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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 5 de março de 2025

Bloco da Burrinha de Alto Rio Doce, Zona da Mata

 

De início é fundamental observar algumas informações panorâmicas sobre o município, extraídas do portal do IBGE: população estimada em 2024 de 10.994 pessoas; densidade demográfica em 2022 de 21,02 hab./km2. Gentílico alto-rio-docense. Área municipal 518,053 km2, sendo a área urbanizada de 2,37 km2. Está inserido na Mesorregião Zona da Mata, Microrregião de Viçosa, Zona Intermediária e Zona Imediata de Barbacena. O bioma predominante é a Mata Atlântica. O gado leiteiro e a produção de carvão vegetal são expressivos no município. Na agricultura o cultivo de cereais tem seu expoente no milho, seguido do feijão; entre as lavouras permanentes o destaque é a tangerina e nas temporárias, a cana de açúcar (BRASIL, 2025).

Um resumo do histórico, segundo a mesma fonte é o seguinte:

antes da colonização, era habitado por índios Croatas e Puris, de origem Tupi, espalhados por toda a região. Os primeiros exploradores vieram de Guarapiranga, atual município de Piranga. Desceram pelo Rio Espera e daí subiram pelo Rio Xopotó, objetivando a exploração de minérios. Em 1711, o Alferes Francisco Soares Maciel, líder de uma bandeira, chega à região do Xopotó e funda um dos primeiros arraiais da região, denominado São Caetano do Xopotó. Este arraial trouxe ainda mais exploradores que se espalharam e se fixaram às margens do Rio Xopotó, criando novos povoados.
Em 1759, quando José Alves Maciel chegou à região, esta já se encontrava habitada por bandeirantes e índios Croatas e Puris. Tais terras haviam sido doadas para José Alves Maciel pelo Rei de Portugal, recebendo do Governador interino, José Gomes Freire de Andrade, uma sesmaria, denominando sua residência Xopotó. Acima, mais tarde, casou-se com D. Vicência Maria de Oliveira, mulher que muito influenciou para a construção da primeira capela e a doação de terras para a atual cidade de Alto Rio Doce. A sesmaria de terras doada a José Alves Maciel transformou-se em fazenda e passou a denominar-se Fundão e posteriormente, com a construção da capela, passou a chamar-se Sítio São José. Com a fixação de mais moradores, fundou-se o povoado de São José do Xopotó, em 19-03-1764, onde foi construída a primeira Capela de São José, no alto do Morro Seco, desenvolvendo ali o povoado núcleo da cidade. Em 1820 foi construída pelos moradores uma capela maior no lugar onde hoje está a Igreja Matriz. Em 1830 a Capela foi elevada a Curato, e em 1832 o Curato foi elevado à Freguesia, tendo as Capela de Desterro do Melo, Rio Espera, São Caetano e Senhora dos Remédios como filiais. A Paróquia foi instituída em 1833, tendo o Padre Agostinho Cezário de Andrade como seu primeiro Pároco. Em 1882 a Capela foi demolida e foi construída em seu lugar uma Igreja de duas torres. Entre 1917 e 1919 essa Igreja foi demolida e construída a atual Igreja Matriz de São José pelo Padre Messias de Senna Batista. O nome de São Sebastião do Xopotó, permaneceu até a emancipação política do Município. Quando foi elevado à categoria de Vila, a Sede Municipal passou a denominar-se Alto Rio Doce, por ser naquela época a mais alta cidade localizada na zona das cabeceiras(nascentes) do Rio Doce. O povoado foi elevado a Vila com o nome de Alto Rio Doce através do Decreto n° 26, em 07-03-1890. Em 24-05-1892, foi elevada a categoria de Cidade. (BRASIL, 2025).

Sobre a sua história administrativa consta que:

Freguesia com a denominação de São José do Xopotó, pelo Decreto de 14-07-1832 e pela Lei Estadual n° 2, de 14-09-1891. Elevado à categoria de Vila com a denominação de Alto Rio Doce, pelo Decreto Estadual N° 26, de 07-03-1890, desmembrado do Município de Piranga. Sede na antiga povoação de São José do Xopotó. Constituído de 3 Distritos: Alto Rio Doce (ex-São José do Xopotó), Dores do Turvo e São Caetano do Xopotó. Instalado em 30-08-1890.Elevado à condição de Cidade com a denominação de Ato Rio Doce, pela Lei Estadual nº 23, de 25-05-1892. Em Divisão Administrativa referente ao ano de 1911, o Município é constituído de 3 Distritos: Alto do Rio Doce, Dores do Turvo e São Caetano do Xopotó. Nos quadros de apuração do Recenseamento Geral de 1-09-1920. Pela Lei Estadual n° 843, de 07-09-1923, Alto do Rio Doce, adquiriu do Município de Barbacena o Distrito de São Domingos de Monte Alegre.
Em Divisão Administrativa referente ao ano de 1933, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto Rio Doce, Dores do Turvo, São Caetano do Xopotó e São Domingos do Monte Alegre. Assim permanecendo em Divisões Territoriais datadas de 31-12-1936 e 31-12-1937. Pelo Decreto-Lei Estadual N° 148, de 17-12-1938, é criado o Distrito de Abreus e anexado ao Município de Alto Rio Doce. Sob a mesma Lei supracitada desmembra do Município de Alto Rio Doce o Distrito de Dores do Turvo, para formar o novo Município de Senador Firmino (ex-Conceição de Turvo). E, ainda o Distrito de São Caetano do Xopotó passou a chamar-se Cipotânea e São Domingo de Monte Alegre tomou a denominação de São Domingos. No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus, Cipotânea e São Domingos. Pelo Decreto-Lei Estadual n° 1058, de 31-12-1943, o Distrito de São Domingos passou a chamar-se Missionário.
No quadro fixado para vigorar no período de 1944-1948, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus, Cipotânea e Missionário. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 01-07-1950. Pela Lei Estadual n° 1039, de 12-12-1953, desmembra do Município de Alto Rio Doce o Distrito de Cipotânea. Elevado à categoria de Município. Em Divisão Territorial datada 01-07-1955, o Município é constituído de 3 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus e Missionário. Assim permanecendo em Divisão Territorial datada de 01-07-1960. Pela Lei Estadual n° 2764, de 30-12-1962, é criado o Distrito de Vitorinos e anexado ao Município do Alto Rio Doce. Em Divisão Territorial datada de 31-12-1963, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto Rio Doce, Abreus, Missionário e Vitorinos. Assim permanecendo em Divisão Territorial datada de 2007. (BRASIL, 2025).

            A drenagem fluvial do município faz parte da bacia doceana, “banhado pelos rios Piranga, Xopotó, Mutuca, Brejaúba” contando com o atrativo paisagístico de diversas quedas d’água, sendo favorecido pela amenidade climática (temperado úmido). Tanto mais, destacam-se os “eventos voltados para gastronomia tais como: Festival de Angu, Festival de Cachaça e Festival de Gastronomia na modalidade comida de boteco” (MINAS GERAIS, 2025).

O brasão municipal destaca a agropecuária (ramos de café e milho; cabeça de boi) e a devoção católica a São José, padroeiro do município. (ALTO RIO DOCE, 2025).

No campo da cultura popular é tradicional a congada (marujos) do distrito de Missionários. Já no decorrer do carnaval o “Bloco da Burrinha” reúne grande quantidade de participantes e acontece desde 1968. Atualmente o bloco desfila em três dias sucessivos: domingo, segunda e terça de carnaval, denotando sua grande popularidade.

