No campo das narrativas populares existe um grupo de estórias bem humoradas dedicadas a São Pedro, que o figuram como personagem turrão e que faz trapalhadas. Algumas vezes aparece também a mãe do santo apóstolo, que na tradição foi uma feiticeira má e invejosa dos poderes de Jesus. Falam de um tempo antigo, "de quando Deus andava pro mundo..." É tão abstrato, que parece, a marcação temporal não pode abarcá-la. Jesus surge como o Mestre, literalmente, sagaz, sábio, equilibrado.
Obviamente que nenhuma dessas estórias encontra base evangélica e nem vai nelas carga de desrespeito. São Pedro é querido pelo povo e essa relativa intimidade é prova disto. Por isto antes de lermos ou ouvirmos estes contos devemos nos despir de preconceitos e beatices. O universo da cultura popular não pode e não deve ser entendido na ótica estritamente histórica ou litúrgica, pois estará desenquadrado, fora de contexto e de valor perdido, tornando-se mera curiosidade, exotismo.
Nesta oportunidade presto minha grata homenagem ao informante, a quem tinha grande amizade, o irmão de fé carinhosamente conhecido por sr. "Quinzinho", que muito contribuiu para o bom êxito do Jubileu do Divino em São João del-Rei e cujo chamado do Pai Maior em plena novena do Espírito Santo deixou uma lacuna irremediável. Oportunamente este blog divulgará outra de suas narrativas.
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Jesus e São Pedro depois de exaustiva jornada pediram pouso numa fazenda. O fazendeiro os recebeu muito mal. Mas apesar de grosseiro permitiu que dormissem ali. Conduziu-os a um quartinho escuro com uma só cama.
_ Deitem aí se quiserem... Óh, eu gosto de sossego e respeito em minha casa. "Ai" de vocês se eu escutar um barulhinho aqui! Eu corto no relho!
Bateu a porta e se foi.
Jesus disse:
_ Pedro, deita na beirada da cama que eu deito no canto da parede.
De madrugada, São Pedro teve vontade de urinar e ao levantar no escuro derrubou algumas coisas que estavam empilhadas no quarto. O barulho acordou o dono, que chegou muito bravo, com o relho numa mão e a lamparina na outra. Jesus e São Pedro quietos deitados mas como viu os trastes caídos no chão, logo disse:
_ Ah, só pode ser o da beirada...
E deu-lhe tremenda surra, com muitas chicotadas. Então o fazendeiro foi-se embora avisando:
_ Que eu não tenha que voltar, heim! Olha lá...
Jesus compadeceu das dores de São Pedro, todo quebrado, moído, chorando de dor.
_ Pedro, troca de lugar comigo. Deita aqui no canto que é mais confortável.
E foi para a beirada.
Novo barulho. O homem levantou endemoniado com o chicote e entrou com tudo no quarto.
_ Eu avisei! Agora o do canto não me escapa!
E como tinham trocado de lugar, São Pedro tomou outra sova.
O informante, Joaquim Maia Filho.
* Texto e pesquisa: Ulisses Passarelli
* Informante: Joaquim Maia Filho, 14/04/2000.
* Fotografia (corte): Sebastião Machado Gomes ("Jacó"), 2009, acervo Comissão do Divino-São João del-Rei, gentilmente cedida por Antônio da Silva Serpa.
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