Resumo dos antecedentes históricos
Existem
algumas notícias que se referem a expedições que teriam adentrado o interior do
território que hoje pertence a Minas Gerais, na primeira metade do século XVI,
mas nada que fosse substancial. A noção de que em tal ermo existiam riquezas
como ouro e esmeraldas já vigorava, despertando curiosidade e interesse [1].
Consta
que em 1553 o Rei de Portugal, Dom João III, teria dado ordens ao
Governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, que pesquisasse pelas nascentes do
Rio São Francisco, posto que fora informado que os espanhóis descobriram
esmeraldas e ouro em seu lado do Tratado de Tordesilhas. A fim de cumprir tal
ordem, foi encomendada a tarefa ao castelhano Francisco Bruza Espinosa. Partiu
a entrada com vários companheiros, palmilhando o sertão pelo vale do Rio Pardo
e chegou ao São Francisco, passando por terras hoje em parte na Bahia e outro
tanto em Minas Gerais. Os relatos desta viagem foram registrados pelo Padre
Jesuíta João de Azpilcueta Navarro, conforme texto da Wikipédia. O sonho das
esmeraldas e outras riquezas tomaria corpo em numerosas expedições.
Ainda
segundo a Wikipédia, Sebastião Fernandes Tourinho, vinte anos mais tarde,
empreendeu uma jornada admirável ao hinterland,
a partir de Porto Seguro, na Bahia. Desceu a costa embarcado. Alcançou a foz do
Rio Doce, o qual foi à montante. Junto à sua formação teria descoberto pedras
verdes, que supunha serem esmeraldas. Não se sabe com exatidão o local ao qual
chegou, posto que o Rio Doce seja formado basicamente pela fusão dos rios
Piranga, Carmo e Xopotó; não há informes exatos de qual desses braços fluviais seguiu,
variando as informações entre as atuais regiões de Ouro Preto, Viçosa e
Arapongas.
Óbvio
que tal notícia causou alvoroço. O desejo das fortunas minerais era um antigo
sonho dos colonizadores. É mister recordar que o fidalgo português Brás Cubas
empreendeu expedição ao interior em 1560, que supõe ter alcançado o Rio São
Francisco após transposição da Mantiqueira [2].
Logo
Portugal esteve sob o domínio espanhol (1580-1640) e mesmo que naqueles tempos
já outros tentassem o sonho da riqueza, o foco era a preação de indígenas para
o regime da escravidão e posse de suas terras. Em 1601 André de Leão penetrou
através da Serra da Mantiqueira a área do atual sul mineiro, vale do Sapucaí,
até o Rio Grande. Sua passagem foi significativa na abertura de caminhos para
as bandeiras seguintes. E foram muitas, mas a par da busca pelas preciosidades,
não encontradas por décadas, foram os índios que sofreram sob encarniçada
perseguição dos bandeirantes paulistas, que os aprisionaram aos milhares pelo
interior do país, destruindo inúmeras tribos e deixando incontáveis mortos para
trás.
Após
Portugal recuperar sua individualidade administrativa, os planos de alcançar as
riquezas cresceram e haveriam de ser estimulados. Precisava-se delas para se
restabelecer e o incentivo era crescente. Por essa época a captura de povos
originários perdeu intensidade aos poucos e a busca pelo ouro aumentou.
Acreditavam
portugueses e espanhóis que em algum lugar da imensidão territorial da América
existia o El Dorado, montanha de
intermináveis riquezas. Os índios, por sua vez, falavam da serra
resplandecente, Sabarabuçu, com
montanhas de ouro. Havia ainda, desde os primórdios da colonização, as
narrativas amerabas acerca do Caminho de Peabiru, longuíssima estrada
continental dos povos primitivos do litoral paulista aos Andes, onde havia
riquezas sem fim. Segundo VILAR (2013), “havia
também a história do Reino de Payati, o qual seria rico em ouro e prata, e
ficaria localizado em algum lugar no centro do continente.” Tais rumores
estimularam as expedições ao interior vastíssimo.
