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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quinta-feira, 9 de maio de 2013

Os congados em velhas páginas jornalísticas

            Em São João del-Rei/MG, uma pérola cultural multi-facetária encontra-se na Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida, em cujo acervo muitas obras raras nos brindam com informações valiosas para as mais diversas pesquisas.

              Dentre tantos jornais antigos editados nesta cidade, encontram-se notícias de festejos populares de épocas passadas.

              De seu site aqui lincado, colhi esta semana algumas notícias sobre o congado na região, datadas de 1937 e 1938, que ora compartilho neste blog. Para melhor expô-las procedi a algumas foto-montagens, que seguem abaixo: 

Foto 1 - Diário do Comércio, São João del-Rei, n.230, 14/12/1938

Festa de Santa Cruz
"Domingo próximo, as 10 e meia horas, haverá missa campal no povoado de Santa Cruz, celebrada pelo Pe. José Bernardino de Siqueira, Vigário de Tiradentes.
Após haverá a Festa do Congado, com dansas e cantos característicos.
Haverá também leilão de prendas. Abrilhantará as festas a “Orquestra Ramalho”, de Tiradentes."



Foto 2 - O Porvir, São João del-Rei, n.257, 06/03/1937

Congado
"Já vistes a dansa do “Congado”?
Foi numa noite não muito clara, de um luar amortecido, ouvindo pios de aves agourentas, não mui distante de um pequeno povoado, que assisti, pela primeira vez, a um “Congado” afro-brasileiro. Sangue dos trópicos e sangue africano ali se uniram familiarmente, para a festança _ a chegada e o Reinado do Congado _ festa de gente de côr, onde branco não entra.
Em volta de uma fogueira crepitante, os velhos negros, já no outono de uma vida incerta, conversavam, rindo e gesticulando, a fumar cigarros de palha, ou a pitar em cachimbos de barro.
Admiram os pobres velhos a mocidade alegre, viril, primavera em flôr, que dansa e pula, saracoteia e canta, na loucura da festa do “Congado”.
Ora são rapazes de calça de xadrez, faixa á cintura, camisa sem manga e o pandeiro nas mãos que vem passar por baixo de um arco florido, cheio de laços de fitas, amuleto de felicidade, no dizer dos velhos pais de família; ora são moças, crioulas beiçudas, vestidas de chita, pano ao pescoço e argolões á orelha _ argolões antigos, herança da avó _ muito limpos, brilhando no luar.
Gritos agudos, cantos, bater de pandeiros, sapatear barulhento e compassado encantam-me . E eu me lembro do meu Brasil antigo, Brasil dos engenhos do Norte, Brasil das minas auríferas do Centro, Brasil das estâncias do Sul...
E a festança alcança o seu apogeu. É o carnaval africano trazido ao Brasil pelos escravos saudosos da terra natal!
E assim vai rompendo pela noite a dentro aquela folia quase selvagem. E escuto ainda, como a ecoar ao longe, os cantos exóticos daquela mocidade folgazã.
Washington Kepler de Brito (da 5ª série)"



Foto 3- Diário do Comércio, São João del-Rei, n.212, 23/11/1938

Congados
"Tem percorrido os subúrbios desta cidade um interessante núcleo de Congados angariando esmolas para a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, no Tijuco.
No domingo, esse Congado, cujo chefe é o Sr. José Francisco, esteve no Morro da Forca. No próximo domingo percorrerá o bairro de Senhor dos Montes.
Haverá também missa campal e cantos de Congado no povoado de Santa Cruz, no dia 18 de Dezembro próximo." 



Foto 4- Diário do Comércio, São João del-Rei, n.170, 04/10/1938

Nossa Senhora do Rosário
"Ante ontem, 1ª dominga de Outubro, foi o dia consagrado a Nossa Senhora do Rosário.
Devoção das mais antigas e de mais eficazes frutos espirituais a Confraria do Rosário comemorou condignamente o dia consagrado a Excelsa Padroeira, estando festiva a Igreja do Rosário, belamente ornamentada com luzes e flores em profusão.
Houve missa cantada ás 10 ½ horas da manhã e á noite profissão de novos irmãos da Confraria, seguindo-se a rasoura em derredor da Igreja, Te Deum Laudamus e Bênção do Santíssimo Sacramento.
Fato extraordinário: este ano professaram 90 irmãos novos!
Abrilhantaram as solenidades a orquestra Lira Sanjoanense sob a regencia do maestro Fernando Caldas e a banda musical Santa Cecilia regida pelo Sr. Joaquim Laurindo dos Reis.
Sendo o mês de outubro todo ele consagrado como mês do Rosário, haverá todos os dias, pela manhã, missa, recitação do terço, bençam na Egreja do Rosário. Á tarde, ás 18 ½ horas, também diariamente, bençam do S.S. Sacramento na Egreja Matriz."


