26/07/2015.
 11- Bandeira da Folia do Divino "Embaixada do Bom Pastor", Bairro Bom Pastor, São João del-Rei / MG, sobre a cama de um devoto durante a visitação do lar promovida pelos folieiros. 06/06/2014.
,%20mar.1999.jpg) 12- Bandeira de uma Folia do Divino da década de 1960, já recolhida (grupo extinto), então sob a guarda de seu folião, Sr. "Geraldo Teixeira". A folia era situada no povoado do Brumado de Cima, distrito de São Gonçalo do Amarante, São João del-Rei/MG. Março/1999.
Créditos
Texto e fotografias (5-10, 12): Ulisses Passarelli Demais Fotografias: Iago C.S. Passarelli
Notas
[1] - Texto adaptado para este Blog; originalmente publicado no Informativo do Jubileu do Espírito Santo, n.19, maio/2016, São João del-Rei, Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo.
Revisão e acréscimo de fotografias: 18/04/2025. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário