As manifestações culturais chamadas coletivamente pelos pesquisadores de "Rancho do Boi" eram outrora bem mais numerosas no centro-sul mineiro. Contudo, com o passar dos anos sofreram acentuada redução, desaparecendo de diversas localidades. Via de regra se caracterizam pela grande descontração, alegria gerada pela figura de um dançante oculto sob a alegoria de um boi, que em danças e simulações de avanço e recuo sobre os circunstantes, alegra os foliões e em especial as crianças. A música se faz conforme o local com charangas e baterias. Sem entrecho dramático explícito e desprovido daquela vastidão de personagens do Bumba-meu-boi, os Ranchos de Boi são grosso modo sua variante simplificada, ou melhor, um outro formato de manifestar e interagir com o personagem boi, não obstante munida de identidade própria. Tais ranchos tem habitualmente um caráter lúdico (alguns grupos são de finalidade religiosa) e são bastante difundidos em Minas Gerais, muito embora não sejam exclusivos do solo mineiro. Em Barroso a versão local desta manifestação cultural é chamada de Boi Mamado.
Barroso encontra-se situada no vale do trecho médio do Rio das Mortes, Mesorregião Campo das Vertentes, Microrregião, Região Imediata e Região Intermediária de Barbacena. Seu atual território (82.070 km2) era no passado entrecortado por uma das vias de ligação entre o Caminho Velho e o Caminho Novo, importantes passagens de acesso às áreas de mineração aurífera no período colonial. Atualmente é a Rodovia BR-265 que o atravessa, conectando a BR-040 à BR-381 (Rodovia Fernão Dias) transversalmente. A população estimada para 2024 era de 20.566 pessoas e, da mesma fonte, como um resumo histórico, constam as seguintes informações no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística:
A referência mais antiga à Fazenda do Barroso é de 1715 quando Antônio da Costa Nogueira, procedente de Vermoim em Portugal, aqui se estabeleceu. Dentre os povoadores da região seu nome se destaca, foi responsável pela construção de uma capela dedicada a Senhora Sant’Ana. A fim de assegurar o valor do dote exigido para edificação das capelas particulares, hipotecou seu sítio conforme escritura pública em 05/03/1729. A localização da fazenda e da antiga capela era nas imediações da “rua da Mina” conhecida por muito tempo como “Barroso velho”. A sesmaria da fazenda do Barroso em 10/09/1765 foi concedida ao português João Luiz Coelho de Garre, sucessor de Antônio da Costa Nogueira, de quem era herdeiro e testamenteiro. Já no inicio do século XIX, a fazenda foi vendida ao capitão José Francisco Pires, abastado fazendeiro, senhor de considerável número de escravos. Com seu falecimento em 12/09/1835 houve a divisão dos bens aos seus 13 filhos, cabendo parte das benfeitorias ao filho Francisco Antônio Pires. Algumas propriedades aos poucos eram edificadas e assim como a velha fazenda do Barroso, dedicavam-se à agricultura. Um novo caminho era desbravado em 1732, passando pela fazenda do Barroso como via de comunicação para a extensa vila de São José Del Rei, à qual inicialmente Barroso esteve subordinada, sendo transferido em 1791 para a Vila de Barbacena.
O padre Manoel Valente de Vasconcelos foi o primeiro capelão designado para a capela de Sant’Ana em 1734.
As primeiras sesmarias para esta região foram as seguintes: fazenda do Chiqueiro em 03/07/1758 a Thomas da Silva, em 19/11/1758 sesmaria concedida a Antônio Lopes da Silva, sesmaria da fazenda Ribeirão do Maquiné a Manoel da Silva Loures em 14/09/1758, sesmaria de Antônio d’Ávila Bitancurt em 29/11/1759, sesmaria da fazenda do Campinho a Antônio Garcia em 03/09/1769.
O patrimônio da capela de Sant’Ana foi constituído por Francisco Antonio Pires em 16/12/1860 limitando os terrenos pertencentes à santa e aos moradores que aos poucos se arranchavam. A chegada da estrada de ferro em 1879 trouxe o progresso para a pacata região. A partir de então, a velha capela de Sant’Ana seria ampliada para sediar a Matriz da Paróquia criada em 17/01/1884.
A formação do arraial se deu justamente nas imediações do Patrimônio de Sant’Ana. Os fazendeiros construiriam suas casas próximas à matriz a fim de participar dos festejos religiosos. Os viajantes que circulavam pelos caminhos faziam parada no arraial, diziam “ter pousado no Barroso”.
Barroso foi denominação escolhida numa alusão à histórica fazenda do Barroso. (IBGE, 2025)
A proximidade territorial de Barroso com os maiores centros de produção aurífera da bacia do Rio das Mortes é muito grande. Ainda assim o contexto imediato de sua origem, a se basear no resumo histórico acima transcrito, aponta para a atividade agropecuária, típica de uma fazenda como algo marcante em seu passado pré-republicano. Já no século XX foi o desenvolvimento de um distrito industrial que impulsionou a economia local e contribuiu para gerar oportunidades econômicas que favoreceram o crescimento da urbe, notadamente o funcionamento de uma unidade produtora de cimento.
