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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 24 de julho de 2013

Indústria caseira

Muitas vezes quando abordamos a cultura popular temos a tendência de nos inclinar mais para as manifestações imateriais. Este blog bem que andou por estes rumos... cantorias, lendas, festas, folguedos, benzeções, crendices. Mas é preciso não esquecer que o universo da folclorística é muito amplo e abraça também os elementos materiais dos bens culturais. 

Se bem que "o fazer" seja em si, intangível, o produto final é concreto, material.

Assim poder-se-ia passear pelo artesanato, a luteria, o fabrico de remédios como as garrafadas, produtos culinários, artefatos de caça e pesca de fatura caseira, implementos agrícolas de fabricação manual. A depender da técnica, do fazer, podem ser enquadrados no campo da cultura popular. 

Ora abordamos de breve passagem a indústria caseira. Com este nome entendemos a fabricação a nível individual ou familiar, eventualmente comunitária, de produtos que servirão ao consumo ou uso humano, sempre com técnicas manuais, empíricas e tradicionais. A produção se mantém segundo velhas receitas passadas pelas gerações através de um aprendizado informal. A matéria-prima é de simples acesso no meio em que se vive, parte do próprio cotidiano do fabricante. 

Muitas vezes temos assistido ao esmaecimento desse labor, sob a falta de apoio da política cultural vigente no país, que desde longa data inferniza a vida dos produtores rurais com taxas, burocracias e exigências que desestimulam a produção e dificultam a comercialização. O rumo deveria ser bem outro, o do incentivo, o da facilitação, aumentando a renda e ajudando a fixação do morador rural. 

Assim, impossibilitados ou dificultados de se adequar às exigências sanitárias e fiscais, vai o homem rural ficando sem o possível ganha-pão. Desanimado, vende seu sítio e migra para os subúrbios, agravando os problemas sociais. 

Vários produtos poderiam ser citados ou descritos dentro da chamada indústria caseira, a típica, dentre farináceos, queijos, bebidas, doces, etc. Mas ora esta página se atém a duas velhas receitas colhidas com pessoas entrevistadas em Santa Cruz de Minas, mas comuns em verdade a todos esses "campos" que "vertem" cultura. 

*  *  *

Farinha de Milho:

Também chamada "farinha de pilão". 
O milho debulhado (os grãos tirados do sabugo) são postos a fermentar em uma vasilha com água, onde ficam submersos. A água vai sendo trocada de tanto em tanto conforme vai ficando turva. Gasta em torno de três dias para o milho azedar. 

Uma vez pronta a fermentação o milho é socado manualmente em pilão ou em monjolo. 

A massa resultante é passada na peneira. O produto que ficou sobre a peneira é posto sobre um grande abano de palha trançada, onde é acomodado com as mãos, formando uma massa achatada, em forma de disco. 

Num tacho previamente aquecido em forno e untado com gordura, é virado o abano para cair a massa que vai torrando, sendo virada com grandes espátulas de madeira. Essa massa é o "beiju" (biju). Uma vez pronto ele é separado fora do fogo. 

A seguir o restante da massa peneirada, ou seja, a que passou pelo crivo, é posta a torrar livremente sem fazer biju, como se fosse outra farinha qualquer. Depois de pronta, essa farinha é misturada ao biju que é quebrado em pedaços, dando uma granulação floculada à farinha de milho. 

Sabão de Bola: 


Também chamado "sabão preto". 

A confecção do sabão começa com um processo de decuada da cinza de fogão à lenha, em um "barrileiro": um balaio do tipo jacá, forrado com palha de bananeira, cheio de cinza, suspenso em um suporte, tendo debaixo uma vasilha de aparar. Acomoda a cinza de modo a deixar um vão no meio ("boca"). 

Vai se despejando água no meio do jacá, e por filtragem a água de cinza vai saindo por baixo, como quem coa café num coador. O produto, ou seja, a "dicuada de barrilêro" é amparada num vasilhame. 

A segunda etapa é por uma matéria gordurosa a derreter num tacho ao fogo. Pode-se usar abacate ou sebo de vaca. Depois de derretido, pouco a pouco se vai acrescentando a cinza coada, sempre misturando, com grande colheres de pau.  

O ponto de sabão é tirado em uma bacia com água onde se põe uma porção para experimentar: se desmanchar sem fazer espuma precisa ficar mais no fogo. 

Ao chegar no ponto certo, espera-se esfriar. Ainda morno vai-se enrolando para fazer bolas ou caso não queira nesse formato, é vertido dentro de formas retangulares para fazer barras, que depois de frias podem ser cortadas em tabletes. 

Se feito em bolas é em geral depois enrolado em palha seca de bananeira e de uma tira de sua fibra se faz o amarrio por constricção. 

Alguns produtores acrescentam ao sabão artesanal ramos batidos da herbácea chamada mané-turé (também conhecida por mané-magro e isopo, Leonurus sibiricus, Lamiaceae), que garante um sabão que produz muita espuma. 

Outros ainda somam a soda cáustica, produto químico que apressa o processo de produção para um dia, pois pode levar até três no sistema tradicional. O caso é que o sabão sodado é inadequado para a pele, prejudicando as principais indicações do sabão de bola. 

* Texto e pesquisa: Ulisses Passarelli
** Informante: Elvira Andrade de Salles (1995) e José Maria do Nascimento (2013), naturais de Bias Fortes / MG. 


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