Em linhas gerais atende ao padrão geral dos Ranchos de Boi brasileiros, com desfile alegre, descontraído, que reúne fantasiados de todo tipo, e o boi ao centro fazendo correrias de pega nos foliões incautos ou naqueles provocadores. Junto a este núcleo surgem outros personagens gravitando em torno da movimentação do boi. No caso específico de Alto Rio Doce, são vários bois e burrinhas (ou mulinhas, como ouvimos foliões também a chamarem), além de diversos bonecos gigantes. Embora sejam personagens comuns a outros blocos ou ranchos equivalentes, neste município em especial a burrinha se sobrepôs em preferência à nomenclatura da manifestação cultural, um fato incomum. No geral é o boi que polariza o nome do grupo.

Ao observar as alegorias algumas características afloram de imediato. Os bonecos tem estrutura corporal simples, trajes imitando a roupa humana (calça, camisa, vestido) em grande tamanho; mas a cabeça tem aspecto aprimorado, sendo possível reconhecer as fisionomias que retratam, de personagens reais ou fictícios. Os bois e burrinhas possuem o mesmo sistema construtivo: armação metálica leve, fina, revestida de tecido de cor intensa. O brincante fica dentro da alegoria até a altura da cintura e o restante do corpo de fora, como se cavalgasse o boi ou a burrinha. Essa leveza estrutural e a cabeça totalmente para fora (o que dá boa visão), favorece as corridas atrás das pessoas. No geral os bois tem o chifre longo, bem arqueado, em forma de meia lua. Todos tem cabeça de pano, o que também contribui para a leveza da alegoria. Todo dançante de um boi ou de uma burrinha veste-se com calça e blusa de corte simples, tosco no acabamento, em tecido ramado ou florido (chitão) e invariavelmente mascarado. As máscaras observadas são de feitura industrial, em látex, silicone ou acetato, representando monstros e outros seres bestiais. É provável que esses aspectos representem processos de alteração evolutiva, favorecida pelas múltiplas possibilidades de material industrializado facilmente disponível, mais acessíveis, e já praticamente prontos, em relação ao grande trabalho manual para produzir cabeças de bois a partir de caveiras, armações trançadas de bambu e máscaras a partir de pedaços de couro.

A parte musical fica a cargo de uma banda de música, acompanhada de bateria de percussão. Tocam marchinhas carnavalescas durante o cortejo. Não observamos canto específico.

Uma característica observada em Alto Rio Doce é o translado das alegorias e músicos antes do desfile. Na tarde, carros e ônibus atravessam a cidade carregando-os, sob o som de buzinas e sirenes, como que emitindo um alerta de preparação a chamar a atenção das pessoas. Dentro dos ônibus os percussionistas põem-se em batucada. Bois, burrinhas e gigantes vem em uma carroceria de caminhão. O cortejo motorizado atravessa diversas ruas e se concentra em um dos extremos da cidade. Na hora aprazada, partem de volta pelas ruas com os veículos, para o outro extremo da cidade, próximo ao cemitério. No largo fazem a concentração final antes da saída. Descem todos dos veículos e de pés no chão vão preparar-se dentro das alegorias, vestir as máscaras, dar vida aos bonecos. Músicos aprontam os instrumentos, afinam, aquecem os tambores. Há muita agitação, principalmente dos jovens, que formam uma grande massa de foliões. A animação toma conta do ar.

Vídeo 1: cortejo motorizado, trazendo foliões diversos, músicos e alegorias. 

Autor: Betânia Nascimento Resende, 03/03/2025

O cortejo inicia a descida ao centro da cidade. Na ladeira, já os bois e burrinhas disparam desenfreados na frente, pondo em corrida uma multidão de crianças até a praça onde está a Prefeitura e o Fórum. Os bonecos descem no meio do cortejo, devagar, com dança comedida e compassada. Um mais habilidoso faz corrupios com a grande estrutura de um boneco. Na retaguarda os músicos. E o povo folião ao redor, por toda parte. A alegria é contagiante, o ritmo envolvente. Uns jogam confete, outros, espuma de spray. Há muitas pessoas com fantasias variadas, mas nota-se ser comum as fantasias de “coelhinho” por parte das jovens.