Fernandes
Tourinho já sinalizara a existência das pedras verdes, supostas esmeraldas, de
fato, turmalinas. Atrás de tantas riquezas imaginadas partiram diversas
expedições sertanistas nos séculos XVI e XVII. As nascentes do Rio São
Francisco eram um alvo frequente. Fato é que as sucessivas bandeiras foram aos
poucos firmando caminhos e trazendo a lume o território ermo. Foi nesse clima
que Fernão Dias Paes organizou em 1674 a célebre “Bandeira das Esmeraldas”.
Partindo de São Paulo adentrou pelas terras do vale do Rio Paraíba do Sul,
transpôs a Mantiqueira e o sul mineiro, o Rio Grande, o vale do Rio das Mortes
e rumou para nordeste, alcançando seu ponto extremo no vale do Jequitinhonha.
Em sua jornada de sete anos iniciou povoações, esparramou gente até sem querer,
em razão dos muitos desertores de sua bandeira, que buscavam novos pontos de
fixação. Foi assim que trouxe moradores para o interior. Figura fundamental na
formação inicial de Minas Gerais. Também achou as pedras verdes, e seu verde o
fez também crer que eram esmeraldas. Com este alento, ao retornar, faleceu
febril de “carneirada” (provavelmente, malária) no Vale do Rio das Velhas.
Outros
e outros se sucederam sertão adentro até de fato se descobrir ouro significativo,
em Itaverava, 1692, por Antônio Rodrigues Arzão. Outros descobertos se seguiram
e isto atraiu milhares de aventureiros de toda parte, que se fixaram e povoaram
muitas regiões.
As
serras e rios norteavam as caravanas como marcos perenes na paisagem.
A
Mantiqueira no início da jornada não tinha como ser desviada. Sua muralha
gigante era transposta a partir do vale do Rio Paraíba do Sul pelas gargantas
de Embaú, Piracuama e Piquete. Havia também o outro caminho, passando por
Atibaia. O Caminho Geral do Sertão subia por passagens primitivas pela Serra
das Carrancas, que norteava os viandantes rumo ao vale do Rio das Mortes
(Ibituruna[3]) e
bem mais tarde foi desviada a partir de Cruzília (primitiva Encruzilhada),
fugindo de sua grimpa perigosa e sujeita às temidas tormentas, como alertou
MOURÃO (2019, p.22-23). Esta autora fez considerações importantes sobre este
atalho.
Do
limite norte da Serra de Carrancas, em seu topo, olhando para frente, se avista
ao longe o conjunto formado pelas serras de Ibituruna e Bom Sucesso. Pela
direita, bem mais distante a nordeste, Lenheiro e São José, como referenciais
geográficos.
Da
mesma forma, se fosse tomado o atalho em Cruzília, tinha-se como referência
maior o avistamento no horizonte do imponente Morro dos Dois Irmãos, e à sua
esquerda, o Morro ou Serra da Covanca. Entre os dois a bocaina de passagem. Uma
vez vencidos, também na opção deste atalho, o Lenheiro e o São José eram as
referências geográficas subsequentes.
Na
longa caminhada pelos campos-cerrados, ao longe, se avistava então, fosse pelo
caminho velho ou pelo atalho, o vulto do Lenheiro, pareado com a Serra de São
José, qual vigias altaneiros junto à passagem mais propícia do Rio das Mortes.
Ali se tomava o rumo nordeste com mais vigor e certeza. Era o marco físico da
conversão direcional da jornada, implicando na prática, no redirecionamento.
Revelava aos povoadores e exploradores das Minas Gerais, que rumo tomar.
Transpunham o vale do Rio das Mortes, demandando ao Tripuí, Rio das Velhas e
outras áreas, sob o impulso do sonho geral das riquezas.
Após
o Lenheiro e o São José, a Serra de Camapuã era a referência mais altaneira,
visível desde aquelas. Adentrando pela várzea do Marçal, a seguir, como se num
corredor de morros e serras, caminhavam tendo ao lado esquerdo as serras do
Canhambora, Bom Retiro e Boa Vista, em Coronel Xavier Chaves; lá adiante as
Vertentes, na travessia por Lagoa Dourada; logo mais, à direita, a imponente
Camapuã, serra em parte no atual município de Entre Rios de Minas. Do lado oposto
e adiante, a silhueta da Serra do Gambá, beirando Entre Rios e Jeceaba. Depois
as bases meridionais da cadeia do Espinhaço, em São Brás do Suaçuí eram o guia
de campo. Outro corredor vinha após, tendo a Serra de Ouro Branco à direita e a
da Moeda à esquerda. A morraria do meio se transpunha com dificuldade, mas as
grandes serras eram evitadas pelo alto risco e esforço maioral.
