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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 19 de julho de 2015

A Festa do Carmo e a alma festiva de São João del-Rei

Aniversário do Blog


Antes do assunto que intitula esta postagem é mister registrar que hoje este blog completa seu terceiro aniversário. Surgido despretensioso, quase como uma experimentação, acabou por criar suas raízes porque o leitor deu o respaldo necessário a essa continuidade e aprimoramento, graças às suas visitas a esta página eletrônica.

Assim, as primeiras postagens eram bem simplificadas mas davam o mesmo recado das que vieram depois. O foco sempre foi valorizar a cultura popular, difundir os valores do folclore no contexto cultural dos Campos das Vertentes, enaltecer os mestres do saber, as festas tradicionais. Em condição paralela veio aqui e ali o tema ecológico, a história, a memória ferroviária e outros assuntos correlatos. 

Em termos de números o TRADIÇÕES POPULARES DAS VERTENTES aproxima-se da cifra de 83.000 visitas e 475 postagens no ar, visitadas por brasileiros e gente de vários países. Manteve-se a isenção político-partidária e nunca houve atividade lucrativa. 

Assim seguirá esta página até a hora que Deus permitir. A diretriz ainda é e será a mesma. A gratidão aos leitores, assíduos ou eventuais é imensa. Sem eles os textos perdem seu sentido de utilidade e o objetivo documental torna-se inócuo. E com confiança nessa continuidade segue mais uma abordagem da queridíssima Festa do Carmo em São João del-Rei, que de maneira fraterna este blog oferta a quem a sugeriu como tema para esta data.


Festa de Nossa Senhora do Carmo

(cordialmente ofereço ao emérito pesquisador, musicista e escritor são-joanense Sr. Francisco José do Santos Braga, com destacada admiração por sua obra)


Ah! Essas cidades históricas... Quantos mistérios insondáveis! Como terá de fato se formado sua alma festiva? A linha mestra o sabemos, mas ela pragmaticamente explica tudo? Sim, somos filhos do Ciclo do Ouro. De sangue emboaba nos formamos. O camponês minhoto ou trás-montano ainda vive em nós. A imensa e extraordinária cultura africana corre em nós como um sangue na veia. A sabedoria ameraba completa nosso espírito. E não bastasse tal bendita mescla, mais tarde, ainda singraram os mares novos migrantes, de Itália, Síria, Líbano... Mais saberes, mais contribuições, mais convívio e intercâmbio. O barroquismo se compôs assim, nas cidades históricas em geral, tramando uma rede de tradições e um jeito de ser que facilmente distingue o mineiro, que de imediato revela-se nas cidades históricas, que agente sabe como é, mas se for explicar engasga... não tem livro que dê conta desse mistério: o DNA mineiro, que em São João del-Rei transborda orgulhosamente, sobeja e se engalana em suas vetustas festividades religiosas. 

De tantas festas, algumas revelam um poder transcendental de fervilhar o devoto, de fazê-lo se expressar tão espontaneamente em sua fé, engrandecendo o patrimônio imaterial da cidade. Tal é a Festa de Nossa Senhora do Carmo em São João del-Rei, sob os auspícios da Venerável Ordem Terceira do Monte Carmelo, que tanto zelo nutre por esta invocação mariana e tudo que lhe diz respeito. 

No magnífico templo setecentista, após concorrida novena, acorrem fiéis de toda parte no dia maior, 16 de julho, desde a aurora, quando, às 5 horas e 30 minutos, a Banda Municipal Santa Cecília tradicionalmente homenageia a Mãe Querida com maestria e disciplina. No ar o cheiro da pólvora rescende, foguetes acordam o povo, sinos relembram que é hora de prece. Festa é gratidão acima de tudo. 

Dia todo, todinho, é ir e vir na Casa de Deus. A igreja carmelita lota. É como se o devoto estivesse em romaria ao Monte Carmelo. Na celebração o sacerdote se supera na mensagem sagrada, que naquele dia parece mais penetrante. Promesseiros, turistas, devotos de toda parte, sussurram ave marias, derriçam contas na reza de um terço, leem orações impressas, ajoelham-se na Capela do Santíssimo. A igreja se ilumina e floresce, em ramalhetes e buquês o altar se colore e perfuma. Gente olha para cima, vê um anjinho entalhado sorrindo para ele; nunca o vira antes, mas estava ali a séculos... Aquele detalhe da talha do altar parece mais bonito nesse dia, quiçá novo... Não! É o mesmo de sempre, apenas que nos outros dias, na correria da vida, o fiel ajoelha na igreja, baixa o olhar e solta seu pranto, entrega sua amargura e põe sua esperança em Deus mas não tem tempo para apreciar. A festa permite a contemplação, o desenvolvimento do sentimento de pertença, a sintonia com a arte. O patrimônio material anda paralelo ao imaterial como os dois trilhos de um trem. Do contrário o primeiro é apenas uma vitrine bela, cara, inacessível. Isto é cultura. 

De fora, abnegados cidadãos se esmeram em confeccionar um tapete de rua. Lá vai um montão de serragem tingida, areia branca, terra preta. Tapeteiros formam um símbolo, um desenho ou mensagem, um brasão ou escudo. A rua mundana é sacralizada. Quem os mandou fazer, quem os pediu, por que o fazem se tão efêmeros? Imenso trabalho acocorado ao sol, sujando as mãos para em segundos ser pisoteado por uma multidão... Mas que higiene mental fazê-lo, que gratificante o resultado! Ah! Essas cidades históricas... 

