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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Favas contadas...

Fava é o nome de vários grãos comestíveis, de plantas leguminosas aparentadas ao feijão. No Nordeste é muito procurada, freqüentemente vendida nas feiras como vi no Rio Grande do Norte (Bairro Alecrim, Natal).

Na Paraíba reconhecem a “fava boca de moça” (pequena, vermelha com listras brancas irregulares) e a “fava orelha de vó” (grande, branca com listras irregulares pretas) e com elas compõe o prato típico chamado favada – fava cozida com pedaços de carne e legumes variados, temperada com cebola e coentro.

Por aqui a fava é menos querida, mas nem por isto ausente: existe a “branca” (clara, grande), a "preta" (escura, grande) e a “belém” (vermelha, pequena).

Usamos em São João del-Rei a fava tal como o feijão, cozida e afogada com tempero a gosto, ou ainda numa de farofa de favas.

Um registro digno de nota é uso da fava como firmeza espiritual. Assim, aqui a fava-belém serve para aumentar a fartura dos alimentos e por isto tem-se alguns de seus grãos guardados nos gongás ou escondidos entre os mantimentos da despensa. Outras, habitualmente não comestíveis, servem de firmezas, acondicionadas num patuá guardado no bolso, na algibeira ou pendente ao pescoço por um cordão: fava de Ogum (grande caroço rosado-escuro, também conhecido como feijão-espadão) e a fava de Omulu (caroço cinza, graúdo, bem achatado).

O nome fava é aplicado ainda nas Vertentes a uma semente de árvore leguminosa da família fabaceae, o faveiro ou umbela, Schizolobium parahyba : fava de Santo Inácio, fava de São João, fava de umbela. É uma semente não comestível, dura, bastante achatada, de contorno ovalado, cor castanha, tamanho médio de 3 x 1,5cm. Geralmente é furada e trespassada por um cordão ou arame e usada como penduricalho contra quebranto (dizem que Santo Inácio não deixa o mal entrar na pessoa que a usa ao pescoço ou no bolso). Os passarinheiros costumam pendurá-la nas gaiolas, evitando o mal-olhado de invejosos (tal como o tento). Muito usado em colares-guias de caboclos e pretos-velhos. Tem ainda uso na crença da medicina popular: pendurada ao pescoço de crianças, creem que propicia dentição resistente. No Nordeste corre igual crença com a semente da mucunã, esclarecendo Cascudo que é por simples analogia da dureza da semente com a do esmalte dentário. Outro uso dos processos folclóricos de tratamento é contra hemorroidas, bastando carregar uma semente de fava junto ao corpo, em qualquer parte, contanto que esteja tocando a pele.

A fava aparece ainda na expressão popular "favas contadas", no sentido de algo certo, garantido, inevitável.

E para encerrar, quase parodiando esta expressão, segue a transcrição de um conto sobre favas. Pertence à categoria natureza denunciante - algumas favas magicamente ganham voz e denunciam um mistério insolúvel ao protagonista da estória...

Favas de Santo Inácio já furadas para confecção de uma guia.

Havia um homem que estava muito triste por causa de sua mulher, que quase não comia. Ele tinha medo que ela adoecesse e morresse. 

Mas na verdade ela comia bastante e sempre escondido dele, na hora que saía. Perto do esposo fazia cara de sofrimento, para com isto angariar mais cuidados do marido. 

Certo dia, ele já desesperado foi procurar a ajuda de uma mulher velha, sabida, benzedeira. Contou o que se passava e ela deu-lhe quatro caroços de fava e disse que plantasse um em cada canto da casa, escondido, que as sementes por serem encantadas lhe mostrariam a verdade. 

Assim ele fez e ficou de tocaia observando. 

Sua esposa, pensando que ele tinha ido para o trabalho, pegou a galinha mais gorda do terreiro, matou, preparou e quando já ia comer, uma das sementes da fava mágica gritou do canto da casa: 

_ "Já vai começar..."

A outra, no canto oposto, também falando, emendou: 

_ "... a comer..."

E na sequência mais uma fava disse alto: 

_ "...quando o marido..."

E finalmente a quarta fava:

_ "... vai trabalhar!"

O homem ouvindo a denúncia das favas falantes voltou para casa e pegou a mulher falsa "com a boca na botija", zangando com ela e pondo um fim naquela atitude deplorável.


Favas brancas e nas quadrículas, um prato de favas cozidas
e uma vagem aberta mostrando os grãos.

Referência Bibliográfica

CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro: pesquisa do catimbó e notas da magia branca no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978. 208p. p. 83-4. 


Notas e Créditos
* Obs.: "com a boca na botija" - expressão popular que significa surpreender, pegar em flagrante. 
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Fotos: Iago C.S. Passarelli
*** Informante do conto: Elvira Andrade de Salles, Santa Cruz de Minas, 2001. 

Um comentário:

  1. Meu pai falava sobre as roças do meu bisavo, que ele plantava a fava oreia de vó junto do milho e colhido o milho o pé em pé sustentava o peso da fava pra vó fazer a cata da fava orea de vó

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