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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 10 de agosto de 2025

Antônio Garcia da Cunha, o Bandeirante

      Resumo dos antecedentes históricos

 

Existem algumas notícias que se referem a expedições que teriam adentrado o interior do território que hoje pertence a Minas Gerais, na primeira metade do século XVI, mas nada que fosse substancial. A noção de que em tal ermo existiam riquezas como ouro e esmeraldas já vigorava, despertando curiosidade e interesse [1].

Consta que em 1553 o Rei de Portugal, Dom João III, teria dado ordens ao Governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, que pesquisasse pelas nascentes do Rio São Francisco, posto que fora informado que os espanhóis descobriram esmeraldas e ouro em seu lado do Tratado de Tordesilhas. A fim de cumprir tal ordem, foi encomendada a tarefa ao castelhano Francisco Bruza Espinosa. Partiu a entrada com vários companheiros, palmilhando o sertão pelo vale do Rio Pardo e chegou ao São Francisco, passando por terras hoje em parte na Bahia e outro tanto em Minas Gerais. Os relatos desta viagem foram registrados pelo Padre Jesuíta João de Azpilcueta Navarro, conforme texto da Wikipédia. O sonho das esmeraldas e outras riquezas tomaria corpo em numerosas expedições.

Ainda segundo a Wikipédia, Sebastião Fernandes Tourinho, vinte anos mais tarde, empreendeu uma jornada admirável ao hinterland, a partir de Porto Seguro, na Bahia. Desceu a costa embarcado. Alcançou a foz do Rio Doce, o qual foi à montante. Junto à sua formação teria descoberto pedras verdes, que supunha serem esmeraldas. Não se sabe com exatidão o local ao qual chegou, posto que o Rio Doce seja formado basicamente pela fusão dos rios Piranga, Carmo e Xopotó; não há informes exatos de qual desses braços fluviais seguiu, variando as informações entre as atuais regiões de Ouro Preto, Viçosa e Arapongas.

Óbvio que tal notícia causou alvoroço. O desejo das fortunas minerais era um antigo sonho dos colonizadores. É mister recordar que o fidalgo português Brás Cubas empreendeu expedição ao interior em 1560, que supõe ter alcançado o Rio São Francisco após transposição da Mantiqueira [2].

Logo Portugal esteve sob o domínio espanhol (1580-1640) e mesmo que naqueles tempos já outros tentassem o sonho da riqueza, o foco era a preação de indígenas para o regime da escravidão e posse de suas terras. Em 1601 André de Leão penetrou através da Serra da Mantiqueira a área do atual sul mineiro, vale do Sapucaí, até o Rio Grande. Sua passagem foi significativa na abertura de caminhos para as bandeiras seguintes. E foram muitas, mas a par da busca pelas preciosidades, não encontradas por décadas, foram os índios que sofreram sob encarniçada perseguição dos bandeirantes paulistas, que os aprisionaram aos milhares pelo interior do país, destruindo inúmeras tribos e deixando incontáveis mortos para trás.

Após Portugal recuperar sua individualidade administrativa, os planos de alcançar as riquezas cresceram e haveriam de ser estimulados. Precisava-se delas para se restabelecer e o incentivo era crescente. Por essa época a captura de povos originários perdeu intensidade aos poucos e a busca pelo ouro aumentou.

Acreditavam portugueses e espanhóis que em algum lugar da imensidão territorial da América existia o El Dorado, montanha de intermináveis riquezas. Os índios, por sua vez, falavam da serra resplandecente, Sabarabuçu, com montanhas de ouro. Havia ainda, desde os primórdios da colonização, as narrativas amerabas acerca do Caminho de Peabiru, longuíssima estrada continental dos povos primitivos do litoral paulista aos Andes, onde havia riquezas sem fim. Segundo VILAR (2013), “havia também a história do Reino de Payati, o qual seria rico em ouro e prata, e ficaria localizado em algum lugar no centro do continente.” Tais rumores estimularam as expedições ao interior vastíssimo.

Fernandes Tourinho já sinalizara a existência das pedras verdes, supostas esmeraldas, de fato, turmalinas. Atrás de tantas riquezas imaginadas partiram diversas expedições sertanistas nos séculos XVI e XVII. As nascentes do Rio São Francisco eram um alvo frequente. Fato é que as sucessivas bandeiras foram aos poucos firmando caminhos e trazendo a lume o território ermo. Foi nesse clima que Fernão Dias Paes organizou em 1674 a célebre “Bandeira das Esmeraldas”. Partindo de São Paulo adentrou pelas terras do vale do Rio Paraíba do Sul, transpôs a Mantiqueira e o sul mineiro, o Rio Grande, o vale do Rio das Mortes e rumou para nordeste, alcançando seu ponto extremo no vale do Jequitinhonha. Em sua jornada de sete anos iniciou povoações, esparramou gente até sem querer, em razão dos muitos desertores de sua bandeira, que buscavam novos pontos de fixação. Foi assim que trouxe moradores para o interior. Figura fundamental na formação inicial de Minas Gerais. Também achou as pedras verdes, e seu verde o fez também crer que eram esmeraldas. Com este alento, ao retornar, faleceu febril de “carneirada” (provavelmente, malária) no Vale do Rio das Velhas.