Quanto à gênese do Boi Mamado, há muitos anos havia na cidade uma outra brincadeira de Boi que o o precedeu. Segundo fonte oral, a alegoria era simples na composição, com estrutura de balaio de bambu, coberto de tecido e a cabeça feita de uma caveira de boi. Chamava-se Boi Pegador e a brincadeira carnavalesca era caracterizada pela correria, pois o tal Boi tinha por atividade correr atrás das pessoas. Se alguém parava de correr a cabeçada era certa e a pessoa vinha ao chão. Daí aparentava como uma brincadeira que era até perigosa. Com o passar dos anos deixou de ser praticado.
Anos depois, em 2002, um grupo de amigos, conversando em um mercadinho, lembraram-se do Boi Pegador e resolveram reviver sua figura, mas já em um formato mais adequado à nova época, em configuração de bloco e sem os riscos do corre-corre. Na decisão pelo nome escolheram o epíteto "mamado", que na gíria, significa bêbado, embriagado. Compraram um boi, de pano preto para iniciar a atividade.
Criado no início do século pelo empresário Denner Graçano, o Teco da Sara e companhia, é o responsável por abrir, em alto estilo, a festa mais popular do planeta. (...) A grande novidade deste ano de 2025, é o reforço da Banda de Música de Barroso, que sob a regência do Maestro Aloísio, vem com quase todos os seus integrantes, estima-se 50, para puxar o Boi Mamado. (BARROSO EM DIA, 2025)
Os esforços de manutenção do Boi se fazem com recursos próprios dos organizadores e simpatizantes, apoios e contribuições. A Prefeitura cuida da estrutura maior, de funcionamento do carnaval, essencial ao evento. Há uma quantidade significativa de seguranças trabalhando na guarnição do bloco.
A concentração acontece no Centro da cidade (Rua Joaquim Ferreira), a partir das 20 horas. De início, um caminhão de sonorização gerou a música, que aos poucos atraiu as pessoas. Significativo destacar o clima tranquilo do bloco do Boi Mamado, reunindo moradores de todas as faixas etárias e visitantes, fantasiados ou não. Fantasias livres, no sentido de ser de todo tipo, sem uma temática específica.
Em dado momento, a sonorização mecânica deu lugar à batucada (Batuque na Praça), que ampliou a animação em ritmo percussivo, com acompanhamento de dois cantores, que executaram diversas músicas populares. O Boi desfilou a partir das 23 horas, até a Praça do Forninho.
O bloco do Boi Mamado desfilou com dois bois: um menor, mais operacional, é aquele que o dançante vai sob ele, obedecendo ao formato típico; ele ginga, faz corrupios, passeia no meio do povo esparramando alegria e colorido. O segundo boi tem uma composição mais alegórica, dado seu grande tamanho. Embora sem ter sido medido com uma trena, pode ser estimado em torno de três metros de comprimento por dois de altura, aproximadamente. É montado sobre um carrinho de canos metálicos, com rodízios. Durante o desfile do bloco é arrastado pelas ruas, enquanto o boi menor dança ao modo tradicional entre o povo. Ambos chamam muito a atenção pelo primor dos bordados de seu manto de cobertura, a riqueza do acabamento, o capricho das cores e detalhes.
Assim a tradição se conserva em Barroso, ajustada às novas condições sociais. Formatado como um bloco, arrasta atrás de si, rua afora, uma multidão de foliões animados pelo trio elétrico, que segue na dianteira no momento do desfile, enquanto na concentração uma diversidade musical perpassa as horas. Uma busca ainda que breve às plataformas de redes sociais revela a concorrência popular ao desfile do Boi Mamado. Mas o elemento central motivador, o grande ímã que é o Boi, mantém-se vigoroso com toda sua simbologia inabalável. Barroso com seu Boi Mamado forma como que um eixo com os municípios vizinhos de Coronel Xavier Chaves (Boi de Caiado), Prados (Boi Mofado) e Dores de Campos (Boi do Major), à guisa de um núcleo, onde a tradição carnavalesca dos Ranchos de Boi está em vigor. Sobrevivendo às ondas massivas de transformação da folia momesca, os Bois ainda configuram uma página tradicional dos carnavais da região.
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O boi maior, como uma alegoria sobre um carrinho de arrasto durante o desfile. |
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O boi menor, movido por um dançante sob sua estrutura. |
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Batuque na Praça. |
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Banner com logomarca do Boi-mamado. |
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Caminhão de sonorização. |
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Presença de muitos participantes. |
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O boi dançando no meio do povo. |
Créditos
Texto e fotografias (27/02/2025): Ulisses Passarelli
Agradecimentos pela presença e apoio de Iago C.S. Passarelli e Bruno N. Campos.
Referências
Barroso. IBGE: panorama cidades, 2025. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/barroso/panorama Acessado em: 28 fev.2025
Com reforço da Banda de Música, Boi Mamado abre carnaval de Barroso.
Barroso em Dia, 27 fev. 2025. Disponível em: https://barrosoemdia.com.br/cultura/com-reforco-da-banda-de-musica-boi-mamado-abre-o-carnaval-de-barroso/ Acessado em: 28 fev.2025
Informações orais
Aníbal Possa, 27/02/2025, a quem agradecemos.
ASSISTA ESTE VÍDEO:
https://www.instagram.com/reel/DGnkGGSOtB_/?igsh=MWd0ZXowMXRsa2twMA%3D%3D
Muito importante registrar sobre as manifestações autenticadas do nosso Carnaval. Muitos Parabéns. Abraço, Luiz Cruz
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