Inúmeros relatos dão conta como tais
caminhos foram trilhados. Após o ano de 1700 houve a facilitação do Caminho
Novo, vindo direto do Rio de Janeiro às minas, com interligações até o caminho
velho a partir da altura do Registro Velho (hoje em Sá Fortes, distrito de
Antônio Carlos), Igreja Nova (Barbacena) e Ressaca. Todavia existem alusões à
sua existência anterior, como escreveu PARDINI (2019, p.139): “Antes de 1694 o sul de Minas Gerais, entre
os rios Sapucaí e Grande, já estava percorrido, a ligação entre o Rio de
Janeiro e a Borda do Campo já era conhecida”.
Primeiros descobertos
auríferos na região
Procede
do final do século XVII duas notícias de alguns descobertos dos mais antigos.
Se eles não dão garantia nem exatidão de terem sido aqui onde hoje se situa São
João del-Rei, ao menos, por aproximação, se postam na região à qual esta urbe
pertence (Vale do Rio das Mortes). Desta sorte, narra ORTIZ (1996), que em
1693, partiu de Taubaté/SP a bandeira do Padre João de Faria Fialho, o qual,
segundo seus dizeres,
“comandando a
bandeira que penetrou nos sertões dos cataguás, percorrendo os vales do
Sapucaí, do Grande e do rio das Mortes, onde seus integrantes descobriram algum
ouro, além de safiras em vieiros de pedras cravadas. (...) permaneceu por vários anos nas regiões
auríferas do Rio das Mortes, onde continuou a encontrar ouro, labutando em
companhia de outros sertanistas”.
Ainda
ORTIZ (1996, v.2, p.222) informou que alguns anos mais tarde “no final da última década seiscentista”
(provavelmente 1698-9), foi a vez de Gaspar Vaz da Cunha, cognominado
“Jaguara”, que acampou a bandeira onde “os
índios lhe mostraram o metal precioso no capim, sob a forma de folhetas e
grãos.”
Quando o Padre Faria veio a esta região
a mesma já era conhecida e tinha caminhos estabelecidos, pois muitas bandeiras
lhe haviam antecedido. Sua expedição trilhou entre Aiuruoca e o Ingaí; Baependi
e Ibitipoca. Mas como acontece com o historico de praticamente todas as
bandeiras, o caminho exato que trilharam é desconhecido e tão somente estimado
segundo a conjectura de cada estudioso. PARDINI (2019, p.123), em análise de
diversas fontes do movimento sertanista, escreveu:
“Na ausência de
consenso acerca do tema ‘roteiros de expedições’, ao menos há uma tendência de
que os cronistas e historiadores pesquisados concordem com o fato de Ibituruna,
na travessia do rio das Mortes, ser um ponto
de controle intermediário para as viagens que atravessavam a serra da
Mantiqueira. Em compensação, a partir de Ibituruna as possibilidades eram
inúmeras”.
Os achados iniciais, ainda que não
tenham sido de grande monta, devem ter chamado a atenção. Não foi um descoberto
fortuito e pontual, pois a citação diz claramente que ao partir para a região
do Tripuí, Padre Faria deixou gente sua (a minerar...) na região do Rio das
Mortes. Estes mineiros moraram um tempo na região. Para se aquilatar melhor
esta questão: a expedição é de 1693, mas só chegou ao Tripuí cinco anos depois.
Tal viagem durava, se contínua fosse, ao todo, dois meses ou dois e meio.
Durante todo esse tempo, de 1693 a 1698 a bandeira vasculhou o sertão à busca
de riquezas; daí o dito que “moraram”… Tal achado possivelmente serviu de
estímulo ao Jaguara, que dotado de espírito indômito, e já experiente
sertanista, encontrou ainda mais ouro. Portanto, com razão, ORTIZ (1996, v.2,
p.287) afirmou sobre as descobertas de ouro: “Muitos autores olvidam as menores na incompreensão de que o encontro
das primeiras faíscas foi ponto de partida e chamariz para os descobertos
maiores que se sucederam”.