Outros e outros se sucederam sertão adentro até de fato se descobrir ouro significativo, em Itaverava, 1692, por Antônio Rodrigues Arzão. Outros descobertos se seguiram e isto atraiu milhares de aventureiros de toda parte, que se fixaram e povoaram muitas regiões.

As serras e rios norteavam as caravanas como marcos perenes na paisagem.

A Mantiqueira no início da jornada não tinha como ser desviada. Sua muralha gigante era transposta a partir do vale do Rio Paraíba do Sul pelas gargantas de Embaú, Piracuama e Piquete. Havia também o outro caminho, passando por Atibaia. O Caminho Geral do Sertão subia por passagens primitivas pela Serra das Carrancas, que norteava os viandantes rumo ao vale do Rio das Mortes (Ibituruna[3]) e bem mais tarde foi desviada a partir de Cruzília (primitiva Encruzilhada), fugindo de sua grimpa perigosa e sujeita às temidas tormentas, como alertou MOURÃO (2019, p.22-23). Esta autora fez considerações importantes sobre este atalho.

Do limite norte da Serra de Carrancas, em seu topo, olhando para frente, se avista ao longe o conjunto formado pelas serras de Ibituruna e Bom Sucesso. Pela direita, bem mais distante a nordeste, Lenheiro e São José, como referenciais geográficos.

Da mesma forma, se fosse tomado o atalho em Cruzília, tinha-se como referência maior o avistamento no horizonte do imponente Morro dos Dois Irmãos, e à sua esquerda, o Morro ou Serra da Covanca. Entre os dois a bocaina de passagem. Uma vez vencidos, também na opção deste atalho, o Lenheiro e o São José eram as referências geográficas subsequentes.

Na longa caminhada pelos campos-cerrados, ao longe, se avistava então, fosse pelo caminho velho ou pelo atalho, o vulto do Lenheiro, pareado com a Serra de São José, qual vigias altaneiros junto à passagem mais propícia do Rio das Mortes. Ali se tomava o rumo nordeste com mais vigor e certeza. Era o marco físico da conversão direcional da jornada, implicando na prática, no redirecionamento. Revelava aos povoadores e exploradores das Minas Gerais, que rumo tomar. Transpunham o vale do Rio das Mortes, demandando ao Tripuí, Rio das Velhas e outras áreas, sob o impulso do sonho geral das riquezas.

Após o Lenheiro e o São José, a Serra de Camapuã era a referência mais altaneira, visível desde aquelas. Adentrando pela várzea do Marçal, a seguir, como se num corredor de morros e serras, caminhavam tendo ao lado esquerdo as serras do Canhambora, Bom Retiro e Boa Vista, em Coronel Xavier Chaves; lá adiante as Vertentes, na travessia por Lagoa Dourada; logo mais, à direita, a imponente Camapuã, serra em parte no atual município de Entre Rios de Minas. Do lado oposto e adiante, a silhueta da Serra do Gambá, beirando Entre Rios e Jeceaba. Depois as bases meridionais da cadeia do Espinhaço, em São Brás do Suaçuí eram o guia de campo. Outro corredor vinha após, tendo a Serra de Ouro Branco à direita e a da Moeda à esquerda. A morraria do meio se transpunha com dificuldade, mas as grandes serras eram evitadas pelo alto risco e esforço maioral. 

Inúmeros relatos dão conta como tais caminhos foram trilhados. Após o ano de 1700 houve a facilitação do Caminho Novo, vindo direto do Rio de Janeiro às minas, com interligações até o caminho velho a partir da altura do Registro Velho (hoje em Sá Fortes, distrito de Antônio Carlos), Igreja Nova (Barbacena) e Ressaca. Todavia existem alusões à sua existência anterior, como escreveu PARDINI (2019, p.139): “Antes de 1694 o sul de Minas Gerais, entre os rios Sapucaí e Grande, já estava percorrido, a ligação entre o Rio de Janeiro e a Borda do Campo já era conhecida”.

 

Primeiros descobertos auríferos na região

 

Procede do final do século XVII duas notícias de alguns descobertos dos mais antigos. Se eles não dão garantia nem exatidão de terem sido aqui onde hoje se situa São João del-Rei, ao menos, por aproximação, se postam na região à qual esta urbe pertence (Vale do Rio das Mortes). Desta sorte, narra ORTIZ (1996), que em 1693, partiu de Taubaté/SP a bandeira do Padre João de Faria Fialho, o qual, segundo seus dizeres,

 

“comandando a bandeira que penetrou nos sertões dos cataguás, percorrendo os vales do Sapucaí, do Grande e do rio das Mortes, onde seus integrantes descobriram algum ouro, além de safiras em vieiros de pedras cravadas. (...) permaneceu por vários anos nas regiões auríferas do Rio das Mortes, onde continuou a encontrar ouro, labutando em companhia de outros sertanistas”.

