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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Vão s'imbora, Vitalina!

Festa de Nossa Senhora do Rosário em São Gonçalo do Amarante, distrito de São João del-Rei

Findaram no último dia 13 as comemorações do reinado na vila de São Gonçalo. Concluído o tríduo levado a efeito na vetusta igreja de 1732, prenunciado por um mastro do Rosário fincado no largo gramado quinze dias antes, a comunidade acordou na madrugadinha, com a barra do dia apontando, graças ao batido de tambores da alvorada, feito por um pequeno grupo de caixeiros do local, que céleres percorrem a vila com um toque característico, só ouvido neste momento e batizado pelo pitoresco nome de "vamos embora, Vitalina". Mas não é pronunciado assim... é mais ao sabor mineiro: "vão s'imbora, Vitalina!", quase uma onomatopeia da percussão. 

Seis da manhã. Fogos de artifício espoucam no ar; sinos tinem notas velhíssimas no bronze. A alvorada se conclui. O dia foi saudado. Sem esta praxe a festa não pode correr bem... A luz espanca as trevas. Sua chegada deve ser motivo de grande alegria na manhã festiva acima de outras. 

A matinada de tantos sons logo cedo avisa o povo do rocio que o dia maior chegou. E vem chegando dos sítios e dos povoados, à pé, à cavalo, por vezes de bicicleta. Depois chega o ônibus de São João, buzinando na entrada até o largo e despeja uma leva de devotos do Rosário de Maria. Carros estacionam aqui e ali, trazendo gente. 

Indo para o Congo.

Pelas oito o congo reúne na Travessa Cava Funda, na casa de "sô Vavá", como carinhosamente é alcunhado o capitão daquela guarda de Nossa Senhora do Rosário, Lourival Amâncio de Paula. Uns pelos cantos dão uma tragada num cigarro de palha. Outros riem de um gracejo do colega. Já outros põe a caixa a esticar o couro no tênue sol matutino. Dorival, filho do capitão, aparece mas não tarda, porque é festeiro e esse não tem sossego até a festa acabar. São mil afazeres para o bem comum. Alguém veste o saiote colorido por cima da calça branca. Vavazinho, todo zeloso, prende um alfinete ao ombro de um de seus soldados, segurando o travessão, uma larga faixa de pano em diagonal no peito. Experimenta-se este ou aquele capacete, cada qual mais florido que o outro. João Cademe tine o couro para experimentar o som. Gonçalinho pergunta se não tem uma daquelas branquinhas, a pinga de roça, para tirar a poeira da garganta e afinar a voz. Salame chega por ali e espia o movimento. Léo, filho do saudoso capitão Juca, neto de outro memorável capitão, Raimundo Sabino, vem chegando concentrado, ciente de seu dever com a santa, destacando num saiote e travessão verde-musgo. Paulinho, que toca chique-chique como ninguém, aponta lá na esquina que desce pro Caxambu. Vem devagar, abotoando a camisa. A turma vai encorpando. A moçada nova já está por ali, despreocupada e numa agitação daquelas. Na cozinha, dona Maninha oferta um cafezinho com quitandas para os dançantes que se achegam. Um tucano risca o céu no seu vôo de avião. Na laranjeira do quintal um sabiá canta chamando chuva. Pai Nosso... Ave Maria... "Viva Nossa Senhora do Rosário, meus soldados!" , grita o capitão. "Viváaaaa...", vem a resposta automática. "Pruuuuu..." zoa o apito... 

"_ Oi, na hora de Deus começa, 
Pai, Filho, Espírito Santo!
_ Deixa-me benzer primeiro, 
pra livrar d'algum quebranto..."

O congo vai visitar o festeiro "Sininho". 

O capitão não é bobo. Canta em nome de Deus, que livra dos males todos em geral e em especial. É bom não cochilar: o contrário espreita a chance de atrapalhar. Nos capacetes multicores de cada dançante tem um espelhinho. Dizia-me Vavá: "você sabe pra quê que serve?" ... "é pra embaraçar o inimigo." Tem estudioso que diz que o espelho nos chapéus, peitorais e instrumentos, colados adrede, tem uma função inconsciente de astrolatria, pois refletindo a luz, brilha, simbolizando o sol. Eu cá, com todo respeito, comungo com o povo, que atribui a esse espelho o efeito prático de refletir o mal-olhado, rebater o quebranto. 

O congo vai para a igreja, dali ao mastro e ao cruzeiro e só depois ao café da manhã, na sede esportiva do União, junto ao campo de futebol. Neste ínterim já no meio da manhã, surge em outro ritmo o "congado das mulheres", assim cognominada a "Congada Azul e Branca Nossa Senhora Aparecida", um catupé do lugar, sob a regência do capitão Domingos Sávio dos Passos, que subindo a ladeira que vem da Rua da Bomba, traz as mulheres e jovens em demanda ao largo. Após a visita de regra à igreja, cuidam de levantar seu mastro de Nossa Senhora Aparecida e daí cumpre o mesmo itinerário do grupo anterior. Este grupo de formação recente surgiu como uma nova proposta de participação feminina no contexto da tradição congadeira nesta vila, denotando uma ampliação das atividades e vai se consolidando com um bom trabalho. 

Capitão Domingos conduz a guarda Nossa Senhora Aparecida.

Além dos dois grupos de São Gonçalo do Amarante mais três estiveram presentes, vindos da cidade de São João del-Rei: o da Maria Auxiliadora Mártir (este ano ajudada pelo capitão Danilo Francisco de Assis, de Santa Cruz de Minas), o do Moacir Santana (ambos capitães do Bairro São Dimas) e o do José Tadeu do Nascimento, este de Matosinhos. 

Encontro amistoso de capitães: José Tadeu e Vavá. 

Irmanados na vila colonial, seguiram o dia todo em tocata. Almoçaram e após a sesta junto à grande árvore de gameleira (Ficus, moraceae), foram à Gruta do Divino Espírito Santo recolher o reinado. Também presente o Imperador do Divino deste ano, Edmilson Washington da Silva, vindo de Matosinhos com uma representação da comissão da festa do Santuário do Sr. Bom Jesus. 

Congado do capitão Moacir Santana.

Cada grupo passou pela gruta em saudação e seguindo o último foram os reis, rainhas, príncipes, princesas e o imperador, solenemente, subindo em cortejo pelo Beco de Pedra, até serem entregues na igreja, para o ritual da chamada e a missa festiva. 

Maria José e José Marcos, casal do reinado da guarda de N.S.Aparecida.

A procissão foi bastante concorrida, com três andores: N.S. do Rosário, N.S. Aparecida e São Benedito, sob os cuidados dos irmãos do Santíssimo Sacramento do local e presença do Padre Ilton de Paula Resende, pároco do Senhor dos Montes, a cujo paroquiato se vincula a Igreja de São Gonçalo do Amarante. 

Capitães Maria Auxiliadora e Danilo, exibem o troféu da festa.

Na chegada cada terno voltou ao interior da igreja após a entrada dos andores, se despedindo. O grupo das mulheres baixou seu mastro. O soldados de Vavá só depois de uma quinzena, como reza a velha tradição centenária deste grupo. A promessa é esta: continuidade!

Vitalina foi s'imbora. Até para o ano, se Deus quiser.

* Texto: Ulisses Passarelli
 ** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 13/10/2013

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