Quem vê hoje superficialmente o complexo ferroviário desta cidade não imagina o que de fato ele foi e o que representou para os moradores. As oficinas ferroviárias da cidade de São João del-Rei atingiram uma elevada atividade. Chegou-se a construir locomotivas por aqui, como comprova esta notícia jornalística:
“sob a direção do mecânico Eduardo Moreira, nas oficinas da EFOM, de São João del-Rei, foi construída totalmente a locomotiva nº 55. A única peça que veio de fora (Ribeirão Vermelho), foi o cilindro, assim mesmo, sendo defeituoso, foi consertado por nossos operários.” (Fonte: O S. João d’El-Rey, n.30, 07/10/1920).
Referências desta estirpe enchiam de orgulho os são-joanenses, muitos dos quais partícipes dessas conquistas. Os muitos jornais publicados nesta tradicionalista cidade mineira davam conta para júbilo da população de melhoramentos aprovados para o sistema ferroviário, representativos de um progresso intenso, como a inauguração nos meados de 1915 do Ramal de Barra Mansa da Ferrovia Oeste de Minas (EFOM), pelo qual se iria ao Rio de Janeiro em um dia. Outra notícia auspiciosa da mesma fonte informava que a 29 de maio daquele ano inaugurar-se-ia o túnel de passagem dos trens da Rede Sul Mineira (Lavras – Três Corações). (Fonte: A Tribuna, n.49, 13/06/1915.). As conexões ferroviárias em uma malha eficaz de transportes sobre trilhos permitiam que também o são-joanense usufruísse desses melhoramentos ainda que distantes. Outro exemplo:
“O Ministro da Viação autorizou alargamento da Oéste de Minas no trecho que vai de Aureliano Mourão a Ribeirão Vermelho”. (Fonte: A Opinião, n.14, 21/08/1907)
Desta forma os antigos jornais da cidade são uma importante fonte de pesquisa histórica das ferrovias do país. Revendo suas amareladas páginas na busca desses vestígios nos deparamos por vezes com notícias tristes também:
"Desastre. O trabalhador portuguez Joaquim Ferreira Portella estando hoje no serviço de tirar pedras para o hotel que foi mandado construir nesta cidade pela companhia Oeste de Minas, recebeu sobre a cabeça uma pedra que abriu-lhe o craneo ao meio deixando á vista o cérebro. Foi transportado em braços para o hospital” (Fonte: A Pátria Mineira, n.5, 13/06/1889).
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Exemplo de notícia sobre a Ferrovia Oeste de Minas num antigo jornal de São João del-Rei. |
O trem marcou profundamente nossa alma. O carinhoso nome de "Maria Fumaça" aplicado às locomotivas a vapor tem um inegável fundo afetivo. É mais que um apelido, uma figura de linguagem. Não é para menos. O “trem de ferro” foi um agente
difusor de cultura por toda vasta região ocupada pelos trilhos.
Sua chegada no
fim do século XIX representou um diferencial de progresso e marcou a vida social como nova época. Agilizou e fomentou o escoamento da produção agro-pecuária e industrial e trouxe consigo novos produtos e técnicas de construção e do fazer. Ao longo dos trilhos os povoados cresceram, empregos foram gerados, famílias foram criadas sob sua égide: histórias e estórias existem aos montes na memória popular por onde passou um dia a ferrovia, relatando a fartura de seu tempo e as gerações dela dependente, tipo: meu avô foi chefe de estação, meu pai foi guarda-freio, eu fui foguista, meu tio era ferroviário, meu irmão mais velho também...
Os
maquinistas tinham uma espécie de linguagem de sinais pelo silvo das
locomotivas, o que se depreende de seus depoimentos. O apito característico
de cada máquina e a maneira particular de apitar de cada um indicavam a chegada deste ou
daquele trem ou maquinista e eram sua identidade. O povo se acostumava com a musicalidade de cada uma e com o ouvido treinado arriscava o palpite do número das máquinas, mesmo antes de vê-las, ao ouvir ainda longe um apito: a 38 está chegando! É a 43, do sr.fulano!
Contam casos de maquinista que tendo uma concubina
morando próximo à beira da linha ao passar diante de sua casa apitava o trem de
forma diferente e convencionada, para avisá-la de sua chegada à cidade.
Dentro deste contexto os apitos de trens, tais como os toques dos sinos, os dos berrantes dos boiadeiros e os avisos dados por fogos de
artifício são linguagens de sons que se perpetuam informalmente e fazem parte
da folk-comunicação.
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Locomotiva nº 41 da EFOM nas imediações do Sutil, em São João del-Rei/MG, 2011. |
Notas e Créditos
* Texto, fotografia e foto-montagem: Ulisses Passarelli
** Para saber mais a respeito acesse os links abaixo:
A Ferrovia
A Chegada da Maria Fumaça
O Trenzinho das Águas
A Oeste de Minas e Matosinhos
EFOM: algumas glórias do passado
Pontilhão do Elvas
Saudades Ferroviárias
Coqueiros: estação restaurada!
Maria Fumaça
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