 

Ainda ORTIZ (1996, v.2, p.222) informou que alguns anos mais tarde “no final da última década seiscentista” (provavelmente 1698-9), foi a vez de Gaspar Vaz da Cunha, cognominado “Jaguara”, que acampou a bandeira onde “os índios lhe mostraram o metal precioso no capim, sob a forma de folhetas e grãos.”

Quando o Padre Faria veio a esta região a mesma já era conhecida e tinha caminhos estabelecidos, pois muitas bandeiras lhe haviam antecedido. Sua expedição trilhou entre Aiuruoca e o Ingaí; Baependi e Ibitipoca. Mas como acontece com o historico de praticamente todas as bandeiras, o caminho exato que trilharam é desconhecido e tão somente estimado segundo a conjectura de cada estudioso. PARDINI (2019, p.123), em análise de diversas fontes do movimento sertanista, escreveu:

 

“Na ausência de consenso acerca do tema ‘roteiros de expedições’, ao menos há uma tendência de que os cronistas e historiadores pesquisados concordem com o fato de Ibituruna, na travessia do rio das Mortes, ser um ponto de controle intermediário para as viagens que atravessavam a serra da Mantiqueira. Em compensação, a partir de Ibituruna as possibilidades eram inúmeras”.

Os achados iniciais, ainda que não tenham sido de grande monta, devem ter chamado a atenção. Não foi um descoberto fortuito e pontual, pois a citação diz claramente que ao partir para a região do Tripuí, Padre Faria deixou gente sua (a minerar...) na região do Rio das Mortes. Estes mineiros moraram um tempo na região. Para se aquilatar melhor esta questão: a expedição é de 1693, mas só chegou ao Tripuí cinco anos depois. Tal viagem durava, se contínua fosse, ao todo, dois meses ou dois e meio. Durante todo esse tempo, de 1693 a 1698 a bandeira vasculhou o sertão à busca de riquezas; daí o dito que “moraram”… Tal achado possivelmente serviu de estímulo ao Jaguara, que dotado de espírito indômito, e já experiente sertanista, encontrou ainda mais ouro. Portanto, com razão, ORTIZ (1996, v.2, p.287) afirmou sobre as descobertas de ouro: “Muitos autores olvidam as menores na incompreensão de que o encontro das primeiras faíscas foi ponto de partida e chamariz para os descobertos maiores que se sucederam”.

Não obstante estas citações referenciarem achados auríferos na região do Rio das Mortes no final dos seiscentos, tal afirmação contraria o Códice Costa Matoso (1999, p.240), que aponta os descobertos apenas após a morte de Tomé Portes:

 

“Eu fiz quatro viagens a estas Minas, em que gastei alguns três anos pela dificuldade do caminho, e vim a ficar cá em 1702, e em todo este tempo não se presumia haver ouro no rio das Mortes, só sim morava ali um paulista por nome Tomé Portes, que vendia mantimentos aos passageiros e era o senhor da canoa de passagem, e depois que suas amas e pajens o mataram, se descobriu ouro com grandeza.”

 

É pertinente diferenciar achados de monta ou capazes de uma exploração “industrial”, que compensavam investir esforços frente ao rendimento, em oposição aos pequenos descobertos, de parca produção, que naturalmente não despertavam a mesma atenção.

 

O primeiro núcleo populacional

 

Ora, estes dois achados por si apenas (se é que não houve outros...), justificariam plenamente a nomeação de um guarda-mor distrital para a região do Rio das Mortes. Isto se deu em 1701, com Tomé Portes del-Rei.

Não se sabe a data exata de sua chegada aqui, estimada por muitos no período compreendido nos últimos cinco anos do século XVII. Estabeleceu-se no Porto Real da Passagem, travessia do Rio das Mortes pelo caminho velho; ali fundou sua base, fazenda, estalagem para viajantes, plantou e criou, pois consta que fornecia mantimentos e víveres para os sertanistas. Veio com família e escravos. Tornou-se morador fixo, estabelecendo assim o primeiro núcleo populacional comprovado, na área hoje pertencente ao Bairro de Matosinhos, que desde sempre foi São João del-Rei (jamais mudou de jurisdição administrativa).