Não obstante estas citações
referenciarem achados auríferos na região do Rio das Mortes no final dos
seiscentos, tal afirmação contraria o Códice Costa Matoso (1999, p.240), que
aponta os descobertos apenas após a morte de Tomé Portes:
“Eu fiz quatro
viagens a estas Minas, em que gastei alguns três anos pela dificuldade do
caminho, e vim a ficar cá em 1702, e em todo este tempo não se presumia haver
ouro no rio das Mortes, só sim morava ali um paulista por nome Tomé Portes, que
vendia mantimentos aos passageiros e era o senhor da canoa de passagem, e
depois que suas amas e pajens o mataram, se descobriu ouro com grandeza.”
É pertinente diferenciar achados de
monta ou capazes de uma exploração “industrial”, que compensavam investir
esforços frente ao rendimento, em oposição aos pequenos descobertos, de parca
produção, que naturalmente não despertavam a mesma atenção.
O primeiro núcleo
populacional
Ora,
estes dois achados por si apenas (se é que não houve outros...), justificariam
plenamente a nomeação de um guarda-mor distrital para a região do Rio das
Mortes. Isto se deu em 1701, com Tomé Portes del-Rei.
Não
se sabe a data exata de sua chegada aqui, estimada por muitos no período
compreendido nos últimos cinco anos do século XVII. Estabeleceu-se no Porto
Real da Passagem, travessia do Rio das Mortes pelo caminho velho; ali fundou
sua base, fazenda, estalagem para viajantes, plantou e criou, pois consta que
fornecia mantimentos e víveres para os sertanistas. Veio com família e
escravos. Tornou-se morador fixo, estabelecendo assim o primeiro núcleo
populacional comprovado, na área hoje pertencente ao Bairro de Matosinhos, que
desde sempre foi São João del-Rei (jamais mudou de jurisdição administrativa).
O
Capitão Joseph Matol, contemporâneo e uma das lideranças de resistência na
Guerra dos Emboabas (1707-1709), foi claro e preciso ao descrever em suas
memórias a posição do Porto Real da Passagem: “morando sobre o rio das Mortes desta parte, aonde hoje é, e foi sempre
o porto da passagem”. Referia-se à morada do Guarda-mor substituto, Antônio
Garcia da Cunha. Cronista fidedigno, não deixou margem à contestação. Convém,
contudo, destrinchar sua frase:
1-
como escrevia da perspectiva de São João del-Rei, onde morava, ao dizer desta parte referenciava a mesma margem
do rio (esquerda), lado são-joanense até hoje. Mesmo que fosse a margem oposta,
a jurisdição oficialmente pertenceu a São João del-Rei até a região do Córrego
de Dona Antônia, hoje Santa Cruz de Minas, sendo a data limite o ano de 1755.
Segundo BARREIROS (1976, p.99-103), no citado ano o Ouvidor Geral da Comarca do
Rio das Mortes, Francisco José Pinto de Mendonça, em ato de correição,
determinou que o Rio das Mortes fosse a divisa, ficando a margem esquerda a São
João del-Rei e a direita a São José del-Rei (hoje Tiradentes);
2-
sobre o rio das Mortes: sobre –
acima; em nível mais elevado que. Tal menção alude à altitude mais elevada que
a várzea do rio, sempre sujeita às enchentes. Isto traz como única
possibilidade física (geográfica) o núcleo para o largo de Matosinhos, de maior
altitude;
3-
hoje é, e foi sempre: define um
espaço temporal: passado (foi sempre:
antes dos fatos narrados) – presente (hoje
é: ainda ativo na época da narração). O relato de José Matol, tal como o de Joseph Alvarez de Oliveira, tinha
natureza memorialística, posto que escritos respectivamente em 1740 e 1750-1.
Entretanto,
como ponto de oposição ao acima considerado há o posicionamento do núcleo
primitivo do Porto para a margem oposta, como consta sob a marcação “TomePortes” no mapa do padre jesuíta
francês Jacobo Cocleo, já conhecido em 1696 [4].
