“Praça de Touros – No Domingo effectuou a Companhia Tauromachica mais um concorridissimo espectaculo, tendo havido variadas sortes, nas quaes todos os artistas foram bastantemente applaudidos. Poderiam entretanto mais fazerem, serem muito mais felizes se tivessem encontrado rezes mais bravas. No Domingo haverá novo espectaculo.” (O Combate, n.171, 04/06/1902)
O desenvolvimento da consciência protecionista tem evoluído e combatido qualquer forma de entretenimento que implique em estresse e maltrato ao animal, tal como a farra do boi no sul, a rinha de galos (desde longa data proibida) ou a de canários da terra, assim também as antigas praças de touros.
Mas no teatro folclórico o boi é personagem querido e persevera sua mística na representação dos folguedos, encontrando seu ponto alto no bumba-meu-boi, um dos mais expressivos autos da cultura popular nacional.
Curiosa fantasia carnavalesca flagrada no carnaval de São João del-Rei em 2013. |
O bumba é o um dos folguedos mais importantes do país, vastamente distribuído em território nacional, praticamente conhecido em todos os estados, em versões mais simples ou complexas, congregando em torno de si muitos personagens, cantorias, músicas e um belo efeito visual.
Sua matriz é um boi de fingimento, ou antes, armação imitando bovino, sob o qual se mete um sujeito a dar cabeçadas nos circunstantes, com música, cantoria e dança. É de remota origem europeia, conhecida desde longa dada em Espanha, tal como em Portugal. Mas aqui o brasileiro soube inserir todo um complexo cultural formado em torno do gado, um verdadeiro ciclo temático que contribuiu para a nova fisionomia do folguedo. Mas por oras este post se limita a listar as poucas presenças do bumba-meu-boi aqui pelas Vertentes de Minas.
Informações dão conta que no passado foi conhecido no distrito de São Miguel do Cajuru, em São João del-Rei, segundo SACRAMENTO (2000), saindo na festa do padroeiro, São Miguel Arcanjo, em setembro: "Lembro-me de uma pessoa travestida de boi, cabeça com chifres, restante coberto por pano estampado animando e dando carreiras nos mais distraídos e nos meninos". O mesmo autor, em outro lúcido e importante registro (2010), informa ainda sobre o boi na Festa do Carmo, no povoado do Caquende, também em território são-joanense: "assustavam as pessoas, causando algazarra geral."
Noutro de nossos distritos, São Gonçalo do Amarante, também é conhecido, com a particularidade de sair no Domingo da Páscoa antes da queima do judas, de rua em rua até terminar junto à Chácara do Judas onde concluía seu desfile dando lugar ao ritual de queima do boneco. É o boi malhado, nos dizeres do informante Lourival Amâncio de Paula, o "Vavá", baluarte da cultura local.
Meu pai, David Passarelli, que em 1968 trabalhou na mineração do Penedo, em Ritápolis, teve oportunidade de lá ver um grupo desses pelas ruas poeirentas, a correr atrás da molecada em grande alarido. Infelizmente não se lembrava de qual era a festividade.
Pude observar um boi no carnaval da cidade de Ritápolis em 2001, inserido no bloco Enterro do Zé Pereira. O Boi tinha a aberração de ter duas cabeças. Em Muqui / ES, confirmou-me pessoalmente o folclorista Affonso Furtado, também foi registrado um boi de duas cabeças.
Em Coronel Xavier Chaves ainda é realizado com o nome de boi-de-caiado, originalmente no período junino na comunidade rural onde surgiu (povoado da Cachoeira) e depois, transposto à cidade, ingressou no ciclo festivo carnavalesco. Versão bastante simples do bumba-meu-boi, resumida ao boi de fingimento e aos tocadores (sanfona, caixa, pandeiro, violão e eventualmente outros instrumentos). Não há enredo, só a dança do bicho. O homem metido sob a alegoria de animal, promove correrias atrás dos circunstantes e aos corcovos deixa as crianças espavoridas. Sai em diversas épocas do ano, quando houver ocasião propícia, sobretudo nas festas juninas. O ritmo é alegre, com um cantador solista tirando versos improvisados insistentemente contraponteados pelo coro, com um refrão tradicionalíssimo: “_ Esse boi é meu! _ Êh, boi! / Esse boi de caiado! _ Êh, boi! / O meu boi tá cansado! _ Êh, boi!, etc.” (Coronel Xavier Chaves, 1995, informante José do Rosário Anacleto, carinhosamente conhecido por "Zé Carreiro"). É possível que nome do boi seja corruptela de "gaiado", ou seja, de grandes galhas, chifres avantajados.
PELLEGRINI FILHO (2000) registrou em fotografia o boi no carnaval de Tiradentes. Naquele município tradicionalizou-se sob a alcunha do próprio organizador: "Boi do Culote".
Notícias orais dão conta que já houve também em Resende Costa.
Boi-de-carnaval, das Águas Férreas, Bairro Tijuco, São João del-Rei, 1992. |
Boi-mofado, Prados, 2000. |
Referência Bibliográfica
SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Caquende. Jornal de Minas, São João del-Rei, nº125, ano 10, 28/05 a 03/06/2010.
PELLEGRINI FILHO, Américo. Turismo Cultural em Tiradentes: estudo de metodologia aplicada. São Paulo: Manole, 2000. 188p.il. Prancha 28E.
Boi Mamado abre o carnaval de Barroso nesta quinta-feira. Barroso em Dia, 28 de fevereiro de 2019
Pequena Bibliografia do Bumba-meu-Boi
Origens do Reisados Brasileiros (sobretudo o item 04 - O Boi, um caso à parte)
Nenhum comentário:
Postar um comentário