O Capitão Joseph Matol, contemporâneo e uma das lideranças de resistência na Guerra dos Emboabas (1707-1709), foi claro e preciso ao descrever em suas memórias a posição do Porto Real da Passagem: “morando sobre o rio das Mortes desta parte, aonde hoje é, e foi sempre o porto da passagem”. Referia-se à morada do Guarda-mor substituto, Antônio Garcia da Cunha. Cronista fidedigno, não deixou margem à contestação. Convém, contudo, destrinchar sua frase:

1- como escrevia da perspectiva de São João del-Rei, onde morava, ao dizer desta parte referenciava a mesma margem do rio (esquerda), lado são-joanense até hoje. Mesmo que fosse a margem oposta, a jurisdição oficialmente pertenceu a São João del-Rei até a região do Córrego de Dona Antônia, hoje Santa Cruz de Minas, sendo a data limite o ano de 1755. Segundo BARREIROS (1976, p.99-103), no citado ano o Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes, Francisco José Pinto de Mendonça, em ato de correição, determinou que o Rio das Mortes fosse a divisa, ficando a margem esquerda a São João del-Rei e a direita a São José del-Rei (hoje Tiradentes);

2- sobre o rio das Mortes: sobre – acima; em nível mais elevado que. Tal menção alude à altitude mais elevada que a várzea do rio, sempre sujeita às enchentes. Isto traz como única possibilidade física (geográfica) o núcleo para o largo de Matosinhos, de maior altitude;

3- hoje é, e foi sempre: define um espaço temporal: passado (foi sempre: antes dos fatos narrados) – presente (hoje é: ainda ativo na época da narração). O relato de José Matol, tal  como o de Joseph Alvarez de Oliveira, tinha natureza memorialística, posto que escritos respectivamente em 1740 e 1750-1.

Entretanto, como ponto de oposição ao acima considerado há o posicionamento do núcleo primitivo do Porto para a margem oposta, como consta sob a marcação “TomePortes” no mapa do padre jesuíta francês Jacobo Cocleo, já conhecido em 1696 [4].

ORTIZ (1996, v.2, p.135) deu informações fundamentais sobre o Capitão Tomé Portes del-Rei: 

“Na segunda metade da última década seiscentista, já pelos sessenta anos, ingressou nos sertões mineiros comandando bandeira, acompanhado de muitos moradores do termo de Taubaté, dentre os quais seu genro, Antônio Garcia da Cunha. Tomé Portes e esse seu genro incluem-se dentre os primeiros povoadores da região de São João del-Rei, onde acharam ouro, estando também no rol dos pioneiros do descobrimento desse metal no rio das Mortes. Afazendaram-se com a família no local, antes da entrada do século XVIII.” (grifei) 

Neste excerto está em destaque que ele veio no comando de uma bandeira, trazendo gente consigo. Isto parece sintomático que sua fixação no Porto fosse bem além de mera fazenda ou agente governamental de cobrança de impostos de travessia fluvial: Tomé Portes teve papel na constituição de um núcleo populacional, pois como disse José Bernardo Ortiz, veio acompanhado de muitos moradores do termo de Taubaté (e não apenas a família e escravos como repisa a sua história propalada). Atesta também que tal se deu ainda no século XVII. Para além, os sertanistas embrenhavam-se nos caminhos como um verdadeiro grupamento militar, independente de ter finalidade de colonização (no sentido de fixação em algum lugar) ou de preação de indígenas.

Todos estes fragmentos se unem numa figura de quebra-cabeças, que decerto faltam peças, mas esboça uma imagem. O ir e vir de sertanistas, já era frequente, mas os primeiros achados na região do Rio das Mortes (região muito ampla e imprecisa) pelo Padre Faria e pelo destemido Jaguara, deflagraram um interesse especial pela área desta bacia hidrográfica, cujo potencial se despontava. No mais, os pontos de travessia dos rios eram estratégicos e tinham um especial interesse. Em geral neles se fixavam elementos de tributação, aluguel de canoas e balsas, roças para fornecer alimentos. Se Tomé ficou na travessia do Rio das Mortes, o Jaguara, um pouco mais tarde, de volta à região, fez morada próximo à travessia do Rio Grande, nas imediações da comunidade que ainda preserva seu epíteto, Jaguara, distrito de Nazareno.

Em 1701, quando saiu a nomeação de Tomé Portes para guarda-mor, ele já era morador fixo da região. Não veio para cumprir o papel de um cargo. Veio para ser fazendeiro, como já era em terras paulistas, e aqui se fez merecedor da nomeação.

A leitura do consistente estudo de Adriana Romeiro sobre a Guerra dos Emboabas nos revela, ao tratar das condições político-administrativas que pairavam sobre as minas no final do século XVII e princípio do XVIII, que como plano de governo sobre a repartição sul, Artur de Sá e Meneses, então governador da capitania a partir de abril de 1697, visou fortemente “incrementar os trabalhos de mineração e aumentar a arrecadação dos quintos.” (ROMEIRO, 2008, p.52). Para tal, desenvolveu uma muito bem sucedida política de aproximação com os paulistas através da sua nomeação para cargos, concessão de títulos e combate à crise de alimentos nas minas, segundo a mesma fonte:  

 

