Exatamente a 167 anos, o inglês William John Thoms, usando do pseudônimo de Ambrose Merton, publicava no jornal londrino O Athenaeum, uma carta na qual aparece pela primeira vez a palavra FOLCLORE. Sugerindo diretrizes de pesquisa, não é sem razão considerado o patrono da Folclorística. Esta postagem, é uma modesta homenagem a este mentor.Abaixo segue transcrito a referida publicação que deu origem ao termo folclore.
Cenas ao acaso de integrantes da Folia "Embaixada Santa", de Reis, Divino e São Sebastião, do Bairro Araçá, São João del-Rei/MG.
As suas páginas mostraram amiúde
o interesse que toma por tudo quanto chamamos na Inglaterra, “Antiguidades Populares”,
“Literatura Popular” (embora seja mais precisamente um saber popular do que uma
literatura e poderia ser com mais propriedade designado com uma boa palavra
anglo-saxônica, Folk-lore, o saber
tradicional do povo), que não perdi a esperança de conseguir a sua colaboração
na tarefa de recolher as poucas espigas que ainda restem espalhadas no campo no
qual os nossos antepassados poderiam ter obtido uma boa colheita.
Quem
quer que tenha estudado os usos, costumes, cerimônias, crenças, romances,
refrãos, superstições, etc., dos tempos antigos deve ter chegado a duas
conclusões: a primeira, quanto existe de curioso e de interessante nesses
assuntos, agora inteiramente perdidos; a segunda quanto se poderia ainda
salvar, com esforços oportunos o que Hone procurou fazer com o seu ‘Every-Day
Book’, etc. e Athenaeum - com sua
larga circulação pode conseguir com eficácia dez vezes maior – reunir um
número infinito de fatos minuciosos, que
ilustram a matéria mencionada, que vivem esparsos na memória dos seus milhares
de leitores, e conservá-los em suas páginas até que surja um James Grimm e
preste à mitologia das Ilhas Britânicas o bom serviço que o profundo
tradicionalista e filólogo prestou à Mitologia da Alemanha. Este século dificilmente
terá produzido livro mais notável, imperfeito como seu próprio autor confessa
na segunda edição de ‘Deutshe Mythologie’: o que é isso? – Uma soma de pequenos
fatos, muitos dos quais, tomados separadamente, parecem triviais e
insignificantes – mas, quando considerados em conjunto com o sistema no qual os
entrelaçou sua grande mentalidade, adquirem então um valor, que jamais sonhou
atribuir-lhes o que primeiro os recolheu.
Quantos
fatos semelhantes uma só palavra evocaria, do Norte e do Sul, de John O’Grot à
Ponta da Terra! Quantos leitores ficariam contentes em manifestar-lhe seu
reconhecimento pelas notícias que lhes transmite todas as semanas, enviando a
algumas recordações dos tempos antigos, uma lembrança de qualquer uso
atualmente esquecido, de alguma lenda em desaparecimento, de alguma tradição
regional, de algum fragmento de balada.
Tal
serviço não seria apenas para o tradicionalista inglês. A conexão entre o
Folk-lore da Inglaterra (lembre-se que reclamo a honra de haver introduzido a
denominação Folk-lore, como Disraeli introduziu ‘Father-land’, na literatura
deste país) e o da Alemanha é tão íntima que essas comunicações servirão
provavelmente para enriquecer uma futura edição da Mitologia de Grimm. Deixe-me
dar-lhe um exemplo dessas relações: num dos capítulos de Grimm, que trata
largamente do papel do cuco na mitologia popular – do caráter profético que lhe
deu a voz do povo – e cita muitos casos de derivar predições do número de vezes
que seu canto é ouvido. E menciona também a versão popular “ que o cuco nunca
canta antes de se ter fartado, três vezes, de cerejas”. Agora, fui recentemente
informado de um costume que existia em Yorkshire, que ilustra o fato da conexão
entre o cuco e a cereja. E isso, também, em seus atributos proféticos. Um amigo
me comunicou que crianças em Yorkshire estavam acostumadas antigamente (e
talvez ainda estejam) a cantar uma roda em torno da cerejeira com a seguinte
invocação:
Cuco, cerejeira,
Venham cá e nos digam
Quantos anos nós teremos de vida.
Cada menino sacudia a árvore – e
o número de cerejas derrubadas indicava o número de anos de vida futura.
Eu
sei que o verso infantil que citei se conhece bem; a maneira porém de aplica-lo
não foi anotada por Hone, Brade ou Ellis: - é um desses fatos que, insignificantes
em si mesmos, tem grande importância quando formam elos de uma grande
cadeia - um desses fatos que uma palavra
do Athenaeum recolheria em abundância
para o uso de futuros investigadores no interessante ramo das antiguidades
literárias – nosso Folk-lore.
(a) Ambrose
Merton
(Extraído
do Documento da Comissão Nacional de
Folclore, n.46, jul./1948. Separata. Ed.Comemorativa do
sesquicentenário da criação da palavra FOLK-LORE por William John Thoms
(Ambrose Merton) em sua carta publicada em The Athenaeum, Londres, n.982, de 22
de agosto de 1846. Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Folclore / IBECC/
UNESCO, 1996.)
* * *
Catarina. Boneca em tecido, de cerca de 60cm, representando uma noiva negra. Vitoriano Veloso ("Bichinho"), distrito de Prados / MG, 1996. Todos os anos uma Catarina era leiloada na tradicional festa de Nossa Senhora da Penha naquela vila colonial mineira. Artesã: Mariana Figueiredo (carinhosamente conhecida por "Dona Mariinha"), vista na foto abaixo, ao lado do esposo, sr.Antônio. A saudosa memória de ambos rendo simples e grata homenagem.
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* Fotos e texto: Ulisses Passarelli.
As ilustrações desta postagem foram inseridas em caráter ilustrativo e não fazem parte da publicação citada.
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