O desfile segue ao lado da Igreja Matriz e vai até a Capela do Rosário, junto ao coreto. Param ali por um tempo. Há muita gente reunida naquela praça, que os estava esperando. Igualmente pelas calçadas, pessoas em aguardo do cortejo passam a acompanhar na passagem do grupo de foliões, que desta forma vai se encorpando.

Depois descem a grande ladeira ao centro e vão por fim em direção à área próximo a Rodoviária para o encerramento.

Não restam dúvidas ao contemplar este folguedo acerca de sua tradicionalidade e o aspecto identitário com o povo alto-rio-docense. O envolvimento da parcela juvenil e infantil da cidade faz antever a esperança de continuidade com o passar dos anos; a grande quantidade de pessoas à margem das calçadas ansiosas pelo cortejo demonstra com clareza o senso de pertencimento. A própria ornamentação carnavalesca das ruas por parte da Prefeitura Municipal remete à estética do Bloco da Burrinha. Tudo isto se soma para demonstrar as características imateriais desse genuíno patrimônio cultural de Alto Rio Doce.

Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE: Alto Rio Doce. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/alto-rio-doce/panorama   Acessado em: 04 mar. 2025.

MINAS GERAIS. Portal Minas Gerais: Alto Rio Doce. Disponível em:  https://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/alto-rio-doce   Acessado em: 04 mar. 2025.

ALTO RIO DOCE. Site Prefeitura Municipal. Disponível em: https://www.altoriodoce.mg.gov.br/portal/servicos/1011/simbolos-oficiais/    Acessado em: 04 mar. 2025.

Créditos

Texto: Ulisses Passarelli

Fotografias (03/03/2025): Ulisses Passarelli (1 a 17) e Betânia Nascimento Resende (18 a 27).

Informantes locais: irmãos Márcio e Edmilson Teixeira Guimarães, sobrinhos de um dos fundadores, Zé Marcelo. Agradecemos a gentileza da atenção e informação.  

1- Brincante em uma alegoria de boi. 

2- Diversidade de bonecos.

3- Boi mocho (sem chifres). 

4- Burrinha. 

5- Boneco representando Zé Marcelo, um dos fundadores. 

6- Mais um boi. 

7- Bonecos em ação durante o desfile.
Aos fundos, o imponente prédio do Fórum. 

8- Traje típico e riqueza de movimento. 

9- Cortejo ganha as ruas, enchendo-as de alegria. 

10- Bloco na rua une a contemplação do patrimônio material e imaterial. 

11- Desfile diante do prédio escolar. 

12- Detalhe de um boneco. 

13- Boneca ornamentada com adereços carnavalescos. 

14- Coreto ornamentado; banner tematizado no Bloco da Burrinha. 
O coreto funciona como base de sonorização. 

15- As crianças iniciam na brincadeira. 

16- Criança descansa sentada sobre um boi. 

17- Placas de ornamentação carnavalesca na via pública,
tematizadas no Bloco da Burrinha. Ao fundo, a Igreja Matriz de São José. 

18- Boneca inspirada na "Rainha de Copas", personagem 
do conto "Alice no País das Maravilhas". 

19- Boneca com adereço de cabeça que lembra uma "Melindrosa". 

20- Bonecos ao lado da Igreja Matriz. 

21- Detalhe da banda. 

22- Bateria e Igreja Matriz. 

23- Cores vivas são onipresentes. 

24- Folião com camiseta alusiva ao nome do bloco.

25- Detalhe do sistema de cavalgadura: uma haste transversal é segura 
para ajudar no guiamento da alegoria; suspensório a mantém nos ombros;
estrutura vazada permite o folião ficar com meio corpo para fora e outra
metade para dentro, com os pés no chão; parte interna não visível por conta do tecido
que imita o couro. 

26- Ornamentação da Praça do Rosário. 

27- Outro aspecto da ornamentação. 
 
Início do desfile do Bloco da Burrinha. 
Vídeo: Ulisses Passarelli, 03/03/2025.


Assista também: 

https://www.instagram.com/p/DGv6GR6vVow/  



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