Os bichos dão lição aos homens...
Um homem, certa vez, num tempo de
grande estiagem, chegou à beira de um rio quase seco e viu no fundo de um poço
que era mais lama que água, um filhotinho de jacaré, pouco mais que um lagarto.
Imaginou que com aquele sol forte e a falta de chuva sua sina estaria
certamente e com brevidade marcada pela morte. Desceu e salvou o bicho,
soltando-o na água corrente.
Feita a boa ação partiu. O tempo
passou, passou ... Anos depois chegou junto ao mesmo rio, ainda naquele lugar
onde salvara o jacarezinho. Só que agora, ao contrário, uma imensa enchente
elevava-se de um barranco ao outro, socavando as encostas ribeirinhas.
O homem chegou bem na beirada para
ver melhor a agitação das águas quando foi surpreendido por um desmoronamento
da margem. Caiu na correnteza e foi levado. Sabia nadar mas a água estava brava.
De súbito, como que um tronco que boiava, se meteu debaixo dele e o ergueu
entre as pernas. Mais assustado ficou ao ver que não era pau, mas um imenso
jacaré. Quis fugir quando o bicho falou:
_ Carma home! Num me cunhece não? Sô aquele jacaré que ocê sarvô quano
era fiotin’ numa poça de barro, alembra?
_ Ah... mas não é possível!
_ Claro que é. Tô agradecendo. Vô te descê no barranco.
Lá ia numa cena curiosa o homem rio
abaixo cavalgando um jacaré. Mas nada de desembarcar. É que a fera a propósito,
maquinava se devia ou não devorar seu benfeitor. Na confusão do pensamento
fazia hora para tomar a decisão. O homem cismou.
_ Jacaré, por favor, me desce logo que tô com medo.
_ Já vai home...
Passou por um galho sobranceiro onde uma coruja estava pousada. O jacaré
perguntou-lhe.
_ Bem se paga com bem ou bem se paga com mal?
_ Com bem, respondeu-lhe a coruja.
O jacaré não gostou da resposta.
Queria o contrário. E homem apavorou.
_ Me desce logo!
_ Não dá pra sê aqui, oh, barranco alto. Com’é que ocê sobe?
Passou outra árvore grande onde um
urubu espiava aquela cena inusitada.
_ Bem se paga com bem ou bem se paga com mal?
_ Com mal, falou taciturno o urubu.
O jacaré agradou mas no fundo a voz
da sua minúscula consciência retrucava o empate das respostas, pois enfim se
não fosse o homem ele teria morrido... Mas se o deixasse na beira poderia então
comê-lo sem remorso, pois já estava pago porque o teria salvado do afogamento
primeiro.
_ Quero sair jacaré!
_ Lá embaixo naquela curva do rio, no espraiado, tá vendo?
Mas antes da raseira, uma grande
árvore havia tombado nas águas, meio para fora, meio para dentro. Em acentuada
inclinação, obstruía em parte a passagem do rio. Sobre aquele tronco ao longe
viu o homem um coelho calmamente tocando sua viola.
O jacaré gritou ao coelho a mesma
pergunta, louco pelo desempate que o deixaria sem embaraço algum para
estraçalhar o homem ali mesmo. Mas o coelho muito velhaco percebeu a má
intenção e...
_ O quê?... Não tô escutando... (pôs a mão na orelha)
_ Bem se paga com bem ou bem se paga com mal?
_ Âhn? Fala mais alto...
Ele queria é que se aproximassem para
dar oportunidade ao homem de saltar fora e embromava o brutamonte dentuço.
Na terceira vez que se fez de surdo,
já boiavam perto da árvore caída. Dedilhou um toque na viola, cantando assim:
“Quem tempo tem,
Quem tempo espera,
En’vém o tempo
Que o diabo leva...”
E tocando seu instrumento abanava a
cabeça de lado, dando sinal ao homem que pulasse no galho caído na torrente.
Ele entendeu e vupt! O coelho lhe deu
uma mãozinha e foi a conta, pois a bocada do jacaré escancarou rasgando ramo e
juntando folha, num urro assustador. Safou-se o homem com ajuda da esperteza do
coelho e o bestial jacaré teve que caçar peixes para matar a fome.
Notas e Créditos
* Informante: José Cândido de Salles ("Zé Cristino Boiadeiro"), Santa Cruz de Minas/MG, 1996.
** Coleta e adaptação textual: Ulisses Passarelli.
*** Fotografia: Iago C.S. Passarelli, 10/12/2013.
Ulisses, penso que nossas lendas são riquezas culturais preciosas pouco conhecidas porque ainda não foram descobertas, recolhidas e divulgadas.
ResponderExcluirQue bom que você, garimpeiro cultural, está fazendo este trabalho! Grande abraço.
Sim, Emílio, elas são preciosas. Tenho algumas dentre minhas anotações e pouco a pouco vou soltando-as aqui no blog. Elas contém uma didática notável, sempre ensinando algo, com uma linguagem tipicamente rural e personagens populares. Quisera vê-las mais exploradas nas escolas... Abç.
ResponderExcluirQuando eu era criança ouvia uma história de 3 princesas e 3 pé de pimentas. Príncipes que se transformavam em Rei das Águias, Rei dos Carneiros e um Dragão que morava no fundo do mar.
ResponderExcluirUma outra história do Soldado Raso
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