Nas cidades históricas existe uma atmosfera tão peculiar nesse dia, que não há palavras que a defina. Além dos ritos sagrados da Igreja, das celebrações, muitos costumes populares se observam neste dia.
Aqui em São João del-Rei e arredores, uma antiquíssima tradição leva muitos à serra, madrugadinha, famílias inteiras, até o alto dos montes pedregosos, onde o reencontro com o Deus acontece. Desafoga-se o peito... preces, entretenimento, apreciação da natureza, colheita de ervas medicinais _ que valem para o ano inteiro, tidas por bentas. Diz a crença que a colheita de arnicas, rosmaninhos, alecrins, congonhas e outras deve ser antes do sol secar o orvalho das folhas, pois esta umidade consideram sagrada. Uma senhora dizia-me que é como o suor de Jesus Cristo... sagrado. Neste dia tudo é assim.
Nas roças não se vende leite na Sexta-feira Santa. Nos currais os retireiros esgotam as vacas e doam o leite às pessoas. É costume fazer doce com este leite. Em São João del-Rei, muitas pessoas saem do Tijuco e vão pelo caminho das Águas Gerais até o Cunha, Brumado de Baixo, Chapada e São Gonçalo do Amarante, do outro lado da Serra do Lenheiro buscar leite, bem cedo.
Por força de uma prescrição inquebrantável não se deve trabalhar na busca do lucro. É dia de preceito. Mexer com ferramentas de carpintaria nem pensar... martelo? De jeito nenhum! Não se bate um prego neste dia, não se imita o gesto ignóbil de pregar o Salvador.
Não xingar, não cuspir, não beber, não comer carne, não ouvir música por mero entretenimento, não assoviar nem cantarolar, não demonstrar alegria, não contar piadas, não caçar, não pescar, não jogar futebol, baralho ou qualquer outro jogo, etc... A tradição não recomenda. Não é tempo de mostrar alegria. Deve-se concentrar na memória da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nem os sinos batem. Só as matracas nas portas das velhas igrejas: "_ para a cera do Santo Sepulcro!" _ clamam os meninos quando recolhem um óbolo, matraqueando estrepitosamente.
Três da tarde é hora do máximo respeito, 15 horas, quando o Messias fechou os olhos. Nos quintais, fura-se um buraco pequeno no chão e se cospe três vezes dentro e enterra-se (os males...). Depois se bebe um copo de chá (de congonha, de erva-cidreira ou outra).
Junto aos templos algumas pessoas vendem arnicas, congonhas e rosmaninhos. Outros mais, milho verde cozido, cartuchos de amêndoas, beijo quente e maçã do amor. Alimentos de valor cultural.
Enquanto isto, outros tantos manipulam areias e serragens tingidas e preparam os típicos tapetes de rua que logo mais, à noite, receberá a Procissão do Enterro. Arte efêmera, de construção coletiva, criatividade pura, dinâmica e de baixo custo, sacralizando as vias públicas.
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Aspectos da confecção dos tapetes de rua. |
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Jovens na entrada da Igreja de São Francisco com matracas recolhem donativos anunciando a característica frase: "_ Para a cera do Santo Sepulcro!" |
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Comércio de arnica e outras plantas medicamentosas e aromáticas. |
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 14/04/2017, São João del-Rei
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