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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 22 de dezembro de 2013

O Preá no folclore

“Piriá” ou “P’riá” são corruptelas do nome de alguns mamíferos da ordem Rodentia, com larga distribuição geográfica na América do Sul, histricomorfos, da família dos caviídeos, sobretudo a espécie Cavia aperea encontrada na região das Vertentes. 

Habita brejos e capinzais. 

Lamentavelmente é muito caçado, seja por atacar as hortas, seja pela carne. Costumam caçá-lo com o “fôjo”, um buraco feito no chão, com tampa falsa, tipo alçapão, com as ramas prediletas por cima (adora batata-doce). Indo comê-las, cai no escavado e depois é só colhê-los. 

Na tradição oral simboliza a vagabundagem como quem come de graça sem trabalhar, embora seja admirado por andar muito, pois como de fato vagueia nos capinzais. Diz o povo que em bando andam em fila indiana nos alagadiços. Os versos corriqueiros na região fixam estas imagens: 

“Minha gente venha ver
a vidinha do preá: 
morando em terra alheia
comendo sem trabalhá...” 
(trova, Santa Cruz de Minas, 1995) 

“Andei cinqüenta léguas
no lombo do piriá; 
o bicho é pequenino
mas danado pra andá!...” 
(trova, Santa Cruz de Minas, 1995)

Minha gente, venha ver,
a vida do piriá: 
montado na mãe-do-ouro,
comendo sem trabaiá!...” 
(calango, Barroso, 1998)* 

Por analogia aos seus dentes proeminentes de roedor, as pessoas portadoras de maloclusão dentária do tipo classe II - 1 de Angle, são pejorativamente alcunhadas de preás, por terem dentes incisivos superiores proeminentes, com a maxila trespassada em excesso em relação à mandíbula (overjet).

Não se deve confundir os préas nacionais com o cobaia ou porquinho-da-índia, seu parente andino, Cavia porcellus, animal exótico, criado em cativeiro e usado no jogo coelhinho: nos festejos de barraquinha dos santos das capelas, usava-se muito este jogo, com renda para a igreja em festa, que vez por outra alguém relembra e ainda faz nas quermesses. Um círculo de casinholas de madeira é posta em círculo largo, todas encostadas umas nas outras sem deixar espaço e com a única entrada voltada para o centro. Cada casinha é numerada, apostando-se num dos números. Ao centro da roda de casas de madeira, um caixote de madeira com a abertura virada para o chão aprisiona um desses bichos. Feitas as apostas, o responsável pelo jogo levanta o caixote e solta o cobaia, que apavorado pelas palmas, gritos, assovios e abanos de mãos dos circunstantes, corre a esconder dentro de uma das casinhas, cujo felizardo que naquele número apostou é o ganhador do prêmio. 



* A décadas foi recolhido num clássico da folclorística, esta trova em João Pessoa/PB (compare-se a semelhança extraordinária): 
"Minha gente, venha ver
a vidinha do preá:
deitado na macaxeira,
comendo sem trabalhar..."
In: MOTA, Leonardo Ferreira da. Violeiros do Norte: poesia e linguagem do sertão nordestino. 2.ed. Rio de Janeiro: A Noite, 1955. 298p. p.44. 
** Informantes das quadras: Sta.Cruz, Elvira Andrade de Salles; Barroso, Manoel Júlio de Sousa
***Texto: Ulisses Passarelli

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