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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O blog blogou bem blogado

Os Trava-línguas

“O povo brinca com a linguagem, como se pode observar à farta no folclore infantil. Chega a fazer dela um objeto com o qual também consegue se divertir: divertir e aprender.” (Weitzel)


                O vasto campo da oralidade se descortina com grande amplitude de opções ao pesquisador folclorista; algumas raras, outras bem populares, se não mesmo próximas, como diversão praticada em nossa própria infância.
                Nos momentos de lazer uma das diversões são os jogos de linguagem, joguetes da fala, dentre os quais um dos mais conhecidos é o trava-línguas. Assaz difundido, algumas versões ultrapassam as fronteiras regionais e se estendem pelas vastidões nacionais.
               A.H.Weitzel  estudando-os junto com a linguagem secreta, outra preciosidade oral popular, sugeriu o uso dessas manifestações para trabalhos de dicção pelos terapeutas da fala. Sugeriu uma classificação dos trava-línguas em simples, compostos e complexos conforme a predominância dos fonemas consonantais e pontos de articulação.
                Observando a pequena coletânea que disponho de  minhas pesquisas de campo, notei  pelo menos três formatos, que obviamente não invalidam a classificação proposta pelo notável estudioso. Primeiro vejamos uns trava-línguas típicos, digamos assim [1]:

1) O rato roeu a roupa do rei Ricardo de Roma.
2) O peito do pé de Pedro é preto.
3) O homem da horta humilhou ontem o hortelão honesto.
4) O galego gago vigia o gageiro e joga gagau[2] com o gigante.
5) Três pratos de trigo para três tigres tristes.
6) Sabia que o sabiá sabia assobiar?
7) Casa rasa, chão sujo.

Dos exemplos acima o 3 e o 4 denotam grande antiguidade, visível nas palavras em desuso.
Em alguns casos o trava-línguas se processa repetindo-se a frase sucessivas vezes e cada vez mais rápido, misturando os sons e gerando o erro: “macarrão, camarão, caramujo”O mesmo processo induz o som de alguma outra palavra não enunciada, por vezes chula: “burro do sertão”. E que ninguém julgue mal a este blog por estas e outras, porque ainda está por se escrever o “folclore do sexo” ou algo assim, que é de uma extensão admirável no universo cultural do brasileiro.
Outro formato é o de estrofes, quadras, abordando em geral o tema amoroso[3]:

Com pena peguei na pena,
Com pena não te escrevi;
Com pena peguei na pena,
Com pena não te esqueci...  [4]

Não sei se é fato ou se é fita,
Não sei se é fita ou se é fato;
O fato é que ele me fita,
Me  fita mesmo de fato.

Não sei se sei...
Se sei, não sei;
Só sei que sei,
Que por ti me apaixonei...

Desejo que sua vida
Seja uma sucessão de sucessos
Que se sucedam sucessivamente
Sem cessar.

Gostei, gosto, gostarei,
Do gosto gostoso
De gostar de você...
Gostou, gostoso?!

O exemplar mais insólito de trava-línguas colhi-o cantado num congado, a guarda de catupé “São Benedio e Nossa Senhora do Rosário”, de São João del-Rei, no Bairro São Dimas, do Capitão Luís Santana, pelos idos de 1993:

Eu vim de Baretama,
Vou pro “toma!, dê cá!”
Não há “cá!”, sem “toma!”,
Nem há “toma!”, sem “dê cá...”

       É uma referência enigmática ao mercado de trocas, posto de barganhas, onde se entrega uma mercadoria (toma!) recebendo-se outra como paga (dê cá!).
Outra fórmula se faz prosaica. Ouvi muitas vezes enunciada pelos moleques de meu tempo:

O doce perguntou pro doce, qual era o doce que era mais doce.
O doce respondeu pro doce, que o doce que era mais doce, era o doce de batata-doce.

Os trava-línguas demonstrados geralmente consistem numa brincadeira entre duas pessoas: a mais habilidosa desafia a outra a repetir sem tropeçar nas palavras. O desembaraço consiste em grande habilidade com as palavras e o exercício dessas expressões um passatempo e treino de linguagem.

Referências Bibliográficas
WEITZEL, Antônio Henrique. Folcterapias da Fala. Revista da Comissão Mineira de Folclore, n.20, ag.1999, Belo Horizonte.

* Texto: Ulisses Passarelli



[1] - Informantes, todos de São João del-Rei: 1 e 2, memória da própria infância; 3 e 4, Aloísio dos Santos, 1995; 5 ,6 e 7, Iago C.S. Passarelli, 2013.
[2] - Substantivo masculino. “Conjunto de ossos de cabrito e de hiena misturados com seixos brancos e pretos e que constituem o oráculo dos negros de Moçambique” (Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/gagau/ - acesso em 02/08/2013, 18:58h)
[3] - Informantes, ambos de Santa Cruz de Minas, 1997: a primeira quadra, Elvira Andrade de Salles, as demais, Maria Aparecida de Salles.
[4] - Variante: “Com pena peguei na pena, / com pena te escrevi; / sem pena, tu me esqueceste, / com pena, não te esqueci.” (Inf.: Maria Aparecida de Salles, agosto /2013, Santa Cruz de Minas).

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