Só a fé explica tudo, mas nada explica a fé. Quando sai o andor na porta principal,  o povo diante da igreja aplaudi. Ninguém ao microfone sugeriu as palmas, mas batem assim mesmo. É uma convenção coletiva, todos o sabem. No meio da procissão serpenteante, um devoto qualquer, do nada, grita repentino, entoando enfático: "Viva Nossa Senhora do Carmo!" e como um código que todo mundo entende, não há quem não responda viva, "Vi...vaaah!"... É a vida, a vivência. Por que ele gritou ali, naquele momento, nem antes nem depois? Nada diferente, a mesma marcha, mas o povo todo irrompe em resposta. Talvez o "viva" foi após um dobrado da banda ou de uma chuva de pétalas de um sobrado ou de uma descarga de fogos de artifício, que o povo mesmo vai colocando diante de suas casas ao longo do trajeto. Isto é fé. 

Quem foi na festa a dez anos a viu assim. A vinte, também. Se foi esse ano já sabia o que ia ver. Mas foi assim mesmo. Se for ano que vem, verá de novo, igualmente, novas caras, mas a mesma festa. Mas vai. Não deixa de ir, porque no colo de sua mãe viera a quarenta, cinquenta, sessenta anos atrás, e ganhara um saquinho de pipocas, ou talvez um algodão doce, um cartucho de amêndoas, um cata-vento, um pacotinho crocante de beijo quente, ou uma espiga de milho verde cozido. Por isto hoje traz o seu filho, ou neto. Ou terá sido um sineiro no passado? Voltará aquele devoto por saudade dos dobres? O bronze ainda ecoa em seu coração. Talvez não. O motivo talvez fosse por ter sido um dia anjinho de procissão e agora a espiritualidade o convoca de novo à festa. Ou paga uma promessa silenciosa marchando descalço na procissão pelos velhos paralelepípedos? Será para pedir uma nova graça? Por que volta...? Isto é tradição. 

A massa humana transita nas ruas que são memoriais coletivos. O cenário é inclusivo e ao mesmo tempo, exclusivo. Paisagem cultural... De antigos janelões pendem toalhas caprichosas e jarros de flores que os moradores disponibilizam. É a maneira deles enfeitar a passagem. Uns fiéis assistem de um largo. Não seguem, mas automaticamente se persignam ao passar o andor rodeado de lanternas e seus lábios balbuciam algo. Sinos de outras igrejas enchem o ar homenageando o andor que passa. O andor balanceia em ombros, triunfal, mas sem soberba. Todo mundo fotografa, filma. Quer uma lembrança, um registro. 

Na Rua Direita o cortejo toma a reta final. O giro pelo centro histórico está completo. Um belo estandarte abre alas; irmãos de opa de muitos sodalícios trazem varas de prata ou são ceroferários, carregando grossas velas de cera. Crianças olham atentas. Sua cabecinha registra tudo. Os sinos carmelitas badalam de novo. Os andores da Virgem e de São Simão Stock se alinham no Largo do Carmo. Quando o pálio chega o foguetório espouca no ar. Não um foguetório qualquer, mas sim um show pirotécnico ao pé da letra. O povo lota as vias e o céu parece que ganha mais estrelas ou que elas estão mais perto, luminosas, resplandecentes. Alguns fogo sugerem um cataclisma de luzes. Parece que um êxtase coletivo toma conta de tudo. 

A procissão entra; não cabe todo mundo. Os mais impetuosos querem tocar na imagem, esticam os braços, nem que seja a ponta dos dedos, como fizera aquela enferma que tocou a orla do manto do Senhor na multidão. Querem levar uma flor do andor para casa. Fica no oratório porque é benta, dentro do travesseiro para abençoar o sono, no bolso do paletó para guardar o usuário, desidratada na gaveta do escritório para proteger o trabalhador, pétalas de uma rosa do andor numa bacia de água para um banho expurgam todos os males, ou fervida em chá aliviaria enfermidades. 

De fora é burburinho: confraternização, barraca de doces, pastel, víspora, porque festa é isto também. Se assim não fosse não prestava. É um bônus.

Depois de uma festa dessas o devoto crê que muitas almas foram resgatadas do purgatório pela força de Maria. Feliz daquele que usa seu escapulário! Quantos mistérios insondáveis... Ah! Essas cidades históricas... 

"parece que um êxtase coletivo toma conta de tudo" ... 

"talvez fosse por ter sido um dia anjinho de procissão" ... 

"Um belo estandarte abre alas" ...

"O cenário é inclusivo e ao mesmo tempo, exclusivo" ...

"O andor balanceia em ombros, triunfal, mas sem soberba" ...

 "se persignam ao passar o andor rodeado de lanternas" ...

"Só a fé explica tudo, mas nada explica a fé" ... 

"são ceroferários, carregando grossas velas de cera"...

"A festa permite a contemplação" ... 

"Crianças olham atentas. Sua cabecinha registra tudo"... 

"Na Rua Direita o cortejo toma a reta final" ...

"São Simão Stock se alinha no Largo do Carmo"...

"uma chuva de pétalas de um sobrado" ...

"fogos de artifício sugestionam um cataclisma de luzes" ...

"O céu parece que ganha mais estrelas" ...

Notas e Créditos: 

* Texto: Ulisses Passarelli.
** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 16/07/2015.
*** Sobre esta comemoração, leia também neste blog: 


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