ORTIZ
(1996, v.2, p.135) deu informações fundamentais sobre o Capitão Tomé Portes
del-Rei:
“Na segunda metade da
última década seiscentista, já pelos sessenta anos, ingressou nos sertões
mineiros comandando bandeira, acompanhado de muitos moradores do
termo de Taubaté, dentre os quais seu genro, Antônio Garcia da Cunha. Tomé
Portes e esse seu genro incluem-se dentre os primeiros povoadores da região de
São João del-Rei, onde acharam ouro, estando também no rol dos pioneiros
do descobrimento desse metal no rio das Mortes. Afazendaram-se com a família
no local, antes da entrada do século XVIII.”
(grifei)
Neste
excerto está em destaque que ele veio no comando de uma bandeira, trazendo
gente consigo. Isto parece sintomático que sua fixação no Porto fosse bem além
de mera fazenda ou agente governamental de cobrança de impostos de travessia
fluvial: Tomé Portes teve papel na constituição de um núcleo populacional, pois
como disse José Bernardo Ortiz, veio acompanhado
de muitos moradores do termo de Taubaté (e não apenas a família e escravos como
repisa a sua história propalada). Atesta também que tal se deu ainda no século
XVII. Para além, os sertanistas embrenhavam-se nos caminhos como um verdadeiro
grupamento militar, independente de ter finalidade de colonização (no sentido
de fixação em algum lugar) ou de preação de indígenas.
Todos
estes fragmentos se unem numa figura de quebra-cabeças, que decerto faltam
peças, mas esboça uma imagem. O ir e vir de sertanistas, já era frequente, mas
os primeiros achados na região do Rio das Mortes (região muito ampla e
imprecisa) pelo Padre Faria e pelo destemido Jaguara, deflagraram um interesse
especial pela área desta bacia hidrográfica, cujo potencial se despontava. No
mais, os pontos de travessia dos rios eram estratégicos e tinham um especial
interesse. Em geral neles se fixavam elementos de tributação, aluguel de canoas
e balsas, roças para fornecer alimentos. Se Tomé ficou na travessia do Rio das
Mortes, o Jaguara, um pouco mais tarde, de volta à região, fez morada próximo à
travessia do Rio Grande, nas imediações da comunidade que ainda preserva seu
epíteto, Jaguara, distrito de Nazareno.
Em
1701, quando saiu a nomeação de Tomé Portes para guarda-mor, ele já era morador
fixo da região. Não veio para cumprir o papel de um cargo. Veio para ser fazendeiro,
como já era em terras paulistas, e aqui se fez merecedor da nomeação.
A leitura do consistente estudo de
Adriana Romeiro sobre a Guerra dos Emboabas nos revela, ao tratar das condições
político-administrativas que pairavam sobre as minas no final do século XVII e
princípio do XVIII, que como plano de governo sobre a repartição sul, Artur de
Sá e Meneses, então governador da capitania a partir de abril de 1697, visou
fortemente “incrementar os trabalhos de
mineração e aumentar a arrecadação dos quintos.” (ROMEIRO, 2008, p.52). Para tal, desenvolveu uma muito bem
sucedida política de aproximação com os paulistas através da sua nomeação para
cargos, concessão de títulos e combate à crise de alimentos nas minas, segundo
a mesma fonte:
“Ao longo de sua
jornada por terras jamais pisadas por autoridade régia, criou cargos,
distribuiu patentes, implantou regimento, enfim, prodigalizou-se no uso das
formas simbólicas do poder, arrebanhando os paulistas para a esfera da Coroa e,
ao mesmo tempo, afagando-lhes o gosto pela distinção.