“Ao longo de sua jornada por terras jamais pisadas por autoridade régia, criou cargos, distribuiu patentes, implantou regimento, enfim, prodigalizou-se no uso das formas simbólicas do poder, arrebanhando os paulistas para a esfera da Coroa e, ao mesmo tempo, afagando-lhes o gosto pela distinção. (p.52) (...) Sensível às grandes fomes que assolaram a região entre 1698 e 1699 e entre 1700 e 1701, (...) tratou de solucionar o problema do abastecimento, um dos maiores obstáculos ao aumento da população local. (p.52) (...) Demonstrando intimidade com a gente do Planalto, Sá e Meneses começou por ordenar o plantio de mantimentos nos caminhos para as minas e nas passagens dos rios, incorporando, assim, um velho costume dos sertanistas. (p.53; grifei) 

 

A autora não cita Tomé Portes nesta passagem, mas se depreende de suas linhas, que havia um plano de governo, ao qual o trabalho feito por Tomé Portes se encaixava. O governador citado fez três viagens às minas, e quando Tomé foi nomeado, ele se encontrava nelas. A autora esclarece que o domínio jurisdicional sobre a complicada região das minas se acerta “com a nomeação de um superintendente e guarda-mor das minas” (p.50) e que o Governador Arthur de Sá e Meneses “conseguiu implantar os fundamentos da estrutura administrativa da zona mineradora” (p.51).

A obra sobre Taubaté de José Bernardo Ortiz é uma fonte fundamental de consulta sobre Tomé Portes del-Rei. É principalmente deste autor que coligimos os seguintes dados sobre o personagem histórico: nos diz que ele procedia de família abastada. Supõe-se que nasceu em Mogi das Cruzes, mas fez vida em Taubaté, onde foi rico fazendeiro. Era filho de João Portes del-Rei e Juliana Antunes. O pai era um português de classe nobre, capitão, comandou uma entrada pelo vale do Paraíba, em companhia do genro, Bartolomeu da Cunha Gago, casado com Marta Portes del-Rei. Esse Bartolomeu foi vanguardeiro da expedição de Fernão Dias. Juliana Antunes era descendente de Antônio Preto, povoador da capitania de São Vicente da segunda metade do século XVI.

Teve Tomé Portes como irmãs: Ana, Marta e Catarina, todas assinando Portes del-Rei.

A data de nascimento de Tomé Portes é estimada por volta de 1630. Detinha o título de capitão e em Taubaté foi juiz ordinário e de órfãos. Tinha fazenda em Caçapava Velha. Casou-se com Juliana de Oliveira. Ela, após a morte de Tomé, voltou a Taubaté, onde faleceu em 1728. Era taubateana, filha de Francisco Correa de Oliveira, paulista falecido em 1686, e de Ângela da Mota.

Tomé Portes e Juliana de Oliveira tiveram, juntos os seguintes filhos:  

- João Portes del-Rei (faleceu em 1728) – c/c - Catarina Bicudo

- Francisco Homem del-Rei – faleceu solteiro

- Leonor Homem del-Rei – c/c  - Sargento-mor Miguel Garcia Velho

- Maria Antunes Cardoso (fal.1759) – c/c – Cap. Antônio Garcia da Cunha (casamento: 1688)

- Margarida Antunes Cardoso - c/c – Antônio da Cunha Gago (casamento: 1697)

Tomé Portes del-Rei morreu em 1702, assassinado por alguns escravos. Ocorre que outros cativos vingaram a morte do senhor, matando os assassinos. É o que consta, sendo desconhecidos os detalhes que geraram tal circunstância, caindo no campo da hipótese qualquer inferência. Fato é que naqueles primórdios das áreas minerais, reinavam a passos largos os atos de violência e a ineficácia administrativa da Coroa destacou muito bem ROMEIRO (2008) em seu robusto estudo sobre a Guerra dos Emboabas.

 

Antônio Garcia da Cunha

 

Sobre o segundo guarda-mor distrital, Antônio Garcia da Cunha, que substituiu o sogro, em verdade pouco se sabe. Segue um rol de informações gerais a seu respeito, reunidas a partir de obras de genealogia (LEME, 1999; MATOSO, 1999; GENEAMINAS, s/d):

- Viveu por setenta anos. Nascido em São Paulo em 1661. Falecido em Taubaté em 1731; 

- Filho do casal paulista Garcia Rodrigues Moniz (inventariado em 1659) e Catharina de Unhatte (falecida em 1691);

- Neto paterno de Manoel Garcia Velho (? -?) e Maria Moniz da Costa (c.1594-1659);

- Neto materno de Antônio da Cunha Gago (? -?) e Martha de Miranda (? -?);

- Irmãos: Miguel Garcia da Cunha, Garcia Rodrigues Moniz, Catarina Dias, Martha de Miranda (neta), Manoel Garcia Bicudo, Manoel Garcia da Cunha;

- Casou-se em 1688 com Maria Antunes Cardoso (filha de Tomé Portes del-Rei e Juliana de Oliveira);

- Filhos deste casamento – doze, sendo dois homens e dez mulheres, segundo LEME (s/d):

1- Francisco Portes (falecido sem geração);

2- Juliana de Oliveira (casada com Antônio Raposo);

3- Catharina Garcia de Unhatte (casada com Álvaro Soares Fragoso);

4- Margarida Antunes (c/c Manoel Moreira);

5- Angela da Motta (c/c João Fernandes de Sousa);

6- Francisca Cardoso (c/c Gaspar Vaz Guedes);

7- Antonia Portes (c/c João Barbosa de Lima);

8- Maria Portes (c/c Cap. Guilherme Moreira);

9- João Antonio Garcia;

10- Martha (c/c José Moreira Cordeiro);

11- Gertrudes (c/c João Alvares);

12- Luzia (c/c Domingos Rodrigues Arzam).

