Hoje, 24 de setembro, festeja-se Maria Santíssima sob a invocação das Mercês: mercê - favor, graça concedida. Nos ensina o professor GAIO SOBRINHO (1996):
"Em 1218, São Pedro Nolasco, São Raimundo de Penaforte e o rei Jaime I, de Aragão, tiveram de Nossa Senhora uma visão que lhes pedia a criação de uma ordem religiosa, cujo objetivo fosse, principalmente, a redenção dos cativos cristãos das prisões muçulmanas. Fundaram pois uma ordem militar que trazia algo de guerreiro, de celeste e de real. Daí as três palavras latinas que aparecem gravadas nas suas bandeiras e insígnias: Celestis - Regalis - Militaris." (p.66)
Nas Minas Gerais este sodalício dedicou-se à libertação de escravos e foi constituído no passado sobretudo por negros nascidos no Brasil (crioulos, segundo a terminologia do período escravocrata), ao contrário dos africanos (negros da costa) que reuniram-se principalmente sob a invocação do rosário. Também agregava os mulatos, que na nomenclatura da época se referia aos filhos e filhas de branco com negra ou vice-versa.
Com grande popularidade e força difundiu-se a devoção mercedária. Anteriormente a 1750 já estava estabelecida em São João del-Rei uma irmandade sob sua invocação, que goza o título de arquiconfraria. A capela primitiva tinha forma de panteão romano.
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Igreja das Mercês em São João del-Rei.
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A Festa das Mercês é uma das mais relevantes da cidade, com animado movimento de barraquinhas e importante estrutura de celebrações, com enorme afluência de fiéis. A grande procissão toma as ruas coloniais calçadas de pedras, na noite primaveril, acompanhada pelas corporações musicais, que nunca deixam de tocar a esplêndida "Marcha das Mercês", composição do ilustre são-joanense Luiz Batista Lopes.
Foi fundado em São João del-Rei um congado sob a bandeira da Virgem das Mercês, em meados de 2006, no Bairro Alto das Mercês. Os dançantes desse catupé trajavam-se de amarelo-creme no tom da Arquiconfraria das Mercês e inclusive tinham estampado o brasão daquele sodalício. Infelizmente este grupo teve uma vida efêmera.
Além da bela igreja de Nossa Senhora das Mercês no centro histórico temos a Capela das Mercês na Colônia do Giarola, em plena área de colonização italiana, construída com o esforço de migrantes e descendentes. Atualmente em obras, tem agora o adro murado, muito amplo e um grande galpão de festas. É uma área excelente para atividades religiosas, educativas e sócioculturais.
Capela de Nossa Senhora das Mercês da Colônia do Giarola, São João del-Rei/MG. Agosto/2004.
Em Lagoa Dourada, BUZATTI (1988), referenciando Richard Burton, citou a existência de uma Capela das Mercês, que desde o final do século XIX já não existe.
Noutras cidades dos Campos das Vertentes a devoção também tem ou teve sua popularidade, a exemplo de Tiradentes, com sua bela igreja própria, com cemitério anexo. Segundo SANTOS FILHO (1996), a irmandade das Mercês tiradentina foi criada em 1754 no contexto da Capela do Rosário e começaram a edificar sua própria igreja a partir de 1770, em obra de longa duração que só terminou no século seguinte. Informou ainda que os festejos:
"se faziam com muita pompa, incluindo danças folclóricas de negros, como os congados" (...) "Na segunda metade do século XIX a Irmandade das Mercês teve grande importância na cidade, chegando a ter grande número de irmãos espalhados por toda a província de Minas Gerais e, hoje, ainda mantém a arquiconfraria e seu cemitério próprio."
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Igreja de Nossa Senhora das Mercês, Tiradentes/MG, 26/12/2014. |
Prados, tinha uma Irmandade das Mercês, datada de cerca de 1784, há muito extinta. Em 1790, segundo pesquisa de VALE (1985, p.188), há registro de pagamento de 9 oitavas e 14 réis do procurador Joaquim Ferreira da Costa ao pintor Cipriano Ferreira de Carvalho pela pintura de uma caixa de guerra.
Localizei no jornal O Resistente uma menção do século XIX a uma Festa do
Rosário e das Mercês em Ibertioga, sem qualquer citação a congados.
O grupo moçambique e congada de Piedade do Rio
Grande chama-se “Nossa Senhora das Mercês”, santa que vem estampada na
bandeira.
Congadeiro de Piedade do Rio Grande com a bandeira mercedária, durante uma Festa do Rosário
no Bairro São Dimas, em São João del-Rei, outubro/1996.
Na vizinha Santana do Garambéu também há um grupo desses, cuja bandeira branca, conforme observação de 1998, traz de um lado a figura da Virgem do Rosário e na outra face a da Senhora das Mercês, pinturas da arte popular.
Nossa Senhora das Mercês estampada na bandeira alva dos moçambiqueiros de Santana do Garambéu, durante uma Festa do Divino, em São João del-Rei, Bairro Matosinhos. A corrente pintada simboliza a libertação dos cativos. Maio, 1998.
Em Conceição da
Barra de Minas havia animadas festas em honra à Virgem das Mercês, segundo o jornal O Combate. Sua edição nº206, de 1902, diz que elas elas foram animadas e "sublimes". O festeiro foi o maestro professor Carlos dos Passos, que dirigiu com competência a parte musical. A parte religiosa esteve a cargo do vigário João Trindade.
É padroeira de Mercês de Água Limpa (ex
Capelinha), distrito de São Tiago, onde goza de intensas festividades, que congregam moradores de toda aquela área rural.
Daí para
a Mesorregião do Oeste de Minas, já fora dos Campos das Vertentes, sua popularidade cresce nos meios folclóricos. Em
Passa Tempo os congados fincam seu mastro dentre outros na Festa do Rosário, em outubro. Na Microrregião de
Oliveira há congados de que é padroeira. A festa congadeira nessa cidade é em
setembro, na comemoração das Mercês.
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Mastro de Nossa Senhora das Mercês. Passa Tempo/MG, 18/10/2015. |
Referências Bibliográficas
- BUZATTI, Dauro José. Viagem as Minas dos Cataguazes. Contagem: Fund. Mariana Resende Costa, 1988. 123p.
- GAIO SOBRINHO, Antônio. Sanjoanidades: um passeio histórico e turístico por São João del-Rei. São João del-Rei: A Voz do Lenheiro, 1996. 90p.il.
- SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos. Festa do Bom Jesus da Pobreza e de Nossa Senhora das Mercês. Inconfidências, n.8, setembro/1996, Tiradentes. p.3.
- VALE, Dario Cardoso. Memória Histórica de Prados. Belo Horizonte: [s.n], 1985.
Referências Hemerográficas
(jornais publicados em São João del-Rei)
O Resistente, n.248, 15/10/1895
O Combate, n.159, 19/03/1902; n.206, 12/10/1902
Notas e Créditos
* Texto, pesquisa e fotografias: Ulisses Passarelli.
** Acervo de jornais antigos da Biblioteca Pública Municipal Batista Caetano d'Almeida, São João del-Rei, disponíveis em seu
site.
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