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Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sábado, 7 de julho de 2018

Violas: de Portugal aos sertões

As violas são instrumentos musicais cordofones dedilhados, de procedência ibérica, derivadas da vihuela medieval e da guitarra renascentista, que por sua vez procedem de primitivos instrumentos de cordas do Oriente Médio, notadamente de antigos alaúdes, da época do império árabe, de quando os mouros dominaram a Península Ibérica.

Em Portugal desenvolveram-se várias modalidades de violas, distintas por algumas características e agrupadas em dois conjuntos, com maior ou menor curvatura do corpo (enfranque). Assim, no território insular surgiram as “violas de arame”, ganhando peculiaridades na Ilha da Madeira (viola madeirense) e no Arquipélago dos Açores (viola micaelense e viola terceirense). Igualmente na parte continental daquele país: viola campaniça ou de Beja, típica do Alentejo; viola braguesa, da região do Minho; viola beiroa, da Beira Baixa; viola toeira, da região da Beira Alta, sobretudo Coimbra; viola amarantina, do Douro Litoral, que evoca em seu nome a cidade de Amarante, onde faleceu o célebre São Gonçalo [1], protetor dos violeiros.

Chegaram ao Brasil no princípio da colonização portuguesa, ainda no século XVI. Das caravelas desembarcaram e os padres jesuítas as usaram para os trabalhos de catequese dos indígenas nos aldeamentos ao longo da faixa litorânea. Logo o instrumento caiu no gosto popular e passou ao uso da população comum, na mestiçagem cultural de tantas etnias formadoras da nacionalidade brasileira.

Então a viola original portuguesa passa a ser feita aqui, com madeiras tropicais, que lhe conferiram outra sonoridade. A adaptação de formas e curvaturas possibilitou o ajuste de novas madeiras e o desenvolvimento de outras afinações. As facilidades ou dificuldades de toques, as experiências de execução das músicas, as características regionais de cada cultura, contribuíram para o surgimento de muitas afinações diferentes, que ganharam nomes pitorescos: rio abaixo, rio acima, cebolinha (simples e ré acima), cebolão (em ré / em mi), natural, paulistinha, paraguaçu, cana verde, boiadeira, riachão, repentista e outras.

Essa adaptação da viola portuguesa à realidade brasileira gerou a viola caipira, tipicamente nacional, também conhecida por viola sertaneja. Uma de suas variações, no Nordeste brasileiro, alcançou grande popularidade a partir da década de 1940, a chamada viola dinâmica, característica pelo som melódico, de timbre metálico, graças à presença estrutural de um disco metálico contido no bojo do instrumento, cuja vibração se reverbera por pequenos amplificadores na caixa. A viola dinâmica é característica do uso dos poetas repentistas nordestinos.

Em outras regiões nacionais a viola se firmou na tradição musical folclórica, desde as danças populares como as catiras, curraleiras, fandangos, dança de São Gonçalo, até as congadas e folias de Reis, do Brasil Central e do Sudeste ao Sul. Para o Norte, em terras amazônicas, entrou a viola como acompanhamento de certas danças típicas e no aparato musical religioso de benditos e ladainhas.

Para mais, Brasil afora, acompanhava modinhas e lundus, colaborando intensivamente para a construção do universo da música popular brasileira. Mas foi sobretudo nas modas e toadas de violas, ponteios e rasqueados, na mão hábil e trabalhadora do homem rural, que a viola se despontou na composição das chamadas duplas caipiras e se popularizou imensamente no centro-sul brasileiro. Em oposição, o violão é um instrumento desde sempre mais urbano, ligado aos poetas e literatos, música de boemia e das canções. Mas na formação das duplas, viola e violão se casaram em perfeita harmonia, aquela com dez cordas, som mais agudo e metalizado, com papel solista e de floreados e este com seis, mais grave, formando base e mantendo a pulsação. 

Por toda parte a cultura tradicional a envolveu em lendas. Desenvolveram-se simpatias ao seu redor e um universo cultural próprio se estabeleceu sobre a viola, se configurando como um dos instrumentos mais importantes da música brasileira. Assim a viola participou como elemento estruturante e simbólico da música sertaneja, vista sempre pelo aspecto poético, bucólico, evocador de brasilidade, trazendo à tona a nostalgia da roça.

Depois de longo período de ocaso, a viola experimenta desde meados dos anos 80 ou começo da década seguinte um soerguimento e agora um período de efervescência musical, graças ao virtuosismo de grandes músicos solistas ou de conjunto, que trabalhando na mídia e na educação patrimonial [2], nos revelam o valor incomensurável deste instrumento, tão afeito aos cantares brasileiros, de caráter identitário à própria cultura nacional. A viola hoje galga os rumos da música profissional, em franco crescimento.

Violeiro - Lourival Amâncio de Paula, folião e capitão, com uma viola meia-regra [3]
São Gonçalo do Amarante, antigo Caburu (São João del-Rei-MG). 2010.

Violeiro - Manoel Teodoro do Nascimento - participante das contradanças, com uma viola meia-regra.
Passos/MG, jul.1997.

Referências

ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas do Brasil. São Paulo: Martins, 1959.

ARAÚJO, Alceu Maynard Araújo. Folclore Nacional. 2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1964.

CASA DOS VIOLEIROS. As afinações da viola. Disponível em: http://casadosvioleiros.com/homolog/index.php/a-viola/9-a-viola-caipira/13-afinacoes-da-viola  Acesso em 04 jul. 2018.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário de Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: EDIOURO, [s.d]. 930p.

CURSO DE VIOLA. Viola caipira: por que uns usam afinação em Mi e outros em Ré? Disponível em: http://auladeviola.com/viola-caipira-por-que-uns-usam-afinacao-em-mi-e-outros-em-re/#sthash.pXLhruvE.dpbs  Acesso em 04 jul. 2018.

HINDLEY, Geoffrey. Instrumentos musicais. São Paulo: Melhoramentos, 1981. Coleção Prisma. 

WIKIPÉDIA. Violas portuguesas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Violas_portuguesas   Acesso em 04 jul. 2018.

 YOUTUBE. Viola dinâmica. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z2IrbScNy44  Acesso em 04 jul. 2018.   

  
Notas 

- Revisão e acréscimos: 18/02/2024 e 16/07/2025. 

[1] Sobre o santo padroeiro dos violeiros,  São Gonçalo do Amarante, ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alo_de_Amarante
[2] O Conselho Estadual do Patrimônio Cultural - Conep aprovou em reunião de 14 de junho de 2018 o Registro dos Saberes, Linguagens e Expressões Musicais da Viola em Minas Gerais como patrimônio cultural imaterial. Fonte: https://www.iepha.mg.gov.br/index.php/noticias-menu/340-minas-gerais-reconhece-as-violas-como-patrimonio-cultural-do-estado
[3] Meia-regra: viola cujos trastes (travessas metálicas para pontuar as notas musicais) ocupam apenas a parte correspondente ao braço, estando ausentes no corpo do instrumento. 

Créditos
   
- Texto (04/07/2018) e fotografias: Ulisses Passarelli