-Tinha o título de Capitão;  

- Mudou-se para o vale do Rio das Mortes, no Porto Real da Passagem, em data incerta, estimada na última década seiscentista, após 1695;

- Com a morte do sogro em 1702, assumiu seu cargo de guarda-mor;

- Como tal, direcionou as gerenciou de datas minerais referentes aos descobertos auríferos no complexo Serra do Lenheiro em 1704;

- Fundou o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar em 1705 ou pelo menos dividiu os terrenos de mineração (datas) que deram origem ao dito arraial;

- Voltou para Taubaté em 1707, no princípio ou logo antes da Guerra dos Emboabas.

Com sua partida para Taubaté assumiu o cargo Pedro de Morais Raposo, que aqui já residia desde pelo menos junho de 1706. Homem de forte influência local foi promovido a superintendente distrital em 08/02/1708, depois a Capitão-mor, e participou da formação da primeira vereança de São João del-Rei, eleito em 09/12/1713, na qualidade de primeiro juiz.

 

Referências

 

ALVARENGA, Luis de Melo. São João del-Rei e seu Fundador. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 4, 1986.

BARREIROS, Eduardo Canabrava. As Vilas del-Rei e a Cidadania de Tiradentes. Rio de Janeiro: José Olympio / INL, 1976. 128p.il.

DANGELO, André G.D. (Org.). Origens históricas de São João del-Rei. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 2006. 127p.il.

FREITAS, Afonso A. de. Emboaba. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, Departamento de Cultura, 1934, n.1, p.35-41.

GAIO SOBRINHO, Antônio. Sanjoanidades: um passeio histórico e turístico por São João del-Rei: A Voz do Lenheiro, 1996. 104p.

______ . Visita à colonial cidade de São João del-Rei. São João del-Rei: FUNREI, 2001.128p.

______ . São João del-Rei através de documentos. São João del-Rei: UFSJ, 2010. 260p.

______ . Fontes históricas de São João del-Rei. São João del-Rei: UFSJ, 2013. 154p.

GUIMARÃES, Fábio Nelson. Fundação Histórica de São João del-Rei. São João del-Rei: [s.n.], 1961.

GUIMARÃES, Fábio Nelson. O município de São João del-Rei aos 250 anos de sua criação. São João del-Rei: Progresso, 1963. 55p.

GUIMARÃES, Geraldo. Catauá.  In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 5, 1987.

______ . A Bacia do Rio das Mortes.  In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 6, 1988.

HENRIQUES, José Cláudio. Bairro de Matosinhos: berço da cidade de São João del-Rei. São João del-Rei: UFSJ, 2003.

MOURÃO, Maria da Graça Menezes. Carrancas: uma capela no Caminho Real. 2.ed. São Paulo: Scortecci, 201173p. 9.

ORTIZ, José Bernardo. São Francisco das Chagas de Taubaté. 2.ed. Taubaté: Prefeitura Municipal, 1996. 2v.

ROMEIRO, Adriana. Paulistas e Emboabas no Coração das Minas: ideias, práticas e imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: UFMG, 2008. 431p.

VALE, Dario Cardoso. Memória Histórica de Prados. 2.ed. Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2000. 600p.il.

VENÂNCIO, Renato Pinto, ARAÚJO, Maria Marta (Org.). São João del-Rey, uma cidade do Império. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais / Arquivo Público, 2007.

Fontes na internet

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MATOSO, Caetano da Costa. Códice Costa Matoso: coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América quê fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, que tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: FAPEMIG / Fundação João Pinheiro, 1999. Coleção Mineiriana – Obras de Referência. 2v. Disponível em:http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=53683 Acesso em: 25 out. 2022.

 

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von, Barão de. Pluto Brasiliensis. Tradução do original alemão Domício de Figueiredo Murta. São Paulo: Nacional, 1944. 2v. Disponível em: https://bdor.sibi.ufrj.br/handle/doc/343 Acesso em: 12 mar. 2020.

 

Francisco Bruza Espinosa. In: Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Bruza_Espinosa Acesso em: 13 mar. 2020.

Garcia Rodrigues Muniz e Catharina de Unhatte. GeneaMinas. Disponível em: https://www.geneaminas.com.br/genealogia-mineira/restrita/enlace.asp?codenlace=1329684 Acesso em: 25 out. 2022.

