As violas são instrumentos musicais cordofones dedilhados, de procedência ibérica, derivadas da vihuela medieval e da guitarra renascentista, que por sua vez procedem de primitivos instrumentos de cordas do Oriente Médio, notadamente de antigos alaúdes, da época do império árabe, de quando os mouros dominaram a Península Ibérica.
Em
Portugal desenvolveram-se várias modalidades de violas, distintas por algumas
características e agrupadas em dois conjuntos, com maior ou menor curvatura do
corpo (enfranque). Assim, no território insular surgiram as “violas de arame”,
ganhando peculiaridades na Ilha da Madeira (viola madeirense) e no Arquipélago dos Açores (viola micaelense e viola
terceirense). Igualmente na parte continental daquele país: viola campaniça ou de Beja, típica do
Alentejo; viola braguesa, da região
do Minho; viola beiroa, da Beira
Baixa; viola toeira, da região da
Beira Alta, sobretudo Coimbra; viola
amarantina, do Douro Litoral, que evoca em seu nome a cidade de Amarante, onde faleceu o célebre São Gonçalo [1], protetor dos violeiros.
Chegaram ao
Brasil no princípio da colonização portuguesa, ainda no século XVI. Das
caravelas desembarcaram e os padres jesuítas as usaram para os trabalhos de
catequese dos indígenas nos aldeamentos ao longo da faixa litorânea. Logo o
instrumento caiu no gosto popular e passou ao uso da população comum, na
mestiçagem cultural de tantas etnias formadoras da nacionalidade brasileira.
Então
a viola original portuguesa passa a ser feita aqui, com madeiras tropicais, que
lhe conferiram outra sonoridade. A adaptação de formas e curvaturas
possibilitou o ajuste de novas madeiras e o desenvolvimento de outras afinações. As facilidades ou dificuldades de
toques, as experiências de execução das músicas, as características regionais
de cada cultura, contribuíram para o surgimento de muitas afinações diferentes,
que ganharam nomes pitorescos: rio abaixo, rio acima, cebolinha (simples e ré
acima), cebolão (em ré / em mi), natural, paulistinha, paraguaçu, cana verde, boiadeira,
riachão, repentista e outras.
Essa
adaptação da viola portuguesa à realidade brasileira gerou a viola caipira, tipicamente nacional,
também conhecida por viola sertaneja. Uma de suas variações, no Nordeste
brasileiro, alcançou grande popularidade a partir da década de 1940, a chamada viola dinâmica, característica pelo som
melódico, de timbre metálico, graças à presença estrutural de um disco metálico
contido no bojo do instrumento, cuja vibração se reverbera por pequenos
amplificadores na caixa. A viola dinâmica é característica do uso dos poetas
repentistas nordestinos.
Em
outras regiões nacionais a viola se firmou na tradição musical folclórica,
desde as danças populares como as catiras, curraleiras, fandangos, dança de São
Gonçalo, até as congadas e folias de Reis, do Brasil Central e do Sudeste ao Sul.
Para o Norte, em terras amazônicas, entrou a viola como acompanhamento de
certas danças típicas e no aparato musical religioso de benditos e ladainhas.
Para mais, Brasil
afora, acompanhava modinhas e lundus, colaborando intensivamente para a
construção do universo da música popular brasileira. Mas foi sobretudo nas
modas e toadas de violas, ponteios e rasqueados, na mão hábil e trabalhadora do
homem rural, que a viola se despontou na composição das chamadas duplas
caipiras e se popularizou imensamente no centro-sul brasileiro. Em oposição, o
violão é um instrumento desde sempre mais urbano, ligado aos poetas e
literatos, música de boemia e das canções. Mas na formação das duplas, viola e
violão se casaram em perfeita harmonia, aquela com dez cordas, som mais agudo e metalizado, com papel solista e de floreados e este com seis, mais grave, formando base e mantendo a pulsação.
Por toda parte
a cultura tradicional a envolveu em lendas. Desenvolveram-se simpatias ao seu
redor e um universo cultural próprio se estabeleceu sobre a viola, se configurando
como um dos instrumentos mais importantes da música brasileira. Assim
a viola participou como elemento estruturante e simbólico da música sertaneja, vista
sempre pelo aspecto poético, bucólico, evocador de brasilidade, trazendo à tona
a nostalgia da roça.
Depois de
longo período de ocaso, a viola experimenta desde meados dos anos 80 ou começo
da década seguinte um soerguimento e agora um período de efervescência musical,
graças ao virtuosismo de grandes músicos solistas ou de conjunto, que trabalhando
na mídia e na educação patrimonial [2], nos revelam o valor incomensurável deste
instrumento, tão afeito aos cantares brasileiros, de caráter identitário à
própria cultura nacional. A viola hoje galga os rumos da música profissional,
em franco crescimento.
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Violeiro - Lourival Amâncio de Paula, folião e capitão, com uma viola meia-regra [3]. São Gonçalo do Amarante, antigo Caburu (São João del-Rei-MG). 2010. |
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Violeiro - Manoel Teodoro do Nascimento - participante das contradanças, com uma viola meia-regra. Passos/MG, jul.1997. |
Referências
ANDRADE, Mário
de. Danças Dramáticas do Brasil. São
Paulo: Martins, 1959.
ARAÚJO, Alceu
Maynard Araújo. Folclore Nacional.
2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964.
CASCUDO, Luís
da Câmara. Dicionário de Folclore Brasileiro.
Rio de Janeiro: EDIOURO, [s.d]. 930p.
HINDLEY,
Geoffrey. Instrumentos musicais. São
Paulo: Melhoramentos, 1981. Coleção Prisma.
Notas
- Revisão e acréscimos: 18/02/2024 e 16/07/2025.
[3] Meia-regra: viola cujos trastes (travessas metálicas para pontuar as notas musicais) ocupam apenas a parte correspondente ao braço, estando ausentes no corpo do instrumento.
Créditos
- Texto (04/07/2018) e fotografias: Ulisses Passarelli