Foto 5- Diário do Comércio, São João del-Rei, n.194, 01/11/1938

Festa do Rosário
Especial para Tiradentes

"Para as festas de N.S.do Rosário a realisar-se hoje em Tiradentes, correrá um trem especial para aquela cidade, partindo d’aqui ás 16.40 minutos, regressando ás 21 horas, ao preço de 1$200 rs., ida e volta."

             Destes recortes se observa um certo desdém à manifestação, onde não existe preocupação descritiva ou de valor, e, muitas vezes, os comentários se aproximam da depreciação ou usam de expressões racistas. Contudo, guardadas de lado as concepções de época, os recortes guardam em si um valor documental dada a extrema parcimônia de registro de manifestações folclóricas na imprensa antiga. Não que a cultura popular fosse rara mas tão somente não interessava à mídia daquele período, refletindo o próprio pensamento da sociedade dominante.

               Dois registros interessantes são os das festas do Rosário de Tiradentes e São João del-Rei que não demonstram participação de cultura popular ou pelo menos ela não gerou notícia posto que relatos orais coligidos em minhas pesquisas revelam a presença de congados nesse período nestas festas nas duas cidades em questão. 

              O informe de Santa Cruz de Minas é coetâneo ao período de ereção do cruzeiro (de madeira) que nomeou o lugar, bento pelo Padre de Tiradentes, José Bernardino de Siqueira. Para mais notícias dessa tradição neste município veja o texto Congados de Santa Cruz de Minas. Santa Cruz nesta época era um povoado pequeno, com um grupo de casas espalhado pelo mato, tendo como ponto de congregação uma pequenina capela dedicada a São Sebastião. 

               O texto de Kepler de Brito chama especialmente a atenção pela sua extensão e tanto mais por estar contido no periódico do Ginásio Santo Antônio, sob rigorosa administração franciscana. As páginas d'O Porvir revelam um escritor que não obstante traçar o congado como uma realidade social distante, já nos indica uma miscigenação e confessa uma certa admiração pelo atraente bailado dos dançantes. A menção especial ao arco florido poderá ser referência a alguma coreografia já perdida, usando desse complemento cênico; senão isto, é uma alusão à execução da dança das fitas ou com mais probabilidade a passagem do grupo sob arcos de bambu enfeitados, até hoje utilizados. 

           Um dado valioso nos dá o Diário do Comércio que fala sobre o congado de Capitão José Francisco, do Bairro Tijuco, em São João del-Rei, esmolando em prol da edificação da Igreja de N.S.da Conceição. Informações orais que eu recolhera de Antônio Geraldo do Reis, morador das Águas Férreas, naquele bairro, em 1993, davam conta exatamente que o grupo de José Francisco, sediado na Rua São João, era um congo que por volta da edificação da  igreja do bairro, em 1938, então sob o orago de Nossa Senhora da Conceição, andava de rua em rua recolhendo ofertas dos fiéis para ajudar na construção. O jornal corrobora a informação do saudoso violinista e tenor de nossa orquestras, o citado sr. Antônio. 

               Ocorre que o informante me dizia a título de curiosidade, que as más línguas começaram a caluniar o capitão do congado, dizendo que estava desviando parte dos recursos coletados. José Francisco não se fez de rogado. Passando defronte da casa das caluniadoras, cantou em desagravo: 

Refrão:
"Ei, Nossa Senhora!
Ei, Nossa Senhora!
Senhora da Conceição,
Oi, Senhora da Conceição." 

Estrofes:
Nós estamos pedindo esmola,
A senhora não pode negar.
Senhora deita com saúde,
cuidado para levantar...

Tiramos esta esmola,
para construir a igreja, 
a igreja da Senhora,
Senhora da Conceição!

Eu não roubo essa esmola,
Os outros falam que eu roubei,
é mentira de todo mundo,
uma praga eu já roguei...

Vem para cá, senhora, 
vem, ajudar também. 
Vem dar uma esmola, 
Para nós fazer nosso bem. 

               Resta dizer que tempos mais tarde a Igreja de Nossa Senhora da Conceição mudou de padroeiro, passando para o patronato de São José Operário, festejado até hoje, todo primeiro dia de maio.
               Para ver mais informações sobre essas manifestações em sua fase antiga em São João del-Rei vide a postagem História dos Congados

Notas e Créditos

* As transcrições hemerográficas desta postagem respeitaram a grafia original de época. 
** Texto, pesquisa e foto-montagens de recortes jornalísticos: Ulisses Passarelli

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