HENRIQUES, José Cláudio. Tomé Portes del-Rei e a fundação do 1º Núcleo Habitacional da região do Rio das Mortes. In: DocPlayer. Disponível em: https://docplayer.com.br/63562489-Tome-portes-del-rei-e-a-fundacao-do-1o-nucleo-habitacional-da-regiao-do-rio-das-mortes.html Acesso em: 25 out. 2022.

LEME, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana: título Garcias Velho – parte 2. V.1 p.433 – 470, 1999. Disponível em: http://www.arvore.net.br/Paulistana/Garcias_2.htm Acesso em: 25 out. 2022.

PARDINI, Herbert. Caminhos antigos e paisagens imaginadas no Termo de Ouro Preto em 1835. UFV, Dissertação, 2019. Disponível em: https://www.locus.ufv.br Acesso em: 30 out. 2022.

PASSARELLI, Ulisses. Um passeio histórico pelo Bairro de Matosinhos. In: Matosinhos: história & festas, 21 de dezembro de 2012. Disponível em: https://festadodivinosjdr.blogspot.com/2012/12/esboco-historico-basico.html Acesso em: 18 set. 2022.

RECEITA FEDERAL / Ministério da Economia. Superintendências das Minas. Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/historico/srf/historia/catalogo_colonial/letras/super_minas.htm Acessado em 14 nov. 2022. 

SAINT-ADOLPHE, J.C.R. Milliet. Diccionario Geographico, histórico e descriptivo, do Imperio do Brazil. Paris: J.P. Aillaud, 1845. 2v. In: Biblioteca Digital UNESP. Disponível em:  https://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/28232  Acesso em: 26 mar. 2020.

Sebastião Fernandes Tourinho. In: Wikipédia. Disponível em:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_Fernandes_Tourinho Acesso em: 13 mar. 2020.   

VILAR, Leandro. Uma breve história das entradas e bandeiras. In: Seguindo os passos da história. 17 de março de 2013. Disponível em: http://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2013/03/uma-breve-historia-das-entradas-e.html Acesso em: 26 mar.2020.


Créditos

Pesquisa e texto: Ulisses Passarelli. 

Notas

-  Texto originalmente apresentado como defesa de patrono, do titular da cadeira nº40, IHG-SJDR, adaptado para este blog, a partir da sua publicação original em: 
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v.16, 2023. 220p. p.10-26.


[1] - Descobrimento e devassamento do território de Minas Geraes. Revista do Arquivo Público Mineiro http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/1702.pdf (acessado em 31/01/2022, 21:47h)

[2] - Descobrimento e devassamento do território de Minas Geraes (op.cit.).

[3] - Muito embora esteja bastante consolidado que a fundação de Ibituruna se deu a partir de uma antiga feitoria estabelecida por Fernão Dias, em 1674, ao que parece o lugar já era conhecido pelos bandeirantes muito antes: GUIMARÃES (1988, p.39), relembra um episódio da bandeira de André de Leão (em 1601), que segundo as crônicas do holandês Wilhelm Joost ten Glimmer, que dela deixou escrito um roteiro, “fez pouso numa taba de índios mansos à beira do Rio das Mortes, nas paragens onde hoje se localiza Ibituruna, daí aprofundando-se no sertão.” Estima-se que tenha alcançado as cabeceiras do Rio São Francisco. De Ibituruna o Caminho Geral do Sertão seguia margeando o Rio das Mortes, como pouca diferença pelas imediações, até a área de travessia no Porto Real da Passagem.

[4] - Conhecido graças a uma cópia setecentista, que se supõe posterior à morte do padre jesuíta, que ocorreu na Bahia em 1710. Pertence à mapoteca do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro. Mapa da maior parte da costa e sertão do Brazil.  Para mais informações sobre o assunto ver:

SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. A cópia setecentista de Jacobo Cocleo: leituras e questões. In: UFMG   https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/SANTOS_MARCIO_ROBERTO_A.pdf (acessado em 06/02/2022, 12:47h). 

Sobre as questões míticas figuradas nos antigos mapas, inclusive o de Cocleo, ver:

DELVAUX, Marcelo Mota. Cartografia imaginária do sertão. http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/2010D11.pdf (acessado em 06/02/2022, 18:11h)

 

domingo, 3 de agosto de 2025

A Festa de Ogum e o Boi de Ronda: um breve relato - parte 2

O Boi de Ronda foi criado em abril de 2024, como um grupo cultural no âmbito da Tenda de Umbanda Ogum de Ronda, de São João del-Rei/MG, que tem sua sede provisória na Caieira (Bairro São Judas Tadeu/Jardim Central). Esta comunidade umbandista é a responsável por tal manifestação cultural e a mantém, por seus membros e com a ajuda de colaboradores externos convidados. O contexto original é o ato de resgatar a tradição dos ranchos de boi, que estão na maior parte inativos no município; no entanto, fora do ambiente carnavalesco, para ser revivido no meio religioso de matriz africana, sob a égide do Orixá Ogum e das entidades da Linha dos Boiadeiros. 