(p.52) (...) Sensível às grandes fomes
que assolaram a região entre 1698 e 1699 e entre 1700 e 1701, (...) tratou de solucionar o problema do
abastecimento, um dos maiores obstáculos ao aumento da população local. (p.52)
(...) Demonstrando intimidade com a gente
do Planalto, Sá e Meneses começou por ordenar o plantio de mantimentos nos
caminhos para as minas e nas passagens dos rios, incorporando, assim, um
velho costume dos sertanistas. (p.53; grifei)
A
autora não cita Tomé Portes nesta passagem, mas se depreende de suas linhas,
que havia um plano de governo, ao qual o trabalho feito por Tomé Portes se
encaixava. O governador citado fez três viagens às minas, e quando Tomé foi
nomeado, ele se encontrava nelas. A autora esclarece que o domínio
jurisdicional sobre a complicada região das minas se acerta “com a nomeação de um superintendente e
guarda-mor das minas” (p.50) e que o Governador Arthur de Sá e Meneses “conseguiu implantar os fundamentos da
estrutura administrativa da zona mineradora” (p.51).
A
obra sobre Taubaté de José Bernardo Ortiz é uma fonte fundamental de consulta
sobre Tomé Portes del-Rei. É principalmente deste autor que coligimos os
seguintes dados sobre o personagem histórico: nos diz que ele procedia de
família abastada. Supõe-se que nasceu em Mogi das Cruzes, mas fez vida em
Taubaté, onde foi rico fazendeiro. Era filho de João Portes del-Rei e Juliana
Antunes. O pai era um português de classe nobre, capitão, comandou uma entrada
pelo vale do Paraíba, em companhia do genro, Bartolomeu da Cunha Gago, casado
com Marta Portes del-Rei. Esse Bartolomeu foi vanguardeiro da expedição de
Fernão Dias. Juliana Antunes era descendente de Antônio Preto, povoador da
capitania de São Vicente da segunda metade do século XVI.
Teve
Tomé Portes como irmãs: Ana, Marta e Catarina, todas assinando Portes del-Rei.
A
data de nascimento de Tomé Portes é estimada por volta de 1630. Detinha o
título de capitão e em Taubaté foi juiz ordinário e de órfãos. Tinha fazenda em
Caçapava Velha. Casou-se com Juliana de Oliveira. Ela, após a morte de Tomé,
voltou a Taubaté, onde faleceu em 1728. Era taubateana, filha de Francisco
Correa de Oliveira, paulista falecido em 1686, e de Ângela da Mota.
Tomé
Portes e Juliana de Oliveira tiveram, juntos os seguintes filhos:
- João Portes del-Rei (faleceu em
1728) – c/c - Catarina Bicudo
- Francisco Homem del-Rei –
faleceu solteiro
- Leonor Homem del-Rei –
c/c - Sargento-mor Miguel Garcia Velho
- Maria Antunes Cardoso (fal.1759)
– c/c – Cap. Antônio Garcia da Cunha (casamento: 1688)
- Margarida Antunes Cardoso -
c/c – Antônio da Cunha Gago (casamento: 1697)
Tomé Portes del-Rei morreu em 1702,
assassinado por alguns escravos. Ocorre que outros cativos vingaram a morte do
senhor, matando os assassinos. É o que consta, sendo desconhecidos os detalhes
que geraram tal circunstância, caindo no campo da hipótese qualquer inferência.
Fato é que naqueles primórdios das áreas minerais, reinavam a passos largos os
atos de violência e a ineficácia administrativa da Coroa destacou muito bem
ROMEIRO (2008) em seu robusto estudo sobre a Guerra dos Emboabas.