Desta maneira, fez sua primeira apresentação pública na Festa de Ogum em sua Tenda de origem em 28 de abril de 2024. No mesmo ano, apresentou-se também na Festa de Exu, tanto em sua Tenda, quanto em outra, amiga e parceira, a Tenda Espírita Umbandista Pai Benedito d'Angola, respectivamente no último sábado e último domingo de agosto de 2024. A Festa de Exu desta última acontece em plena Serra do Lenheiro, na paragem denominada Mesa do Tiriri, com previsão de repetir-se neste ano de 2025 na mesma data, onde o boi deverá se apresentar novamente. 

Já em 2025, o Boi de Ronda foi apresentado a 26 de abril, no grande pátio do ilê da Tenda Espírita Umbandista Pai Benedito d'Angola, na Travessa da Rua Jair Braga Machado, nº70, no Barro Preto de Baixo, Bairro Tijuco, em São João del-Rei, durante a Festa de Ogum, conforme fotografias que constam nesta postagem. 

Os participantes trajam-se de roupas brancas, camisetas uniformizadas da Tenda; homens com faixa estampada de ocelos atada à cintura; mulheres de pano chitado à cabeça. Dois participantes, munidos de chapéu boiadeiro e de varas de ferrão, campeiam o boi o tempo todo, que rodopia, avança, recua, investe, dança movido por um dos umbandistas oculto no interior da alegoria (Tripa ou Miolo). Adiante do grupo vai um estandarte de produção artesanal. Instrumentistas executam acordeon, violões, viola, pandeiro, meia-lua, triângulo, agogô, chique-chique. As cantorias evocam na maior parte cantos de terreiro - pontos (zuelas ou curimbas) de boiadeiros - evocando a linhagem espiritual protetora, entremeadas às quais ouve-se interjeições de incentivo aos movimentos do animal e alguns aboios curtos. 

"Boiadeiro meu: 

é de Minas Gerais;

pra ficar sem boiadeiro

meu sertão não vive em paz!"

Entre as cantigas merece destaque a Marcha do Boi, quando, o solista, com versos improvisados, canta suas frases poéticas, às quais o coro sempre responde o mesmo: "_ êh, boi!" 

_ "Lá na serra tem pedra!  _ Êh, boi!

_  Lá no mar tem onda!   _ Êh, boi!

_  Caeira o quê que tem?  _ Êh, boi!

_ Ai, tem o Boi de Ronda!  _  Êh, boi!"

Neste momento, a cantoria envolve os circunstantes, pois, variando os versos, emite agradecimentos, saúda, tece características do boi, incentiva os boieiros. Na sequência, o boi é posto no laço e puxado para junto do boiadeiro, que lhe crava um punhal no peito. 

"Se matar esse boi,

o mocotó é meu... 

pra pagar a carreira

que esse boi me deu!"


"Eu mato o boi, baiano!

O couro é meu, meu mano!"

O boi se deita, como se tivesse morrido, mas de fato está ferido. Um participante chega com uma bacia esmaltada e colhe o "sangue" do boi (vinho tinto derramado). O vinho é bento e distribuído em pequenos copos aos participante e assistência, que o consomem em dose mínima, na crença de seu poder curativo e de fortalecimento espiritual, posto que dotado de axé. Vencida esta etapa, começa a "ressurreição" do boi: o boiadeiro o rodeia, com baforadas de charuto e um bate-folhas, feito de diversas ervas. Aos poucos o boi vai se tremendo todo, se ergue, volta a dançar, curado da ferida cruenta, ainda com mais vigor para a sua despedida, ante vivas e aplausos. 

"Levanta, meu boi,   BIS

e vem trabalhar!"

Embora recente em sua composição, o Boi de Ronda é antigo em seu formato, e segue despertando atenções e curiosidades por onde passa. 

01- Aspectos devocionais.

02- O boi dançando no abaçá do terreiro. 

03- O boi no pátio. 

04- Roda de boieiros. 

05- O boi e o sanfoneiro. 

06- Sangria do boi. 

07- Agôgô e caixa - esta sob cuidados do grande colaborador Jailton Antônio Braga, 
Zelador de outro terreiro, a tradicionalíssima Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola. 

08- Benzedura para reanimação do boi.

09- Porta-estandarte e violeiro.

10- Boiadeiro traz o boi. 

11- Fogueira ritual durante o encerramento. 

Créditos

- Texto: Ulisses Passarelli. 

- Fotografias: Viviane Lins (02 a 07); Ariany Fonseca (01, 08 e 09); Betânia Nascimento Resende (10). 

Notas


- Sobre este mesmo assunto, leia também neste blog: A Festa de Ogum e o Boi de Ronda: um breve relato - parte 1.