Antônio Garcia da Cunha
Sobre
o segundo guarda-mor distrital, Antônio
Garcia da Cunha, que substituiu o sogro, em verdade pouco se sabe. Segue um
rol de informações gerais a seu respeito, reunidas a partir de obras de
genealogia (LEME, 1999; MATOSO, 1999; GENEAMINAS, s/d):
-
Viveu por setenta anos. Nascido em São Paulo em 1661. Falecido em Taubaté em
1731;
-
Filho do casal paulista Garcia Rodrigues Moniz (inventariado em 1659) e
Catharina de Unhatte (falecida em 1691);
-
Neto paterno de Manoel Garcia Velho (? -?) e Maria Moniz da Costa
(c.1594-1659);
-
Neto materno de Antônio da Cunha Gago (? -?) e Martha de Miranda (? -?);
-
Irmãos: Miguel Garcia da Cunha, Garcia Rodrigues Moniz, Catarina Dias, Martha
de Miranda (neta), Manoel Garcia Bicudo, Manoel Garcia da Cunha;
-
Casou-se em 1688 com Maria Antunes Cardoso (filha de Tomé Portes del-Rei e
Juliana de Oliveira);
-
Filhos deste casamento – doze, sendo dois homens e dez mulheres, segundo LEME
(s/d):
1-
Francisco Portes (falecido sem geração);
2-
Juliana de Oliveira (casada com Antônio Raposo);
3-
Catharina Garcia de Unhatte (casada com Álvaro Soares Fragoso);
4-
Margarida Antunes (c/c Manoel Moreira);
5-
Angela da Motta (c/c João Fernandes de Sousa);
6-
Francisca Cardoso (c/c Gaspar Vaz Guedes);
7-
Antonia Portes (c/c João Barbosa de Lima);
8-
Maria Portes (c/c Cap. Guilherme Moreira);
9-
João Antonio Garcia;
10-
Martha (c/c José Moreira Cordeiro);
11-
Gertrudes (c/c João Alvares);
12-
Luzia (c/c Domingos Rodrigues Arzam).
-Tinha
o título de Capitão;
-
Mudou-se para o vale do Rio das Mortes, no Porto Real da Passagem, em data
incerta, estimada na última década seiscentista, após 1695;
-
Com a morte do sogro em 1702, assumiu seu cargo de guarda-mor;
-
Como tal, direcionou as gerenciou de datas minerais referentes aos descobertos
auríferos no complexo Serra do Lenheiro em 1704;
-
Fundou o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar em 1705 ou pelo menos dividiu
os terrenos de mineração (datas) que deram origem ao dito arraial;
-
Voltou para Taubaté em 1707, no princípio ou logo antes da Guerra dos Emboabas.
Com sua partida para Taubaté assumiu o
cargo Pedro de Morais Raposo, que aqui já residia desde pelo menos junho de
1706. Homem de forte influência local foi promovido a superintendente distrital
em 08/02/1708, depois a Capitão-mor, e participou da formação da primeira
vereança de São João del-Rei, eleito em 09/12/1713, na qualidade de primeiro
juiz.
Referências
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Acesso em: 26 mar.2020.
Créditos
Pesquisa e texto: Ulisses Passarelli.
Notas
[1] - Descobrimento e devassamento do território de
Minas Geraes. Revista do Arquivo Público Mineiro http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/1702.pdf (acessado em 31/01/2022, 21:47h)
[2] - Descobrimento e devassamento do território de
Minas Geraes (op.cit.).
[3]
- Muito embora esteja bastante consolidado que a fundação de Ibituruna se deu a
partir de uma antiga feitoria estabelecida por Fernão Dias, em 1674, ao que
parece o lugar já era conhecido pelos bandeirantes muito antes: GUIMARÃES
(1988, p.39), relembra um episódio da bandeira de André de Leão (em 1601), que
segundo as crônicas do holandês Wilhelm Joost ten Glimmer, que dela deixou
escrito um roteiro, “fez pouso numa taba
de índios mansos à beira do Rio das
Mortes, nas paragens onde hoje se localiza Ibituruna, daí aprofundando-se no
sertão.” Estima-se que tenha alcançado as cabeceiras do Rio São Francisco.
De Ibituruna o Caminho Geral do Sertão seguia margeando o Rio das Mortes, como
pouca diferença pelas imediações, até a área de travessia no Porto Real da Passagem.
[4] - Conhecido graças a uma cópia setecentista, que
se supõe posterior à morte do padre jesuíta, que ocorreu na Bahia em 1710.
Pertence à mapoteca do Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro. Mapa da maior parte da costa e sertão do
Brazil. Para mais informações sobre
o assunto ver:
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. A cópia
setecentista de Jacobo Cocleo: leituras e questões. In: UFMG https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/SANTOS_MARCIO_ROBERTO_A.pdf (acessado em 06/02/2022, 12:47h).
Sobre as questões míticas figuradas nos antigos
mapas, inclusive o de Cocleo, ver:
DELVAUX, Marcelo Mota. Cartografia imaginária do
sertão. http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/2010D11.pdf (acessado em 06/02/2022, 18:11h)